Em Salvador, as primeiras pesquisas eleitorais apontam um cenário com o candidato à reeleição Bruno Reis (União Brasil) em primeiro lugar com 55% a 68% das intenções de voto, a depender do instituto que realizou a pesquisa. Em segundo, aparece Geraldo Júnior (MDB) com 9,8% a 22%. Os demais candidatos — Kleber Rosa (Psol), Victor Marinho (PSTU), Eslane Paixão (UP), Silvano Alves (PCO) e Giovani Damico (PCB) —, em todos os cenários, aparecem a seguir em empate técnico, com índices que variam de 0,4% a 3%.
Para analisar o cenário eleitoral e o que está em jogo nas eleições da capital deste ano, o Brasil de Fato Bahia entrevistou o professor doutor Cloves Oliviera, do departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Ele é docente dos programas de pós-graduação de Ciência Política e de Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo na mesma instituição. Há cerca de 20 anos, pesquisa sobre Estudos Eleitorais e Partidos Políticos, principalmente nos temas de eleições e campanhas eleitorais.
Brasil de Fato Bahia – Como o senhor vê a conjuntura das candidaturas para as eleições municipais de Salvador? Mudou alguma coisa em relação à presença de candidaturas negras e femininas, por exemplo?
Cloves Oliveira – A pergunta é bem oportuna. Se levamos em consideração o item representação de negros nos cargos políticos na esfera da local, nós não temos uma melhoria da qualidade dessa representação que ainda continua com o monopólio político de homens, geralmente segmentos das elites locais, brancos, com perfil classe média ou alta. Na esfera da disputa para eleição à prefeitura, a gente tem uma permanência do mesmo padrão de recrutamento político. Esse é o grande aspecto.
Mas na disputa para o cargo parlamentar municipal, a gente teve transformações ao longo dos últimos tempos com um incremento no número de políticos negros eleitos. [Quando digo] políticos negros, não estou querendo dizer que representem propostas para defender uma agenda de melhoria das condições de vida dos negros. Mas em termos de composição da Câmara Municipal, a gente saiu, nos últimos 20 anos, de mais ou menos 30% para agora em torno de quase 45% de pessoas negras, dependendo de como se consideram as ambiguidades na classificação racial. Já temos um número significativo de políticos negros – pretos e pardos – fazendo parte da Câmara, transitando no espectro que vai da direita à esquerda.
Tem-se hoje uma Câmara um pouco mais heterogênea em termos de espectro de cor e raça, mas ainda predominante masculina. Aumentou, nos últimos tempos, o número de mulheres eleitas para a Câmara, temos atualmente oito vereadoras, num universo de 43 vereadores. Mas o padrão, efetivamente, é de uma extrema desigualdade de gênero.
Isso também se reproduz no perfil das candidaturas nacionais. Geralmente nós temos maior predominância de candidatos negros no Nordeste, porque é onde tem a maior proporção de negros no país. Mas em linhas gerais, no perfil das candidaturas no Brasil, não mudou muito a variação de candidaturas segundo gênero. As mulheres eram 34,6% em 2020 e diminuiu para 34%, e os homens 65,4% em 2020 aumentaram para 66%. Já em termos raciais, nós temos um aumento da proporção de pretos e pardos. Os pretos eram 10,9% em 2020 e agora aumentou para 11,30%; pardos 40,9% para 41,33%; e os brancos, esse que é o dado mais relevante, diminuíram de quase 50% para 45,6%. Está diminuindo o número de candidatos brancos nas eleições.
Você enxerga essa diminuição de candidatos brancos como um cenário de afroconveniência? Ou houve mudanças reais?
É difícil precisar isso. Tem um amigo meu fazendo estudos na Universidade de Brasília (UnB), o professor Carlos Augusto Machado, confrontando os padrões de classificação racial, autoclassificação e heteroclassificação. Ele mostra que existe realmente uma margem de discrepância e uma certa volatilidade nas classificações e migrações entre candidaturas no segmento branco-pardo e pardo-branco. Então, se observa uma discrepância, às vezes da ordem de 5 a 10%. Mas, em linhas gerais, o que a gente observa é que há dois padrões: um da afroconveniência em que, de alguma maneira, alguns candidatos migram da categoria de branco para pardo. E também existe o que eu chamo de “termo de ajuste de conduta”, em que alguns que se autodeclaram pardos que migram para branco, evitando ser confrontado com a opinião pública e ser descredibilizado.
Aqui em Salvador, a gente viu nesse momento o candidato Geraldo Júnior (MDB), que simplesmente mudou a autodeclaração dele de pardo para branco. E o Bruno Reis (União Brasil) no mesmo caminho, nesse momento, se autodeclara também branco. Isso, em grande parte, é resultado da politização da identidade racial.
O senhor apontou, lá no início, que o aumento do número de candidatos negros e negras não necessariamente quer dizer uma maior defesa das pautas trazidas pelo povo negro organizado. Como que o senhor avalia essa relação política, essa correlação de forças nas eleições desse ano?
