POLÊMICA ELEITORAL

Associação de juristas brasileiros que observou eleições da Venezuela pede respeito ao resultado e diz não ter elementos para alegar fraude

Quatro juristas enviados para o pleito afirmaram não ter provas que contradigam a vitória de Nicolás Maduro

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
O CNE tem 30 dias para publicar os resultados a partir da proclamação dos candidatos, realizada em 29 de julho - Federico PARRA / AFP

A Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) publicou documento relatando como foram as eleições na Venezuela e pedindo “respeito aos resultados” divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral do país (CNE). Segundo o texto, não há elementos até o momento para questionar a reeleição do presidente Nicolás Maduro.

A ABJD enviou quatro juristas ligados à Secretaria de Relações Internacionais da instituição para acompanhar o pleito. Segundo o relatório elaborado por eles e divulgado no domingo (25), as eleições aconteceram em “clima ordeiro e de completa liberdade”. Eles visitaram 23 centros eleitorais de Caracas e conversaram com os fiscais eleitorais tanto do governo quanto da oposição que relataram não ter “nada a reclamar sobre o processo e o sistema eleitoral”. 

Cada partido pode ter uma testemunha eleitoral acompanhando o pleito em uma mesa de votação e recolher uma cópia da ata eleitoral impressa ao final da votação. Mais de 1.200 observadores e observadoras internacionais acompanharam as eleições venezuelanas.

O grupo descreveu como funciona o processo de votação nas urnas venezuelanas e indicou que, até o momento, a divulgação dos resultados está de acordo com o que determina a regulamentação eleitoral da Venezuela para a publicação dos resultados na Gazeta Eleitoral. O CNE tem 30 dias para isso a partir da proclamação dos candidatos, realizada em 29 de julho.

De acordo com o documento, tanto os eleitores como as organizações políticas participantes puderam “verificar a manifestação do eleitor diversas vezes durante o ato eleitoral, tornando os resultados eleitorais difíceis de serem manipulados”. Por isso, segundo a ABJD, é possível concluir que “inexistiu comprovação objetiva legal de qualquer ato, elemento ou fato que pudesse levantar dúvida sobre a integridade do processo e do sistema de votação eleitorais”, assim como também não é possível ter qualquer comprovação de qualquer elemento que possa “levantar dúvidas sobre a autoridade do CNE”. 

O grupo cita também o ataque hacker sofrido pelo sistema eleitoral no dia do pleito e menciona a análise do site estadunidense Netscout. De acordo com a plataforma criada em 1984 que avalia o desempenho de páginas na internet, houve um “aumento incomum” no número de ataques de negação de serviço na Venezuela no dia das eleições, que se estenderam também no dia seguinte ao pleito. De acordo com a Netscout, o número de ataques por segundo foi 690 vezes maior em 28 de julho do que no dia anterior. 

Os ataques de negação de serviço - ou DDoS, como é chamado - é forma de congestionar um sistema com um volume muito grande de pedidos de acesso, forçando a sua queda. Ou seja, muitos computadores tentam, ao mesmo tempo, entrar no mesmo site e fazer os mesmos pedidos, criando um fluxo insuportável para uma determinada página online.

A ABJD afirma que o Conselho Nacional Eleitoral demorou para finalizar a votação além do previsto e do que “normalmente ocorreu em outras eleições” por causa dos ataques. Essa denúncia foi avaliada pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), que confirmou a veracidade dos ataques. O site do CNE, no entanto, continua fora do ar mesmo depois de 30 dias dos ataques.

O texto termina afirmando que os integrantes da delegação da ABJD constataram que o processo eletrônico de votação da Venezuela é “suficientemente confiável, uma vez que auditável em todas as suas fases”, e cumpre todos os requisitos implementados na lei eleitoral venezuelana. A organização fala também sobre os atos de perturbação à ordem pública contra as eleições e seu resultado” promovidos pela oposição no dia seguinte ao pleito. 

Martonio Mont’Alverne Barreto foi um dos representantes da ABJD nas eleições venezuelanas. Segundo ele, um dos pontos observados que podem ser melhores para as próximas eleições do país é justamente a segurança do sistema eletrônico. 

