PAPO DE SÁBADO

'Parece que falar sobre direitos humanos hoje é anacrônico', reclama mediador de conflitos

Testemunha de atrocidades praticadas pela polícia, procurador Carlos Cesar D´Elia descreve cenas de violência no campo

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Também conhecido por Vermelho, procurador foi um dos fundadores do Comitê Estadual Contra a Tortura - Foto: Marcelo Ferreira

Mulheres jogadas sobre esterco e lama, idosos sendo espancados, crianças alvejadas por bombas, agricultores sem terra agredidos e até assassinados. No decorrer de muitos anos, o procurador do Estado Carlos César D’Elia tem ouvido e relatado um quadro de violência no campo do Rio Grande do Sul que inclui esses e outros episódios.

Um dos episódios que acompanhou foi o assassinato do agricultor sem terra Elton Brum com um tiro pelas costas desferido por um soldado da Brigada Militar. O caso ocorreu há 15 anos e foi marcado por uma atuação policial que os relatórios apontam como prática de tortura.

Conhecido como Vermelho, o procurador é doutor em Sociologia Jurídica e Instituições Políticas e membro da Comissão de Direitos Humanos da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul (PGE-RS), além de fundador e coordenador por diversos mandatos do Comitê Contra a Tortura do RS.

Nesta entrevista ao Brasil de Fato RS, Vermelho recupera o que viu e escutou em suas andanças, em um relato chocante. Confira:

Brasil de Fato RS: Neste mês completaram-se 15 anos do assassinato de Elton Brum. Você foi do Comitê Estadual Contra a Tortura e ouviu as vítimas no caso. Para que as coisas não sejam esquecidas, nos recorde o que aconteceu na desocupação na Fazenda Southall? O que te relataram sobre a atuação da polícia?

Carlos César D’Elia: Fiz um relatório conjunto de duas situações que envolveram o pessoal de São Gabriel [município da Campanha gaúcha], que estava no acampamento. Na semana anterior, houve uma ocupação da prefeitura local em função de recursos que teriam sido direcionados à prefeitura e não estavam chegando [às pessoas]. E, uma semana depois, a ocupação da Southall e o cumprimento das ordens de reintegração de posse e desocupação. Duas situações violentas. 

No caso da ocupação da prefeitura, o recurso era reivindicado mas o prefeito não recebia. Então, o pessoal ocupou a parte do saguão e das escadarias. Segundo todos os relatos, eles não adentraram nenhuma sala. A Brigada Militar foi deslocada para lá e não houve, segundo me lembro, qualquer espaço para negociação. Foram empurrando as pessoas escada abaixo e havia idosos, mulheres, crianças, muita gente já se machucando. Houve relatos da utilização de cassetetes e pontapés.

Na hora da saída, eles [os agricultores sem terra] relataram a existência de um corredor polonês com policiais. As pessoas tinham que passar por ali eram agredidas e sofriam ofensas de toda ordem.  

Na saída, estavam tentando detectar alguma liderança e pegaram 20 pessoas e as encaminharam para depor na delegacia de polícia. Havia um espaço, que seria um estacionamento, onde [os detidos] foram colocados de frente para a parede e agredidos com cassetetes, socos e pontapés, além das agressões morais. 

Houve relatos de uso de pistolas taser como critério de tortura mesmo. Ou tocando diretamente nos corpos, ou atirando, porque tem um fio que se gruda na pessoa. Houve pessoas que levaram até três disparos pelas costas, caiam, levantavam, sem falar na sequência de golpes físicos. Havia marcas nas costas, uma espécie de queimadura que fica dessa arma de choque, corroborando e dando consistência aos depoimentos. Tanto que isso nunca foi contestado. Nem mesmo pelo Ministério Público. 

Uma semana depois, durante a ocupação na Southall, houve nova reintegração de posse. Foi um contingente enorme de policiais, inclusive com cavalaria. Lembro de coisas muito marcantes. Quando se deu esse início de reintegração de posse, houve o tal congelamento da área. Ninguém mais acessava. Só a polícia. Ninguém poderia, portanto, estar junto acompanhando o que estava sendo feito. Os relatos diziam que eles (os policiais) foram direto para a violência. Também não houve qualquer negociação. Não houve o tal do uso progressivo da força.

