Coluna

O sétimo selo

Imagem de perfil do Colunistaesd
Tendo cerca de 200 cidades com nível de umidade inferior ao deserto do Saara, a desertificação vai se tornando real em diferentes regiões do país - Marcos Vergueiro/Secom-MT
O agronegócio resolveu jogar xadrez com a morte e arrastar um país inteiro para a destruição

Olá!

 
O agronegócio resolveu jogar xadrez com a morte e arrastar um país inteiro para a destruição.

.Irrespirável. A combinação de seca histórica, calor e ação do agronegócio produziu uma onda de incêndios e fumaça que impede que as reais dimensões da destruição ambiental sejam ignoradas. Mas, como alertou o ministro do STF, Flávio Dino, é preciso manter o estranhamento para não naturalizar tamanha catástrofe. Tendo cerca de 200 cidades com nível de umidade inferior ao deserto do Saara, a desertificação vai se tornando real em diferentes regiões do país, como no PiauíMinas Gerais e em território amazônico. As consequências desse cenário são incontáveis, como crise hídrica, energética e sanitária, e incluem também efeitos econômicos e políticos. Assim, já acendeu o sinal de alerta na equipe econômica sobre os riscos de uma repercussão inflacionária das queimadas no preço dos alimentos justamente agora que o governo comemora uma deflação em agosto. Já na política, o mais óbvio é o risco de tornar cinzas o projeto do governo Lula de transformar o Brasil numa potência ambientalmente sustentável. Parte do problema ainda se deve ao desmonte dos órgãos de fiscalização ocorrido durante o governo Bolsonaro. Outra parte se deve à insistência do Congresso em seguir passando a boiada nas leis ambientais. Porém, mesmo com aumento de verbas destinadas ao combate a incêndios e maior mobilização de brigadistas, fica evidente a incapacidade do governo federal para enfrentar a situação. Aliás, o próprio Planalto e o STF reconhecem isso ao corresponsabilizar estados e municípios pela fiscalização e repressão aos incêndios criminosos. O que faz sentido, considerando que mais da metade dos 100 maiores municípios do país não possuem sequer uma secretaria exclusiva para a questão ambiental. Daí também a preocupação do governo em criar uma autoridade climática, resgatando um compromisso de campanha que precisou esperar o agravamento da crise para sair do papel. Mesmo assim, se quiser funcionar, o novo órgão terá que ser muito mais do que mera instância burocrática, enquanto na vida real da política os ministros da Agricultura e das Relações Exteriores pedem que a União Europeia não deixe de comprar produtos de áreas desmatadas. Tudo isso só reforça o alerta de Sabrina Fernandes de que é preciso mais do que apagar incêndios: o maior desafio é libertar o Brasil do agronegócio, o maior responsável pela atual catástrofe ambiental. 

 

.Céu cinzento. Outros dois fatores estão produzindo uma rápida degradação do clima dentro do Planalto. Assim como a fumaça não obedece fronteiras nacionais, a crise diplomática dos governos progressistas também não. Nesse caso, a fumaça das discórdias que já vinham se espalhando na região virou fogo depois da reeleição de Maduro, que serviu para reforçar o afastamento da diplomacia brasileira em relação aos governos da Venezuela, México e Nicarágua, ainda que tenha servido para aproximar Lula de Gustavo Pedro, da Colômbia. E mesmo que Lula tenha evitado escalar as tensões ao não assinar a denúncia contra Maduro na ONU, o que é visto como um recuo por parte de críticos do governo, a fragmentação da esquerda latino-americana parece irreversível e contribui para desertificar os projetos de integração regional. Já dentro das fronteiras nacionais, a batalha é para conter o incêndio que se espalhou no Planalto desde a divulgação de denúncias de assédio sexual contra o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida. O caso é delicado porque envolve também a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e expõe contradições entre duas pautas importantes para o campo progressista: igualdade de gênero e combate ao racismo. A crise gerou confusão na esquerda e, como era de se esperar, foi usada pela direita para desgastar o governo, mas ninguém ainda sabe dizer quais serão suas repercussões eleitorais. Por isso, estancar a crise o mais rápido possível e voltar ao debate propositivo será a tarefa imediata da nova ministra da pasta, Macaé Evaristo, e não à toa Lula escolheu uma mulher negra, petista histórica e experimentada para esta tarefa. E, enquanto todas as atenções estão voltadas para os embates internos do governo, as queimadas e as eleições, quem passa a boiada na economia é o mercado, que já decidiu que os juros devem aumentar, faça chuva ou faça sol.