É algo inquietante sobretudo porque, na história política brasileira houve, desde 1988, uma capacidade muito grande do movimento negro ek incluir as bandeiras de luta pela cidadania dos negros e combate à exclusão social e política em vários partidos e agremiações. Elas fazem parte do acervo sobretudo dos partidos ligados mais à esquerda e à centro-esquerda, como o MDB, PT, PDT, PCdoB, Psol. Todos esses foram partidos que, ao longo dos tempos, abraçaram essas causas, criaram departamentos e diretórios dentro das suas agremiações para se mostrar sensíveis a essas bandeiras. E assumiram o discurso de que a sociedade brasileira é desigual, excludente, e lutaram pela proposta de produzir uma sociedade mais igualitária.
Os partidos mais à direita, com o discurso de louvor à democracia racial, têm se recusado ao longo dos tempos a assumir essas bandeiras. Mas, eles também têm criado plataformas e propostas que, ainda que não façam alusão à defesa intransigente dos interesses da população negra, incorporam políticas públicas em favor desses grupos. Esse que é o grande segredo de alguns partidos mais à direita do espectro político, que é a capacidade de roubar algumas bandeiras tradicionais da esquerda e começar a incorporar um discurso de equidade sem expressamente falar nisso.
No caso baiano não é diferente. Mas o grande elemento fundamental que a gente observa aqui é a capacidade da elite local de fazer uma boa gestão discursiva e também de políticas públicas para frear as tensões raciais. A direita baiana, desde os anos 1980, ou até antes com o então senador e depois governador Antônio Carlos Magalhães que sempre foi capaz de fazer um discurso de valorização da cultura negra e em favor da cidadania. Ele era capaz de criar pequenos freios e contrapesos para evitar uma tensão racial mais ampla.
E o principal indicador dessa capacidade é a montagem das suas chapas para concorrer às prefeituras. Nos últimos tempos, todas as chapas têm na sua composição um homem branco como cabeça de chapa e uma mulher negra como vice. Isso é de uma simbologia explícita para mostrar que eles estão sensíveis o suficiente para ver a importância simbólica de colocar uma personagem que seja reconhecida pela população baiana e soteropolitana como sendo pertencente ao seu grupo, espelhando o perfil dessa população, mas ao mesmo tempo mantendo a rédea do poder na mão desses indivíduos oriundos de elites políticas mais tradicionais.
Vide agora, a campanha eleitoral de 2024, com a manutenção da Ana Paula como candidata a vice na chapa de Bruno Reis. O mesmo fenômeno aconteceu no primeiro episódio, quando ACM Neto foi eleito prefeito, quando ele colocou como sua parceira de chapa a professora Célia Sacramento, uma mulher preta oriunda de movimentos sociais, professora universitária que encarnava essa simbologia toda.
Ao passo que, atualmente, a gente vê a campanha eleitoral do candidato ligado à oposição, que é o Gerado Júnior, com Fábya Reis como vice. Ou seja, a ênfase foi montada de novo em uma composição com um homem branco e uma mulher negra, de novo com a forte identidade ligada a movimentos sociais. E nesse caso, nas propagandas eleitorais, uma parceria com o mesmo volume de presença na propaganda. Isso, sem dúvida, é uma espécie de retórica com ênfase na ideia de que finalmente temos a candidatura que represente a maioria da população, majoritariamente negra, embora as pautas que têm sido divulgadas falem muito do desenvolvimento regional, desenvolvimento urbano, melhoria do transporte, da educação, saúde, de um lado; e do outro, uma ênfase de que não se pode ter uma sociedade tão desigual e partida e que algumas transformações na paisagem urbana não são suficientes para sanar essas desigualdades.
Assistindo a essas propagandas eleitorais e pensando na realidade de Salvador atualmente, quais são as pautas que o senhor considera que deveriam estar sendo discutidas pelas campanhas?
A minha impressão é que as candidaturas, pelo estilo de marketing político, estão dando muita ênfase a imagens em movimentos, videoclipes, e não estão tendo um debate muito enfático com propostas. De um lado, a gente tem a candidatura da situação que está sendo muito bem sucedida na ideia de enfatizar um discurso da necessidade de continuidade. É como se fosse uma administração bem sucedida, desde ACM Neto até Bruno Reis, reivindicando a oportunidade de ter um segundo mandato. Eles têm sido muito enfáticos, não em números, mas sobretudo em veicular cenas da paisagem urbana que mostram as intervenções. O Bruno Reis, assim, de maneira muito inteligente, deu uma resposta às críticas de que a sua administração só tem feito atividades cosméticas, no sentido de que são de pouco impacto na vida das pessoas e de que só faz obras no setor mais classe média para acolhimento dos turistas. Ele tem mostrado obras na região da Suburbana e de Cajazeiras, por exemplo.