Em todos os acampamentos existem crianças e havia um lugar específico, a ciranda, onde eles [os agricultores] trabalhavam com as crianças. Falaram que muitas das bombas eram jogadas na direção onde estavam as crianças. Muitos dos acampados correram na tentativa de defender as crianças e os que iam sendo pegos pela cavalaria no caminho eram jogados em cima das crianças. Tem relatos de uma mulher arrastada pelos cabelos. Dois depoimentos citam uma criança que teve o pé muito machucado por um pisão da pata do cavalo. 

Os policiais também utilizavam aquilo que a gente chama, vulgarmente, de espada. Não utilizavam a espada no fio mas de lado. Foram muitos relatos de utilização desse instrumento em várias pessoas. 

O que tinha de medicamento, de material escolar das crianças, o que tinha de alimentação, foi tudo completamente destruído. Eu estive lá, verifiquei os restos. Instrumentos musicais, potes de medicamentos, as barracas, tudo destruído.

Depois houve a separação de homens para um lado e mulheres para o outro. Os homens foram colocados num lado, sentados em cima do que eu entendi que eram formigueiros – a promotora disse que não era formigueiro e que era outro inseto. Vi as marcas das pessoas que foram colocadas ali. Não só eu. A Polícia Federal também constatou. Tem fotos, tem todos os elementos mostrando isso. [Os agricultores] foram deixados ali, por bastante tempo, com as mãos na cabeça. Isso também é caracterizador de tortura. 

As mulheres relataram que estavam em cima de esterco, da lama, junto com as crianças. Ficaram com uma das mãos na cabeça e uma outra mão para ficar dando conta das crianças. Sob um sol muito forte. Contaram que a Brigada Militar jogou toda a água de uma caixa d'água em cima dos colchões deles. Ficaram sem água e sem alimentação. 

Havia cães. Eu chamei a atenção no relatório que cães são adestrados e não atacam se não houver ordem. E teve pessoas que foram mordidas pelos cachorros. Então, houve ordem nesse sentido. Mães relataram que muitas vezes tiveram uma arma apontada nas suas cabeças junto com as crianças.


"Isso não foi novidade", lamenta Vermelho sobre os casos de tortura praticados pela polícia / Foto: Marcelo Ferreira

Tomei o depoimento de um adolescente. Dele, queriam saber das lideranças. O pai dele seria uma delas. Queriam que o menino identificasse o pai entre os detidos e ele não estava encontrando. Entenderam que não queria identificar o pai. E andavam com ele todo o entorno, torcendo-lhe os braços e os dedos. Depois, o agrediram atrás de um veículo. Não precisa muita coisa além disso também para caracterizar a tortura, não é?

Em determinado momento iriam levar as mulheres de volta ao acampamento de origem. Elas tinham ouvido que, depois que fossem, os homens iriam apanhar muito. E não quiseram sair. Fizeram toda uma resistência, desceram do ônibus tentando preservar os companheiros. 

Me chamou muita atenção, e foi muito comentado na época que a representante do Ministério Público na operação, com a função de fiscalizar a atuação no cumprimento da reintegração, estava fora da tal área congelada. Não tinha acesso aonde estavam sendo feitas essas atrocidades. Mas teria dito, ao fim, que tudo tinha ocorrido dentro da mais estrita legalidade. Quando, inclusive, já tinha havido o assassinato do Elton. 

Houve a condenação por assassinato do policial que atirou no Elton Brum, o que foge um pouco até do padrão. Porém, todos esses casos de tortura acabaram não dando em nada... 

Isso não foi novidade, porque outros relatórios que foram encaminhados ao Ministério Público apontando elementos que, necessariamente, implicariam em procedimentos de investigação, foram todos arquivados pela Promotoria dos Direitos Humanos. Nem sei se existe ainda. 

Só dois desses relatórios do Comitê de Direitos Humanos tiveram consequências civis. Penais, nenhum, do ponto de vista das torturas. O [caso do] Elton Brum era um homicídio, impossível que não houvesse uma apuração e uma busca de responsabilização. Eu, inclusive, fui testemunha de acusação no julgamento do soldado.

