Alívios ou pressões?

EUA aguardam mercado e eleição para decidir futuro das sanções contra a Venezuela

Composição do mercado petroleiro e escolha para presidente colocam governo estadunidense em espera sobre bloqueio

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |

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A PDVSA vê com otimismo o crescimento do ano pela manutenção dos preços no padrão internacional e negociações com empresas dos EUA - Lorenzo Santiago

Um mês depois das eleições da Venezuela, ainda não está claro qual será a estratégia dos Estados Unidos em relação às sanções contra o país. Mesmo sem reconhecer a reeleição de Nicolás Maduro, a Casa Branca tem adotado o que analistas venezuelanos chamam de “ambiguidade estratégica” para ganhar tempo e decidir se vão endurecer ou flexibilizar as medidas coercitivas contra a economia venezuelana.

Se de um lado os Estados Unidos pressionaram pela saída do presidente chavista, do outro, o país precisa cada vez mais do petróleo venezuelano e tem uma questão interna para resolver: as empresas norte-americanas que atuam na Venezuela.

A Chevron é a principal delas e suas atividades foram impactadas pelas sanções impostas pelo governo estadunidense. As medidas afetaram não só a produção da estatal petroleira venezuelana PDVSA, mas todas as suas subsidiárias, inclusive as quatro empresas mistas com a Chevron: Petroboscán, Petropiar, Petroindependência e Petroindependente.

Por isso, empresários estadunidenses ligados à indústria petroleira começaram um lobby no Congresso dos EUA para derrubar as sanções e alguns alívios começaram a ser anunciados ainda em 2022. Naquele ano, o Departamento do Tesouro concedeu a licença 8M, que permitia que a Chevron operasse na Venezuela. Essa medida vem sendo renovada semestralmente até hoje.

Segundo Betzabeth Aldana, pesquisadora do grupo Missão Verdade, as licenças são uma ferramenta encontrada pelos EUA para evitar a pressão política de empresários ligados ao setor energético e dos políticos republicanos que trabalham pela manutenção das sanções. 

Eleições na Venezuela, pressão nos EUA

No campo político, os Estados Unidos afirmam que o candidato opositor Edmundo González Urrutia venceu as eleições. A secretária de imprensa do governo estadunidense, Karine Jean-Pierre, disse depois do pleito que não tinha nada para anunciar sobre as medidas coercitivas unilaterais, mas que o governo “continuaria avaliando a política calibrada de sanções em relação à Venezuela à luz dos interesses dos Estados Unidos”.

Já em outra coletiva de imprensa, o porta-voz do governo, Matthew Miller, afirmou que não estava sendo discutida a possibilidade de retroceder nas licenças concedidas, mas que há um “novo cenário que será levado em consideração". 

Essa espera adotada pelo governo estadunidense é vista por Betzabeth Aldana como uma forma de ganhar tempo para analisar o cenário geopolítico.

“Eles adotaram um discurso de ambiguidade estratégica. Eles têm como foco medir os tempos e condições para não se apressar. Estão esperando como vai ser traçado o cenário geopolítico. É um cálculo amplo, que não só se baseia nos assuntos políticos internos da Venezuela, mas também tem uma série de elementos que entram nessa grande equação energética e que eles por obrigação tem que levar em conta. De acordo com a crise energética mundial eles precisam de uma fonte alternativa, segura e duradoura que é a Venezuela”, disse. 

O cenário geopolítico amplo a que ela se refere são as guerras na Ucrânia e na Palestina, que levaram a uma queda na oferta de petróleo e gás no mercado internacional. Por isso, os EUA voltaram a recorrer ao petróleo venezuelano. Em março, a Venezuela se tornou o 6º país que mais vende petróleo para os Estados Unidos. Segundo relatório da Administração de Informação de Energia dos EUA (EIA), divulgado em junho, Washington comprou 5,5 milhões de barris de petróleo venezuelano no período. Com isso, o país sul-americano superou a Guiana, Reino Unido e Nigéria no ranking dos exportadores de petróleo para os EUA.