“O voto eletrônico na Venezuela é um voto seguro. O que poderia ser feito é ter um sistema de segurança maior, para limitar a possibilidade de ataques e responder de forma mais rápida”, afirmou ao Brasil de Fato

A oposição contestou o resultado do pleito e questiona os dados divulgados pelo CNE até agora, alegando ter mais de 80% das atas que supostamente indicam a vitória de Edmundo González Urrutia. Antes mesmo da divulgação dos resultados, a ex-deputada ultraliberal María Corina Machado já havia dito que "González Urrutia teve 70% dos votos e Nicolás Maduro 30%”.

Outros países pedem a divulgação das atas eleitorais. Segundo a lei eleitoral venezuelana, o CNE não tem o dever de publicar as atas. O site do CNE é usado justamente para divulgar o resultado detalhado de cada mesa de votação, mas sem uma cópia do documento oficial e apresenta o histórico dos dados desagregados de todas as eleições realizadas no país.

Barreto diz que, até agora, não é possível alegar que houve fraude. A oposição divulgou em dois sites as supostas atas recolhidas, mas o governo aponta inconsistências nesses documentos. Para o jurista, a publicação dos resultados na Gazeta Eleitoral dará um norte de como caminhará esse processo.

“Eu não tenho elemento objetivo nesse sentido como jurista. Se o CNE não publicar essa documentação em 30 dias eu imagino que vão dar alguma justificativa. Se o CNE publicar atas que sejam contrárias ao que tem a oposição, tem que dar crédito ao governo que é a autoridade eleitoral que tem competência para fazer a apuração. A oposição não tem essa competência. Se a oposição e o governo dizem ter as atas verdadeiras, eu tenho que dar crédito ao órgão eleitoral, a não ser que se apresente provas”, afirmou.

Judicialização 

O processo eleitoral venezuelano passou por uma disputa judicial. A oposição contestou a eleição de Nicolás Maduro para um terceiro mandato. Isso, somado à denúncia de ataque hacker pelo CNE, levou Maduro a pedir uma investigação pela Justiça. O TSJ investigou os supostos ataques, recolheu todo o material eleitoral do órgão e ouviu nove dos dez candidatos que disputaram o pleito. Só o opositor Edmundo González Urrutia não compareceu.

Depois de comparar as atas eleitorais com o resultado coletado pelo sistema eletrônico, a Justiça validou a vitória de Nicolás Maduro e confirmou a existência dos ataques hackers, mas exigiu que o CNE publicasse os resultados desagregados. O órgão eleitoral respondeu em comunicado nesta segunda-feira (26) afirmando que vai publicar dentro do prazo de 30 dias depois das eleições, que foram realizadas em 28 de julho.

O grupo liderado pela ex-deputada ultraliberal María Corina Machado afirma ter recolhido mais de 80% das atas eleitorais e que a soma desses resultados daria a vitória a Edmundo González Urrutia. Mas eles não enviaram a relação completa das atas à Justiça venezuelana e nem entraram com processo pedindo a revisão ou a impugnação dos resultados eleitorais.

Edmundo González Urrutia não se apresentou ao TSJ e enviou como representante o governador de Zulia, Manuel Rosales. Em discurso depois da oitiva, Rosales disse que a oposição "não precisa entregar nada" e exigiu a apresentação das atas eleitorais pelo CNE.

O jurista da ABJD Alexandre Guedes também acompanhou o pleito e afirma que todo esse contexto também limita a capacidade de contestação da oposição. 

“Legalmente é uma questão que já está resolvida, já que o TSJ deu o veredito depois de fazer a peritagem técnica. O problema é que a oposição fala muito e age pouco, dentro da legislação interna da Venezuela. Eles usam uma ferramenta que não está prevista na lei eleitoral venezuelana. Essa parcela da oposição sequer participou do processo judicial das eleições. Mesmo que participe das eleições, essa oposição precisa formalizar a contestação desse resultado, e não questionar só em declarações”, afirmou ao Brasil de Fato.

Edição: Rodrigo Durão Coelho