MARAJOARA

Cerâmica de Icoaraci, em Belém do Pará, é patrimônio cultural e resgata cultura amazônica

Inspirados nas culturas marajoara e tapajônica, artesãos de Belém mantém viva tradição milenar

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A ceramista Célia Cordeiro vive do artesanato no bairro Paracuri há cerca de 50 anos. - Mariana Castro

Quando pensamos em algo que identifique a cultura paraense, o artesanato em cerâmica é um dos maiores destaques. Seja pelos robustos vasos ou as pequenas cumbucas que reproduzem ou se inspiram nos traços milenares das artes indígenas marajoara, tapajônica, maracá e cunani.

Com cerca de 300 mil habitantes, o distrito de Icoaraci, há cerca de 20 km do Centro de Belém, é um dos principais polos artesanais da região, concentrando mais de 80 olarias onde são produzidas essas peças.

Mas é especialmente no bairro Paracuri, entrecortado por igarapés ricos em argila, que está cerca de 90% da comunidade ceramista. Lá, por onde se anda, as pessoas estão carregando argila, moldando ou secando peças expostas ali mesmo, na calçada de casa.


Com agilidade nas mãos e experiência, os artesãos chegam a produzir mais de 200 peças cruas em um dia. / Mariana Castro

Ainda no início do século XX, as peças produzidas em Icoaraci já ganharam o mundo, sob a fama de artesanato marajoara, graças ao empenho de mestres que resgatam e transformam a arte que hoje já tem identidade própria e é reconhecida como Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial de Belém.

"Eu na verdade não sou inventor de nada, não inventei nada, eu sou continuador da arte, porque quando me entendi, já encontrei meu pai fazendo. E quando meu pai nasceu, já encontrou o pai dele fazendo. Novas pessoas virão. Eu certamente vou embora como foi meu pai, como foram meus tios e outros irmãos meus que também eram profissionais da arte e eu fiquei. Sou o único da família que ainda estou trabalhando, estou com minha idade avançada, mas continuo trabalhando", explica o mestre ceramista Rosemiro Pereira.


Mestre Rosemiro oferece oficinas de cerâmica icoaraciense a estudantes. / Arquivo Pessoal

Aos 88 anos, Rosemiro mantém sua olaria e um espaço de artesanato e reforça a cerâmica icoaraciense como uma fusão dos estilos produzidos há milênios na Amazônia e hoje replicados ou estilizados.

"Hoje nós temos peças aqui em Icoaraci que são identidade nossa, da cerâmica icoaraciense, e as pessoas perguntam: É marajoara? É marajoara. É tapajônica? É tapajônica. É maracá? É maracá. Mas não é. Às vezes alguma cópia da marajoara, da tapajônica, da maracá, mas todas elas estilizadas, as originais você só encontra no museu. Hoje em dia é difícil ver um país no mundo que não tenha pelo menos algumas peças dessas, elas estão espalhadas pelo mundo", explica Rosemiro.


Pedidos chegam a ultrapassar mil peças de cerâmica e vão desde itens religiosos, decorativos até lembranças de casamento. / Mariana Castro

Na renovação da ancestralidade e reinvenção da arte se multiplicaram o número de artesãos de Icoaraci, que mantêm a tradição do manuseio da argila com destreza e rapidez. Hoje, o município fornece peças de cerâmica para todo o país e um único pedido chega a ultrapassar a quantidade de mil peças, todas feitas à mão.

"É muito gostoso trabalhar com artesanato, exige paciência e tem que ter amor. Se não tiver amor, não faz nada. Hoje a gente manda para todo lugar do Brasil, para onde encomendam, a gente faz. Vai para São Paulo, Natal, Fortaleza, Rio de Janeiro, Bahia... para todos os lugares a gente manda. Eu faço de uma peça a mil, eu vou fazendo. As pessoas encomendam, a gente faz, é o nosso trabalho e a gente faz com o maior carinho, uma ou mil a gente faz", declara a ceramista Célia Cordeiro, no ramo há mais de 50 anos.

Em sua própria olaria, Célia trabalha com nove pessoas, entre amigos e familiares, e reforça que toda a comunidade se ajuda.

"Aqui, como a gente trabalha em comunidade, nenhum trabalha só aqui, todos vão para a olaria do vizinho, ajudam um e outra pessoa, nem todos são fixos. Aqui um trabalha para o outro, um ajuda o outro. Se não tem peça para desenhar, eles vão para outras olarias", explica Célia.


A feira do Paracuri é parada obrigatória de quem visita o distrito, com a diversidade de peças dos artesãos de Icoaraci. / Mariana Castro

Foi a partir desta mobilização coletiva que há 30 anos os artesãos conquistaram a Feira de Artesanato do Paracuri, localizado na beira do rio e sob a beleza do pôr do sol, que dá nome ao distrito de Icoaraci, palavra da língua Tupi que significa "sol do rio".

"Vamos fazer ano que vem 30 anos de feira, então já somos bastante conhecidos aqui. Tanto no estado quanto em outros estados do Brasil. Aqui nós temos toda essa beleza da orla, do rio, do pôr do sol e isso valoriza muito mais o nosso produto e nós temos uma grande frequência de pessoas, tanto do estado, de Belém e dos outros municípios, como de fora do estado e até fora do país nós recebemos", explica um dos artesãos da feira, Zeca Nunes.


Os traços inspirados na arte marajoara são cuidadosamente feitos de maneira artesanal. / Mariana Castro

A arte milenar segue sendo repassada entre as famílias e amigos de Icoaraci, mantendo e fortalecendo os traços amazônidas, mas se reinventando a cada dia.

"Estamos aqui trabalhando, batalhando para o nosso artesanato não morrer. Tem que ensinar para poder continuar, para ter continuidade, se a gente não ensinar acaba... com fé em Deus eu vou continuar, porque a gente tem que trabalhar, batalhar e a gente está aqui para isso", complementa a ceramista Célia.

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Edição: Nicolau Soares