Eleições nos EUA, futuro da Venezuela

O futuro das sanções também está diretamente ligado à escolha do novo inquilino da Casa Branca. Donald Trump e Kamala Harris disputam as eleições presidenciais em 5 de novembro e podem ter posturas diferentes em relação ao petróleo venezuelano. O ex-presidente republicano foi responsável, em 2017, por endurecer as sanções e proibir a venda de petróleo no mercado internacional.

Já os democratas, com Barack Obama em 2015, foram os primeiros a decretar o país sul-americano como uma "ameaça inusual para a segurança interna dos Estados Unidos" a partir da Ordem Executiva 13.692.

Para Aldana, essas medidas mostram como os dois partidos têm uma política parecida em relação à Venezuela, mas que ainda é muito cedo para entender quais seriam as condutas desses dois candidatos em relação a Caracas.

“A política deles é a mesma, eles têm uma política nacional bem definida. Não importa o partido, há um objetivo. O que muda é o método. Não dá para precisar como seria a política porque falta decidir muitos elementos em cada candidato para poder ter claro qual seria pior. Ou seja, é como escolher entre os dois piores qual é o menos pior”, afirmou.

Para ela, enquanto o processo eleitoral está em curso, é pouco provável que os Estados Unidos mudem as sanções e, principalmente, as licenças. Em outubro de 2023, os EUA começaram a emitir algumas permissões para o mercado venezuelano em resposta ao Acordo de Barbados, assinado entre o governo e parte da oposição para definir as regras para as eleições presidenciais.

A principal delas era a licença 44, que permitia que a Venezuela negociasse petróleo no mercado internacional. Com isso, empresas que quiserem negociar com a petroleira PDVSA terão que ter o aval da Agência de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC) do Departamento do Tesouro dos EUA.

A licença 44 foi substituída em abril pela licença 44A, que determina que as empresas que mantêm negócios com a PDVSA deveriam encerrar as atividades até 31 de maio e pedir autorização da OFAC do Departamento do Tesouro dos EUA para retomar os negócios. Na prática, é uma forma de colocar travas em negociações com a estatal venezuelana.

Mas toda essa costura limita também a margem de manobra dos EUA caso a ideia seja voltar a endurecer as medidas coercitivas contra a Venezuela. Muitos acordos firmados na licença 44A são para empresas e países desenvolverem campos de exploração futuros na Venezuela, a médio e longo prazo. 

Há também contratos com a Chevron assinados para os próximos 15 anos. A PDVSA e a empresa estadunidense assinaram em julho um acordo para exploração conjunta até 2050. Os termos foram aprovados pela Assembleia Nacional venezuelana para a empresa mista Petroindependência. A companhia pertence majoritariamente à PDVSA (60%), mas tem participação de 34% da Chevron.
 
“Tem muitos interesses de empresas internacionais que, com a queda das licenças, complicaria esses investimentos de longo prazo. Então há um cenário diferente. Não se pode dizer que eles vão revogar licenças em um curto prazo, mas eles podem se preparar para isso no futuro. Como fizeram em 2013 e 2014, quando eles se prepararam para isso e buscaram fontes alternativas”, disse Aldana. 

Demanda por combustíveis

Além da Chevron, outras empresas também têm interesse em explorar petróleo e gás na Venezuela e se movimentam para aumentar as permissões. Eni, Repsol, Shell e BP têm atuação conjunta com a PDVSA e não querem perder os investimentos.

Outros países também fazem pressão para poder negociar com Caracas. Trinidad e Tobago, por exemplo, tem um acordo com o governo venezuelano para a exploração e exportação de petróleo no Golfo de Paria, um espaço com águas compartilhadas entre os dois países. Chamado de Campo Dragão, o local é também de interesse da Shell e da BP. Elas são sócias majoritárias da Atlantic, uma das maiores produtoras de Gás Natural Liquefeito de Trinidad e Tobago.

