"Certas coisas que acontecem numa casa não devem ficar protegidas pelo segredo da família", propõe a escritora premiada Aline Bei, autora de Peso do Pássaro Morto e Pequena Coreografia do Adeus.
A afirmação parte de inquietudes sobre o limite do público e privado, que segundo a autora, é usado para esconder casos de violência doméstica, principalmente, tratando-se de agressão contra crianças.
"Eu não uso a palavra 'família', nunca usei, nunca escrevi sobre 'família'. A palavra que eu uso é 'casa', porque a palavra 'casa' para mim tem uma simbologia maior. A própria arquitetura da casa expõe isso porque ela é um espaço que esconde e mostra, né?", argumenta a escritora em entrevista ao programa Bem Viver desta quinta-feira (12).
"A casa faz parte do espaço público, no modo como a gente percorre as cidades, as ruas a gente vê as casas, mas ela, o que realmente acontece dentro de uma casa, faz parte de um espaço privado."
"E esse espaço privado tem as suas próprias regras, que às vezes são mais ocultas, às vezes são mais claras."
Aline Bei levará estes debates para a mesa que participa na Bienal do Livro de São Paulo nesta sexta-feira (13). A escritora estará junto com sua colega de profissão Paula Fábrio para debater sobre: Solidão em Família: Memória, identidade e dinâmicas familiares na ficção.
O encontro está marcado para as 18h, no Salão de Ideias, da Bienal.
"Eu acho muito bonito quando uma mesa consegue abarcar com o seu tema, a obra, o trabalho, a pesquisa das artistas que estão participando", celebra a escritora.
Segundo Bei, seus dois livros mais recentes dialogam diretamente com a proposta do encontro.
"Peso do Pássaro Morto fala de solidão no âmbito familiar, das dificuldades de comunicação entre uma mãe e um filho, e mais do que comunicação, mas a dificuldade de amar um filho. Mas, talvez, Pequena [Coreografia do Adeus] explore isso de uma forma um pouco mais profunda."
Finalista do Prêmio Jabuti, Pequena Coreografia do Adeus conta sobre uma jovem de vinte e poucos anos que busca a própria identidade em meio aos traumas e lembranças de uma infância entre as surras da mãe e a distância do pai, ambos confinados em uma relação cujos escombros perduram mesmo após o divórcio.
Aline Bei foi também vencedora do Prêmio São Paulo de Literatura de 2018 e do prêmio Toca, criado pelo escritor Marcelino Freire.
Ainda sem data de lançamento, o próximo livro de Aline Bei já está com a editora, e, de alguma forma, é uma continuidade de suas outras obras, embora não trate dos mesmos personagens e nem de uma cronologia.
"Esse meu terceiro livro vem de uma frase específica da Júlia [Terra, personagem em Pequena Coreografia do Adeus], quando ela fala da avó dela, porque ela teve uma avó, que ela conheceu muito pouco, porque essa avó tinha uma relação bastante difícil com a mãe dela também."
"Ela lamenta não ter conhecido melhor essa avó e ela tem um pensamento que ela diz: 'é uma pena que as nossas avós vão embora antes de nos tornarmos umas pessoas que sabem aproveitar uma conversa.'"
"E quando eu escrevi essa frase, realmente isso se abriu para mim e eu fiquei com um desejo imenso de contar uma história sobre uma avó e uma neta. E estou realizando esse desejo, essa obsessão nesse meu terceiro livro."
Confira a entrevista na íntegra
Como chegou a proposta da mesa na Bienal? Você que pensou no tema e na composição de escritoras?
Na verdade, foi uma proposta que chegou da própria Bienal e que me surpreendeu de uma forma muito bonita, porque também tem um entrelaçamento com o trabalho da Paula Fábrio, que é a autora que vai estar comigo.
Eu acho muito bonito quando uma mesa consegue abarcar com o seu tema, a obra, o trabalho, a pesquisa das artistas que estão participando.
A Paula está lançando um livro novo agora, que se chama Casa de Família, e eu ainda não li, não tive oportunidade, mas espero ler em breve, porque o livro está na pré-venda ainda.
