Em meio a becos e vielas do bairro Bom Jesus, em Porto Alegre, Maria Elisabeth Saldanha Vilela, mais conhecida como Tia Beth, de 63 anos, tornou-se um símbolo de resistência e solidariedade. Há quatro anos, ela lidera uma cozinha comunitária que surgiu em sua própria calçada durante a pandemia.
O cenário era desolador: pessoas doentes, vizinhos desempregados e crianças famintas. Diante dessa realidade, a solução encontrada por Tia Beth partiu de um gesto simples, mas potente: ela colocou uma mesa em frente à sua casa e começou a distribuir marmitas feitas com os ingredientes que conseguia reunir.
“Foi então que comecei a produzir na cozinha da minha casa. Tinha um fogão industrial, consegui umas panelas grandes e comecei a fazer marmitas, porque era pandemia e as mulheres daqui estavam em situação precária, assim como as pessoas doentes, que já tinham seus problemas, né? As crianças, sem creche, sem SASE, sem escola, precisavam de alimento. Então, eu fui atrás de marmitas, pedindo comida nas portas de quem tinha algo para me dar. Lá nos becos, como o Beco da Morte aqui, onde vivem pessoas muito pobres e carentes”, conta Tia Beth, que mora há 32 anos no bairro Bom Jesus.
A fila de moradores que chegavam em busca de alimento crescia dia após dia, e logo ficou claro que o espaço de sua casa não seria suficiente para atender a demanda. Sem hesitar, ela começou a buscar por um espaço maior. Foi assim que encontrou uma nova morada para sua cozinha: uma igreja abandonada há 15 anos.
"Eu falei ‘vou meter o pé naquela porta e fazer um refeitório ali, preciso ajudar mais essa gente'", relembra Tia Beth com a mesma firmeza que a levou a ocupar a igreja. O espaço estava abandonado, com mato crescendo em volta, mas, para ela, era a oportunidade de ampliar a sua ação. Foi então que Tia Beth decidiu procurar o padre responsável pela igreja.
“No dia, ele disse: ‘Chame essa mulher aqui.’ Eu fui, pensando: ‘Agora esse homem vai brigar comigo.’ Chegando lá, ele perguntou: 'A senhora é a tal Dona Beth? A senhora faz isso?' Respondi que sim. Ele disse: ‘Eu mandei te chamar aqui para doar a chave da igreja para a senhora fazer essa ação.’ E é isso que eu tenho até hoje, graças a Deus. É o que eu faço: ajudar.”
Foi assim que Tia Beth conseguiu a doação oficial do imóvel para que pudesse continuar alimentando quem mais precisa. “E assim fui crescendo. Bati nas portas da Assembleia e em outros lugares pedindo ajuda. Foi onde eu aprendi onde buscar recursos”.
Rede de apoio
Esse foi o início da Cozinha Comunitária Nossa Senhora Aparecida, localizada na Rua B, nº 300. "Hoje, eu produzo 600 marmitas diárias", explica. Além das marmitas, ela fornece refeições no único refeitório comunitário do bairro, alimentando mais de 300 pessoas diariamente. Tia Beth também distribui cestas básicas para as famílias mais necessitadas, com apoio de parceiros como o MST, CUT e o Levante Popular da Juventude.
“Essas pessoas que estão comigo são muito importantes e valiosas. O MST tem estado comigo desde o início, especialmente através de figuras como Adão [deputado] e Edgar Pretto, presidente da Conab, que me enviam alimentos, incluindo carne para preparar as marmitas diárias. Recebo frango, carne de porco e guisado de salsichão. Além disso, toda sexta-feira, a CUT me manda uma cesta básica e verduras, o que também me permite continuar produzindo a comida. Sem essas pessoas, como eu poderia alimentar o meu povo aqui na favela? O MST trouxe frutas e verduras, e graças a essa rede de apoio, consigo seguir em frente.”
Para Tia Beth, o caminho é feito de degrau em degrau. Cada vitória, cada marmita entregue, cada sorriso recebido é uma prova de que seu esforço vale a pena. "Estou subindo degrau por degrau e, se Deus quiser, vou chegar ao topo". Ela acredita que sua jornada de solidariedade continua longe de terminar e segue com a determinação de fazer cada vez mais pela comunidade da Bom Jesus.
A vida de Tia Beth sempre foi pautada pela liderança comunitária e pelo cuidado com o próximo. Antes da pandemia, ela já era conhecida por fechar as ruas do bairro para atividades recreativas com as crianças da comunidade. A cozinha comunitária de Tia Beth é hoje um espaço de acolhimento, onde alimentos e esperança são distribuídos de forma generosa. Para ela, o que começou como uma resposta emergencial em tempos de pandemia se tornou um projeto de vida.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Katia Marko