Em julho, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos publicou uma permissão para que a Venezuela venda gás liquefeito de petróleo no mercado internacional. A licença beneficia Colômbia, Trinidad e Tobago e a empresa britânica BP. Em abril, tanto a BP quanto a companhia trinitária NGC conseguiram uma permissão de dois anos para negociar e desenvolver os campos de gás Coquína-Manakin com o país. 

A licença também é de interesse da Colômbia. Bogotá tem um projeto antigo de importar gás venezuelano. Os países firmaram um acordo em 2007 para que a estatal colombiana Ecopetrol comprasse e transportasse o combustível da PDVSA pelo gasoduto binacional Antonio Ricaurte. Os projetos foram paralisados, mas a situação atual da Colômbia apresenta a necessidade de retomar a iniciativa. Em 10 anos, as reservas de gás colombianas caíram 51% e, segundo o governo, dentro de quatro a seis anos haverá déficit para atender a população. 
  
Segundo Betzabeth Aldana, a incapacidade dos EUA de suprir o mercado internacional também faz com que essa pressão recaia sobre o país. Para ela, outro fator determinante foi a mudança de postura dos países do Caribe depois do Petrocaribe, um programa de fornecimento de petróleo a países caribenhos criado pelo ex-presidente Hugo Chávez em 2005. Ele durou 14 anos, sendo interrompido apenas depois das sanções estadunidenses contra a indústria petroleira venezuelana em 2019, quando sua estrutura comercial foi desmobilizada.  

“Os Estados Unidos também importam petróleo e gás e não têm capacidade para abarcar necessidades de outros países consumidores. As ilhas do Caribe também mudaram de mentalidade depois do Petrocaribe. Esses países há 10 anos sequer se entendiam como países, mas sim como ilhas. O Petrocaribe também trouxe essa percepção para eles de que há possibilidade de desenvolvimento e agora eles exercem pressão diplomática sobre os EUA pedindo licenças, como Trinidad e Tobago. A Venezuela tem petróleo e gás para mais de 200 anos, para disponibilizar para EUA e Caribe”, afirmou.

Trocas estratégicas 

Mesmo com as sanções, a Venezuela conseguiu estabilizar sua economia depois de um período de hiperinflação. A política econômica, que envolveu o aumento na arrecadação de impostos, a venda de ações de empresas estatais e uma redução dos gastos públicos, foi encabeçada pela vice-presidenta e ex-ministra da Economia, Delcy Rodríguez. 

As medidas de Rodríguez, somadas às vendas de petróleo no mercado internacional por triangulação, conseguiram também retomar o crescimento. O PIB da Venezuela fechou o segundo trimestre de 2024 com um crescimento de 8,78%. Todos esses êxitos fizeram com que o presidente Nicolás Maduro deslocasse Delcy Rodríguez para o Ministério do Petróleo, para tentar ampliar a produção petroleira. 

Se o país chegou a produzir 2,5 milhões de barris por dia em 2015, viu essa produção se reduzir para 339 mil em 2020, fruto do bloqueio. A PDVSA tem agora uma produção de cerca de 922 mil barris de petróleo por dia, segundo a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). O objetivo do governo é ampliar para 3 milhões de barris por dia até o fim de 2025 e sinaliza uma aproximação cada vez maior com o grupo dos Brics para fortalecer um mercado com aliados estratégicos que estão entre os maiores consumidores de petróleo.

Segundo Maduro, essa perspectiva de crescimento vai continuar independente das sanções ou das licenças. “Vamos crescer pelo menos 8% com licença neocolonial ou sem licença. Nós não precisamos de licenças para crescer, para produzir, para trabalhar. Quem disse que somos escravos? Ou que somos colônia? Isso ninguém me contou. Em que momento nos tornamos uma colônia gringa?".

Edição: Lucas Estanislau