Então tenho certeza que a gente vai conseguir entrelaçar um pouco aí da nossa pesquisa, principalmente a partir do meu último livro, que é Pequena Coreografia do Adeus.
Assim como também [Peso do] Pássaro [Morto] fala também de solidão no âmbito familiar, das dificuldades de comunicação entre uma mãe e um filho, e mais do que comunicação, mas a dificuldade de amar um filho. Mas, talvez, Pequena explore isso de uma forma um pouco mais profunda, porque o Pássaro tem uma dicção unilateral,
São duas obsessões formais também que eu tenho nos dois livros, e que também está se instalando no terceiro.
Seus livros dialogam muito sobre experiências pessoas suas. Você já comentou como, por exemplo, Peso do Pássaro Morto surgiu de um momento com sua mãe. Como funciona trazer essas vivências para sua literatura? Dá pra dizer que são livros, de fato, ficcionais?
Existe ficção, a ficção existe e eu faço ficção, eu não faço autoficção. Ter uma memória, alguma coisa que você viveu, como uma espécie de mola propulsora para você chegar em certas emoções, certos sentimentos, não é fazer autoficção, isso não tem nada a ver com autoficção.
Usar a memória de gatilho, usar a memória como sombra, espelhamento... isso é um procedimento que eu uso, que tem muito mais a ver pra mim com o teatro que eu fiz, eu fui atriz, né? E sempre o ator acaba usando as suas memórias como uma forma de se aproximar, de eliminar um pouco das distâncias entre a sua figura e a figura do personagem, que em algum momento precisa entrar num estado de se borrar.
Aquilo precisa começar a conviver.
E acho que as coisas também não são tão separadas assim quando a gente fala de processo criativo, né? As coisas não ficam numa pasta, tipo isso eu vou usar, isso eu não vou usar.
Conforme a gente vai escrevendo, coisas vão sendo convocadas, seja uma pesquisa que a gente precisa fazer, uma pesquisa às vezes até acadêmica ou uma pesquisa de campos, e precisa ir até um lugar, precisa viajar até um lugar para conhecer um espaço melhor, para sentir o cheiro daquele lugar.
Todas as coisas que um próprio livro demanda dentro do seu processo e que a gente precisa estabelecer como repertório, às vezes, para construir aquele livro, um livro ele precisa de repertório.
É um repertório técnico, emocional, simbólico e às vezes a gente quer escrever um livro e não tem esse repertório. E aí a gente precisa correr atrás dele e às vezes até escrever um outro livro, que vai ser usado de alguma forma para criar um estofo para o outro livro que a gente gostaria de escrever.
Então os processos são muito complexos, cada autora, cada autor tem o seu modo de trabalhar, eu posso falar por mim e eu acredito muito na ficção como uma forma de elaborar a verdade e uma verdade maior, que não diz respeito a minha vida, mas há uma espécie de impressão mais aberta, expansiva de estar viva.
Eu acho que a escrita para mim tem sido até agora a escrita do outro, eu e o outro numa fluidez maior do que eu me demorar em alguma coisa que de fato me aconteceu.
Uma das palavras-chave que está no título da mesa que você vai participar na Bienal é família, e de fato é algo que circunda muito sua literatura. Que conceito de família precisamos ter? Você acha que existe uma disputa política sobre o termo família? Principalmente vendo como setores da sociedade usam frases como "em defesa da família" ou "família tradicional brasileira".
Esse assunto me interessa muito, mas dentro da minha pesquisa eu não uso a palavra "família", nunca usei, nunca escrevi sobre "família". A palavra que eu uso é "casa",
Porque a palavra "casa" para mim tem um simbologia maior. A própria arquitetura da casa interessa porque ela é um espaço que esconde e mostra, né?
A casa faz parte do espaço público, no modo como a gente percorre as cidades, as ruas a gente vê as casas, mas ela, o que realmente acontece dentro de uma casa, faz parte de um espaço privado.