.Sobrevivência ou morte. Todo 7 de setembro envolvendo Jair Bolsonaro não é sobre patriotismo, anticomunismo, nem sequer sobre o ministro Alexandre de Moraes. O 7 de setembro com Bolsonaro é sempre sobre o próprio ex-capitão. No caso deste ano, na Avenida Paulista, é sobre a sua capacidade de manter-se como líder da extrema-direita. E, agora, é para provar que é maior do que a novidade Pablo Marçal. Afinal, no seu xadrez, precisa demonstrar força política para sobreviver aos processos judiciais, e precisa sobreviver no Judiciário para permanecer com força política. Em partes, Bolsonaro foi bem sucedido. O ato não foi fraco e lideranças relevantes como Ricardo Nunes e Tarcísio de Freitas compareceram ao beija mão. Por outro, a conversão da sua base social ao marçalismo também ficou evidente, como se viu na própria manifestação e nas redes sociais, enquanto o próprio desempenho do ex-capitão nas redes já não é mais o mesmo. Marçal cresce, como analisa Joel Pinheiro, porque tem espaço em duas pautas que Bolsonaro tem dificuldades em manter o monopólio: os discursos anti-sistema e de conflito. Talvez estejamos numa passagem da velha extrema-direita de 1964 - militar e fundamentalista - para o puro suco de capitalismo selvagem de Marçal. A desidratação entre os bolsonaristas da candidatura de Alexandre Ramagem no Rio, berço eleitoral do familícia, também é simbólica da perda de influência do ex-capitão. Sem sucesso nas eleições, sobra o tabuleiro do Congresso para dar sobrevida ao bolsonarismo, aproveitando a cisão das candidaturas à presidência da casa para negociar a anistia ao 8 de janeiro com ambos os lados, o favorito Hugo Motta e seus oponentes. Quanto à Marçal, sua estratégia segue sendo comer pelas beiradas o bolsonarismo pois, nas suas palavras, “O Davi precisa ter paciência para o reinado de Saul chegar ao fim”. E o pior: nada disso é necessariamente uma boa notícia para a esquerda. Como analisa Valério Arcary, não estamos diante de uma polarização, porque a esquerda está enfraquecida e é a direita quem está na ofensiva, apostando numa estratégia hiperliberal de retirada de direitos como resposta à própria crise do capitalismo.


.Ponto Final: nossas recomendações.

.Dowbor: Para decifrar o enigma da ultradireita. O economista brasileiro desvenda as conexão entre questões políticas, econômicas, religiosas e de gênero nas disputas do nosso tempo. No Outras Palavras.

.Os detalhes de tentativa de acordo que envolveria Lira e ex-esposa. Como Arthur Lira tentou esconder as denúncias de lesão corporal contra a ex-esposa. Na Agência Pública.

.O PCC, os usineiros e as eleições em São Paulo. Na Pública, Marina Amaral discute como a facção que se tornou um holding do crime pode estar envolvida com as queimadas em São Paulo. 

.Diário de um brigadista. No Projeto Preserva, voluntário descreve o quotidiano no trabalho de combate ao fogo.

.A mulher que desafiou os madeireiros para defender a floresta. Conheça a trajetória de Osvalinda Maria Marcelino Alves Pereira em defesa da agricultura familiar e preservação da floresta.

.Por que a teoria sobre ultraprocessados floresceu no Brasil? E numa faculdade pública? Como uma teoria nascida em escola pública no sul global denunciando as corporações conseguiu se tornar referência internacional. N’O Joio e o Trigo.

.Empresas-plataforma: o Brasil na retaguarda. No Outras Palavras, Renan Bernardi Kalil mapeia o estado da arte da regulamentação do trabalho em plataformas no Brasil e no mundo. 

.Um gigante chamado Grande Othelo. Luiz Zanin escreve sobre o documentário que recupera a trajetória de um dos maiores atores do cinema nacional.


Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

 

 

Edição: Nathallia Fonseca