Há vários casos de violência praticada pelo Estado ao longo da história recente do Brasil, como o massacre de Eldorado dos Carajás. Aqui no Rio Grande do Sul, além do episódio na Fazenda Southall, tivemos outros nos quais você também trabalhou nos relatórios de Direitos Humanos. Conte sobre esses outros casos e suas similaridades.

Se fizermos uma análise desses relatórios, vamos encontrar práticas reiteradas, quase idênticas. Abordagens parecidas e sistemáticas. Eu atuei também no caso de Coqueiros do Sul, outra situação envolvendo a polícia e o MST, e ainda em um caso envolvendo estudantes em uma ocupação da Secretaria da Fazenda. O último caso em que atuei, já na posição de integrante do Conselho Estadual de Direitos Humanos, foi em Passo Fundo. Lá houve uma ação da BM em relação a uma tentativa de retomada dos Kaingangs da Fazenda da Brigada. Na verdade, eles (os indígenas) estavam na frente dessa área. 

Em todas as práticas vimos a utilização indevida dos armamentos que nós vulgarmente chamamos de bala de borracha. Esses armamentos de menor letalidade não raro foram usados fora dos padrões, excessivos, se constituindo, ao fim e ao cabo, também em instrumentos de tortura.

Como foram esses casos de Coqueiros, dos estudantes e dos Kaingangs? 

Coqueiros foi a primeira, na Fazenda Guerra, muito famosa, na luta pela reforma agrária. Tem algumas peculiaridades interessantes. Quando iniciou a movimentação para a desocupação da área, houve alguém que tinha alguma terra e emprestou, talvez por simpatia com o movimento, para que as pessoas ficassem lá. Estavam, então, em outra área. Não era mais a Coqueiros. Não se justificava mais nenhuma atuação policial, mas a BM cercou a área toda com viaturas. Foi uma noite de terror.

Passaram a noite toda com sirenes, música alta, ameaçando que iam invadir, tomar conta da área, que iam matar as pessoas. Os requintes de crueldade tinham dois aspectos. Um envolvendo as crianças e suas merendas e outro uma adolescente de uns 14 anos. Além de bombas que atiravam, e uma delas atingindo um dos barracos já no lugar que fora cedido. Lembro que, quando os acampados tiveram que fugir, as estruturas para as aulas das crianças, inclusive merenda escolar, tudo foi destruído e muitos dos alimentos tomados pela BM.

Eles [os acampados] disseram que os policiais não raro apareciam com os biscoitos, dizendo "que isso aqui era para dar para os cachorros". Como se não bastasse, a coisa avançou para situações em que um policial teria negociado a entrega de uma menina pelos biscoitos. Eles gritavam, "Ah, aquela loirinha", o tempo todo [pressionando] essa menina [dizendo] "vem conhecer meu tripé". Nesse nível a noite toda. Imagina o que é isso. 

Na Secretaria da Fazenda, foi uma luta dos estudantes na época em Porto Alegre. Sem resposta a suas reivindicações, organizaram uma ocupação. Lá, houve toda uma mobilização da BM, e ao que conste, não havia ordem de reintegração de posse. Foi uma situação direta da BM para retirar os estudantes. E também foi uma coisa de terror.

Lembro de depoimentos bem pesados, de utilização de força indevida, agressões, e especialmente utilização de equipamentos como instrumentos de tortura de novo, no caso, por exemplo, jogar spray de pimenta não só no rosto, mas na boca das pessoas. Uma menina contou que teria sido arrancada de lá com o policial pegando ela pelo seio. Dentro de um ônibus, mais uso desses equipamentos de fumaça e spray de pimenta. E os estudantes eram, na maior parte, adolescentes. 

Em nenhum desses casos foram adotados os protocolos devidos. O Ministério Público Estadual também nunca adotou medidas mais efetivas. Quando concluímos o relatório dos estudantes, muitos temiam a entrega por consequências que viessem a sofrer. Tivemos que omitir o nome das pessoas, tanto delas quanto dos policiais. Olha o nível de relação que as instituições estabelecem... 