E esse espaço privado tem as suas próprias regras, que às vezes são mais ocultas, às vezes são mais claras.
Então eu tenho investigado esses limites do público e do privado de alguma forma, porque tem certas coisas que acontecem numa casa que não devem ficar protegidas pelo segredo da família, que devem ser expostas porque são questões extremamente políticas e que precisam ser debatidas coletivamente para que essas mudanças possam acontecer de fora para dentro e de dentro para fora, porque os movimentos são simultâneos.
Então quando, por exemplo, acontece essa questão de pais batendo em crianças, isso é algo público, urgente, que não é assim, a família decide se isso é certo ou não, como enfim, pode decidir se é um momento ou não de alguém ter uma bicicleta. Isso sim, é uma coisa que uma família vai organizar dentro da sua estrutura social.
Agora, não se pode bater em criança, isso não é possível que isso exista, não dá para naturalizar esse comportamento ainda hoje. Eu acho que a Pequena fala muito sobre isso, dos traumas muito profundos que uma criança sofre quando ela está imersa num centro que devia ser o lugar que socorre ela, das suas vulnerabilidades.
Mas se torna o contrário, se transforma em um lugar onde ela não pode nunca relaxar, ela precisa estar sempre em guarda, porque talvez seja um dos lugares mais perigosos para essa criança, sendo que a rua também é perigosa.
E aí onde essa criança, que é esse corpo vulnerável, esse corpo que está num estado que precisa ser cuidado pelas outras pessoas, pode estar se não é na casa? Onde que esse corpo existe?
Existe uma invisibilidade, uma anulação dos desejos e potências da infância que vão liberado durante toda a nossa vida depois e que muitos adultos acabam reproduzindo isso de uma forma até inconsciente, porque não tratou seus traumas, porque não olhou para isso.
E vem com discursos, clichês que a gente escuta muito, né? "Para mim foi assim, então é assim que vai ser para os meus filhos também." Naturalizando a violência que às vezes até a própria pessoa sofreu, sem se dar conta do tamanho do rombo emocional que isso pode e deve ter causado para essa figura.
E sobre seu próximo livro?
Já está com a editora, ele tá chegando aí nas suas últimas versões.
Eu tenho a impressão que a gente vai publicar no ano que vem. De toda forma, é um livro que eu estou escrevendo há três anos, desde que eu terminei a Pequena, que foi publicada em 2021, e é um livro que eu encontrei na Pequena, porque os meus trabalhos têm sido muito cíclicos.
Especialmente esses três primeiros, que eu sinto que, de alguma forma, eu tenho escrito quase que uma trilogia involuntária da própria casa, que é isso que a gente estava conversando na resposta anterior.
E o Pássaro foi um livro que me mostrou de que matéria sou feita, de que matéria a minha escrita é feita. E Pequena escutou isso e propôs um desdobramento do Pássaro a partir desse filho, que é o Lucas, no Peso do Pássaro Morto, que é invisibilizado pela mãe por razões que ficam muito claras no livro, mas que, como é um livro de primeira pessoa, esse filho não fica contemplado nas suas dores e angústias também
Então meu desejo foi a história a partir do ponto de vista de uma filha, transformando esse filho em filha, porque a minha pesquisa passa muito pelo protagonismo da mulher nas histórias.
E esse meu terceiro livro, ele vem de uma frase específica da Júlia, que quando eu estava escrevendo, abri um grande portal para mim, que é quando ela fala da avó dela, porque ela teve uma avó, que ela conheceu muito pouco, porque essa avó tinha uma relação bastante difícil com a mãe dela também.
Ela lamenta não ter conhecido melhor essa avó e ela tem um pensamento que ela diz: "é uma pena que as nossas avós vão embora antes de nos tornarmos umas pessoas que sabem aproveitar uma conversa".
E quando eu escrevi essa frase, realmente isso se abriu para mim e eu fiquei com um desejo imenso de contar uma história sobre uma avó e uma neta. E estou realizando esse desejo, essa obsessão nesse meu terceiro livro.
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Edição: Thalita Pires