Então é preciso que a esquerda, sobretudo a oposição, se dê conta que a intenção de voto em favor de Bruno Reis dá conta que grande parte dessas políticas públicas estão sendo bem recebidas – resta saber o que é que está sendo criticado. Se são reais os dados das pesquisas de opinião pública divulgadas recentemente, essas ações têm sido bem aprovadas, ao passo que a oposição tem sido muito enfática em mostrar uma sociedade desigual, sobretudo, com pouco investimento em produção de condições para valorização de recursos humanos. Além disso, também mostrando uma ênfase na ideia de cidade partida. De um lado a cidade dos ricos, das elites de Salvador e também a cidade que é vista pelos turistas, que é vigorosa, pulsante, bonita somente no verão; e, ao longo do ano todo, a sociedade desamparada, que vive à mercê de transporte, de serviços públicos precários, engarrafamento, dificuldade de locomoção. Resta saber qual vai ser a escolha da população. Mas é uma eleição chave, muito importante para selar o destino do grupo político que está aí.
Essa é justamente a próxima pergunta: o que é que está em jogo nessas eleições?
Geralmente, a eleição municipal é uma espécie de palco de disputas antecipadas do prestígio dos líderes locais que vão testar a sua popularidade. Desde João Henrique tem sido sempre uma eleição com um caráter plebiscitário, na qual o governante em andamento coloca seu nome para avaliação do eleitorado e aí o eleitorado decide se concede mais quatro anos ou não para ele. Foi assim com João Henrique, depois vem ACM Neto, com uma administração muito bem avaliada que conseguiu fazer o seu sucessor. E agora nós temos a situação plebiscitária na qual Bruno Reis coloca também seu nome para crítica do eleitorado e nesse momento ele tem sido, aparentemente, bem sucedido.
A eleição municipal é um palco também para testar popularidade de postulantes ao cargo de governador e também dos postulantes ao cargo de presidente da República. Note que Salvador é muito alvo de disputa nas eleições nacionais. Aqui, o PT tem uma hegemonia fabulosa na esfera federal e estadual, com Lula conseguindo alcançar quase 70% dos votos em Salvador. O governador consegue também ter uma boa capilaridade aqui. A surpresa é que, na última eleição, ACM Neto, que postulava o cargo de governador, conseguiu ter grande fatia de votos do eleitorado de Salvador e região metropolitana.
Mas parece, na eleição local, há pouca dimensão federalista. A política federal não está sendo muito relevante para guiar o comportamento do voto do soteropolitano. Parece que de alguma maneira o partido do governador, o PT, tem sido muito paciente ou acomodado no sentido de confrontar a hegemonia política do grupo do ex-prefeito ACM Neto e do atual prefeito Bruno Reis. Parece uma situação na qual o grupo ligado ao atual governador, Jerônimo Rodrigues, Jaques Wagner e também Rui Costa, ainda se sinta confortável com a hegemonia do poder estadual e não se sente ameaçado pelo incremento da participação da fatia de poder que o grupo do ex-prefeito ACM Neto domina.
Também parece que o eleitorado soteropolitano não tem se incomodado tanto com esse arranjo. Ele é capaz de votar tranquilamente numa chapa com um candidato a governador do PT e seus aliados, apoiado pelo presidente da República. E, ao mesmo tempo, na eleição local, usar uma nova chave de interpretação. E acaba escolhendo um candidato como o grupo de ACM Neto, com um discurso típico da direita, com ênfase na eficiência administrativa, maior tentativa de sanar problemas específicos da rotina do cotidiano das pessoas, uma atuação quase como síndico na esfera local.
Essa lógica que parece orientar o eleitor local talvez seja algo que esteja para ser pensado por parte de nós, analistas, porque a lógica do eleitor parece coerente: ele está fazendo uma análise de que de alguma maneira está valendo a pena dado o grau de informação, de recursos disponíveis para ele decidir e também da qualidade dos competidores pela eleição. Porque é preciso levar em conta que, no elenco de candidaturas que temos disponíveis hoje, apesar de serem sete candidaturas, em apenas três, poderíamos dizer que são mais competitivas. Sobremaneira, a candidatura de Bruno Reis e Ana Paula, que está capitaneada por uma frente de 12 partidos, o que dá muita capilaridade e força, que tem a maioria da bancada na Câmara Municipal, que tem o suporte dos candidatos puxadores de voto nas eleições passada, geralmente ligados às igrejas evangélicas.
Outra candidatura que, apesar de um partido forte, mas até agora não mostrou vigor suficiente, é a candidatura do Geraldo Júnior e Fabya Reis. Por fim, temos a candidatura de Kleber Rosa, que inclusive está criando uma tensão, dividindo os votos da esquerda porque reivindica mais autenticidade, mais aderência à agenda e história dos partidos ligados a movimentos sociais, mais à esquerda. Nesse cenário, quais são as opções disponíveis para o eleitor? É preciso considerar, então, que esse eleitor trabalha com as ofertas de candidaturas, e isso mostra muito porque não se consegue ter a emergência de um voto mais gendrado, racializado, porque o eleitor faz um cálculo bastante pertinente: quais chances esse candidato que eu gostaria de votar tem, realmente, de conseguir se eleger? Ou mesmo de conseguir chegar ao segundo turno? Ou, por fim, de fazer uma boa administração? Então é um cenário, ao que tudo indica, baseado nas últimas pesquisa e também na taxa de sucesso dos candidatos à reeleição, devemos ter a reeleição de Bruno Reis.
Fonte: BdF Bahia
Edição: Alfredo Portugal