Na atuação na retomada Kaingang de Passo Fundo, quando os indígenas ficaram junto a uma BR, a BM, de novo, sem mandado de reintegração, por iniciativa própria, disparou bombas de gás diretamente onde estavam crianças. Usou indevidamente, de novo, armamentos, inclusive à queima-roupa. Uma liderança indígena com mais de 70 anos que, após ser derrubada, foi vítima de mais de 20 disparos, um deles no ouvido, que redundou em perda de audição permanente. E essa pessoa foi levada algemada e ficou sentada no chão da delegacia por muitas horas. Também teve disparo de arma de fogo que atingiu a perna de outro indígena. 

De onde vem essa herança de atuação violenta da polícia diante dos movimentos sociais?

Este país é racista, preconceituoso, tem uma origem violenta, especialmente quando se refere à questão da terra. Começa lá nas capitanias hereditárias, essa lógica toda da concentração de latifúndios, e a luta pela terra que passa por aí. Esta questão da tortura e da violência é institucional e seria incorreto dizer que está concentrada na polícia. Existe todo um funcionamento do Estado brasileiro que, no mínimo, permite que isso permaneça e aconteça.

Se formos avaliar como tem sido a atuação da polícia, dos institutos criminalísticos, dos ministérios públicos e das conclusões daquilo que eventualmente chega no Judiciário, vamos ver que existe quase que uma licença, quase que uma aceitação, um incentivo para que esse tipo de violência institucional prossiga. Enquanto nós não fizermos uma profunda revisão dessas posturas, dos compromissos que o Estado Democrático de Direito deve ter em relação a essas situações, nós vamos verificar o Estado brasileiro criminalizando as lutas por direitos

Nessa situação, por exemplo, os Kaingangs, se tu ler o relatório do inquérito que era para investigar os excessos cometidos pela polícia, tu tem a convicção de que o inquérito está apurando as responsabilidades dos indígenas, não dos policiais.

Não tem uma herança da ditadura militar também nisso? 

Evidentemente. Temos todo um caldo de cultura. Aí entra toda uma questão também que não se pode deixar de apontar. Em que pese toda a importância que o STF [Supremo Tribunal Federal] teve, inclusive nessa última tentativa de golpe, lá atrás, quando da análise da Lei da Anistia, a única na América Latina que ficou mantida por decisão do STF, considerada constitucional, com a relatoria do Eros Grau. E temos o quê? Uma legitimação de todas as atrocidades, torturas e violências, assassinatos, desaparecimentos forçados com o beneplácito do STF a pretexto de que houve um acordo político de esquecimento, o que não é verdade. 

O STF entendeu como constitucional a Lei da Anistia, contrariando, o entendimento da Corte Interamericana, onde todas as leis de anistia similares a essa, as do Uruguai, Chile e Argentina, foram derrubadas. Até hoje temos na Argentina processos acontecendo, como aconteceu no Chile, Uruguai, etc. Onde não acontece? No Brasil. 

Essa violência estatal, inclusive a tentativa de golpe, de novo nós temos a participação incontestável de boa parte do setor militar, é por conta desse espaço que houve do que foi cometido antes. A República brasileira começa com um golpe militar. É uma tradição histórica e, enquanto não botarmos o dedo nessa ferida, vamos continuar vítimas, eventualmente, com pouco de memória e de verdade e nenhuma justiça.

Você foi um dos fundadores do Comitê Estadual Contra a Tortura. Quais as origens do comitê, os objetivos na época da criação? 

Lá pelos idos de 2001, houve um acordo envolvendo a OAB, o Ministério Público e várias instituições. Nosso comitê tem uma característica peculiar: sempre funcionou tendo como base esse compromisso político-institucional-social de combate à tortura. Tivemos representação da própria Brigada Militar. Não tínhamos limite de representação.

Alguns outros comitês que surgem no país depois acabam institucionalizados por lei. O nosso, até hoje, não tem isso ainda consolidado, apesar de haver todo um debate interno sobre isso. O fato é que, com essa característica, conseguimos ao longo do tempo construir leituras, investigações e, portanto, relatórios que trabalharam a questão da tortura no âmbito coletivo, não no âmbito individual daquele que o sujeito é levado para uma salinha e é torturado. Na perspectiva, então, portanto, de participação mais ampla das instituições no cometimento dessas práticas.

Temos um contexto no Brasil de ascensão da extrema direita e um certo culto ao direito da segurança pública agir com violência. Como você entende o presente e o futuro da luta pelos direitos humanos e contra a tortura? 

Tu toca em assunto muito delicado. Não só porque estamos dentro do contexto de ascensão da extrema direita mas, por conta disso também, parece que falar em direitos humanos hoje é algo demodê, anacrônico. 

Por conta dessa correlação de forças estabelecida hoje no plano político, os campos, mesmo da direita liberal clássica, que têm compromisso com aqueles primeiros direitos chamados direitos de liberdade, até o campo mais progressista chamado de esquerda, estão reticentes em abraçar a necessidade de defesa e promoção desses direitos. Temos uma cultura de preconceito em relação aos direitos humanos, que já existia antes e parece que agora se aprofunda.  


"Este país é racista, preconceituoso, tem uma origem violenta, especialmente quando se refere à questão da terra" / Foto: Marcelo Ferreira

Tem aquela frase afirmando que "direitos humanos são para bandidos"...

É clássica e não é totalmente mentirosa. Direitos humanos é direito de bandido? É também, porque os bandidos, na verdade, são o quê? São pessoas que cometeram delitos devidamente penalizados nos termos da legislação. Mas não quer dizer que perdem sua dignidade humana. Então, é direito de bandido também, mas não é só. 

Se formos pensar porque temos educação, saúde, habitação, direito à moradia, que são pautas de lutas que se tem hoje, são direitos humanos que estão na Constituição. Parece que cada vez mais estamos recuando, deixando que todo esse espaço comece a ser problematizado no sentido de questionar até mesmo a validade e a eficácia desses direitos. Começamos a relativizar.

Isto é algo do contexto brasileiro ou é geral?

Vemos instituições que foram criadas no pós-guerra como consequência das atrocidades cometidas em relação ao povo judeu. Curiosamente, temos agora Israel tendo esse tipo de postura em relação à Gaza. Existem várias decisões da ONU em relação a esse conflito – vamos chamar de conflito – e o que temos? Uma ONU muito fragilizada, várias das suas decisões, inclusive do próprio Conselho de Segurança, não são observadas.

A fragilização dos direitos humanos se dá na mesma toada em que a extrema direita ressurge. Se formos pensar de onde vem isso tudo, essa ascensão da extrema direita, vemos todo um processo de crise do modo de produção capitalista.

Os direitos sociais foram consequência da conquista do operariado, da classe trabalhadora, especialmente na Europa. Então, chega um determinado momento de tensão na relação do capitalismo com a classe trabalhadora, no âmbito de um processo de revolução, especialmente a Revolução Soviética, em que vemos a tentativa de uma equalização, quando o capital cede alguma coisa. São especialmente os direitos sociais, ligados ao mundo do trabalho, depois vão surgindo outros. Surgem como uma espécie de negociação para conter a perspectiva revolucionária. E a classe trabalhadora, por seu turno, aceita também essa negociação. É a origem do campo chamado de reformista, onde se consolidam esses direitos negociados na relação capital-trabalho, que vão se desenvolvendo com a organização da classe trabalhadora em nível mundial. 

Em que momento isso começa a ruir? Começa a ruir quando temos a derrocada soviética, a queda no Muro de Berlim. Começa com a vinda do neoliberalismo e todas as suas consequências. A partir dali, começa a precarização da organização da classe trabalhadora, que vem crescendo até o ponto em que estamos hoje. E o que temos para ilustrar isso tudo? O que tivemos aqui recentemente? Quase que uma destruição total da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT. Temos empresas hoje que existem no etéreo. Então, não é por acaso, portanto, que esses direitos todos estão muito fragilizados. 

Dentro das suas contradições internas, o capitalismo tenta achar equações que acabam redundando em mais miséria, e, portanto, precisa cada vez mais de um Estado policial. E para ter um Estado policial, tem que ter menos direitos, menos garantias.

Hoje temos as pautas identitárias, em que se avançou, a luta feminista, a luta étnico-racial, etc. Temos avanços importantes, mas estamos tendo agora também reações importantes, que tentam fazer retroceder também esses direitos.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul

Edição: Ayrton Centeno