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Pirinha: com estreia no Brasil, filme cabo-verdiano propõe equilíbrio entre ciência e 'saberes de avós'

Longa faz parte da Mostra de Cinema Africano realizada em São Paulo e Salvador com 20 filmes de 14 países

Ouça o áudio:

Luciény Kaabral (à esquerda) e Vicência Delgado protagonizam o filme - Divulgação/Pirinha
Há que haver um equilíbrio entre essas duas coisas. Uma não anula outra.

Estreia nesta terça-feira (17), em São Paulo (SP), o filme Pirinha, da diretora cabo-verdiana Natasha Craveiro. O longa faz parte da Mostra de Cinema Africano, promovida pelo Sesc na capital paulista e em Salvador (BA), onde o longa é exibido a partir do dia 18. 

Falado em crioulo cabo-verdiano, Pirinha conta sobre uma jovem que atravessa um momento delicado da vida por conta de traumas da infância e busca a "cura" para seus pesadelos por meio do conhecimento de sua avó, que carrega saberes ancestrais das mulheres anciãs de Cabo Verde. 

O nome do filme remete a um doce muito típico do país, consumido especialmente por crianças, explica a diretora. 

"É um doce da minha infância. Quando eu era criança e ganhava pirinhas era um momento especial, ter dinheiro para comprar pirinhas era um momento especial e quando eu quis dar um nome ao filme... Eu quis que o nome do filme fosse algo que nos remetesse à infância. Aquela infância normal, aquela coisa inocente, pura", explica Craveiro em entrevista ao programa Bem Viver desta segunda-feira (16).  

"Uma das primeiras coisas que eu ouço quando as pessoas terminam de ver o filme é 'eu me revi'. 'Eu me revi nas memórias da avó'", compartilha. 

"Eu considero que as pessoas, quanto mais conscientes são, mais percebem que o conhecimento científico sozinho não consegue alcançar tudo. Então temos que realmente dar ouvidos a esse outro conhecimento que as nossas avós tinham, que os mais velhos têm, e perceber que as duas coisas juntas têm muito mais valor do que uma só isoladamente."

Natasha Craveiro nasceu em Mindelo, na ilha de São Vicente, Cabo Verde, é socióloga, produtora e cineasta, e integra o NuNaC, o Núcleo Nacional de Cinema Cabo-Verdiano. 

Esta é a primeira vez dela aqui, embora tenha muitas lembranças de referências brasileiras. 

"Em Cabo Verde há um consumo enorme das telenovelas brasileiras e eu nasci também na ilha de São Vicente, onde há o maior carnaval de Cabo Verde. A própria Cesaria Évora cantou uma canção em que ela diz que São Vicente é um Brasil pequeno", explica a diretora que se diz fã de Caetano Veloso, Maria Bethânia, Gilberto Gil e Milton Nascimento.  

Em Cabo Verde o idioma oficial é o português, no entanto, a diretora explica que a língua popular é o crioulo, portanto, para ela há um significado especial em rodar o filme inteiro no idioma com que a população se comunica de fato.

"Nós vivemos tanto o crioulo que não sentimos ameaça nenhuma do crioulo desaparecer. Nós funcionamos em crioulo."

"Existem muitas, muitas, muitas palavras que são muito próximas ao português, mas eu acredito que a língua em si, sua base gramatical, está mais ligada com outras línguas africanas", explica. 

Em São Paulo, a Mostra de Cinema Africano segue até quarta-feira (18). Mesma data que estreia em Salvador, onde se estende até o dia 25. Confira a programação completa aqui.

Confira a entrevista completa 

Como está sua chegada por aqui? Primeira vez no Brasil?

É minha primeira vez no Brasil, apesar de acompanhar muito o que acontece no país. Desde criança cresci ouvindo a música brasileira. Minha mãe ouvia muito Caetano, Maria Bethânia, Gilberto, Milton, Chico Buarque e várias outros.... 

Em Cabo Verde há um consumo enorme das telenovelas brasileiras e eu nasci também na ilha de São Vicente, onde há o maior carnaval de Cabo Verde. Há muita coisa que me aproxima do Brasil, mas sem nunca ter lá estado. 

A própria Cesaria Évora cantou uma canção em que ela diz que São Vicente é um Brasil pequeno. Portanto, nós sabemos muito o que se passa no Brasil. Podemos não ter visitado nunca, mas temos sempre muita informação do Brasil em Cabo Verde. 

O filme é todo em crioulo, que não é a língua oficial de Cabo Verde. Você considera uma conquista rodar todo filme em crioulo?

Exato. Podemos dizer que é a nossa língua mãe é o crioulo, mas, em Cabo Verde, a língua oficial é o português. Então administrativamente fala-se o português, as escolas ensinam português, só pode falar dentro das aulas em português. Mas o cabo-verdiano vive em crioulo. 

Nós vivemos tanto o crioulo que não sentimos ameaça nenhuma do crioulo desaparecer. Nós funcionamos em crioulo.

Existem muitas, muitas, muitas palavras que são muito próximas ao português, mas eu acredito que a língua em si, sua base gramatical, está mais ligada com outras línguas africanas.

E conta mais sobre o nome do filme. Pirinha é um doce típico do país, certo?

Sim, é um doce que hoje já não se encontra, é um doce da minha infância. Quando eu era criança e ganhava pirinhas era um momento especial, ter dinheiro para comprar pirinhas era um momento especial e quando eu quis dar um nome ao filme... Eu quis que o nome do filme fosse algo que nos remetesse à infância. Aquela infância normal, aquela coisa inocente, pura.  

E existe uma relação autobiográfica com outros elementos do filme? Como esse contato com os saberes da avó?

Sem dúvida, e eu acho que para qualquer cabo-verdiano. Porque uma das primeiras coisas que eu ouço quando as pessoas terminam de ver o filme é 'eu me revi'. 'Eu me revi nas memórias da avó'. 

Porque quase todo cabo-verdiano cresceu com a avó. Porque nós temos uma população que migra muito, infelizmente. E normalmente os pais vão para fora trabalhar, para conseguir dar uma vida melhor aos filhos, então os filhos ficam cá com os avós. Isso mudou, era bem mais comum quando eu era criança.

Aqui no Brasil existe uma grande luta para garantir que conhecimentos ancestrais sejam devidamente valorizados e não engolidos pela medicina acadêmica. Existe essa relação em Cabo Verde?

Considero que sim. Eu considero que as pessoas, quanto mais conscientes são, mais percebem que o conhecimento científico sozinho não consegue alcançar tudo. Então temos que realmente dar ouvidos a esse outro conhecimento que as nossas avós tinham, que os mais velhos têm, e perceber que as duas coisas juntas têm muito mais valor do que uma só, isoladamente.  

No filme, nós vemos uma jovem que faz uma caminhada ao seu subconsciente para ver determinados eventos do seu passado, para daí conseguir chegar à cura. 

E há elementos durante o filme em que tu percebes que existe a presença de uma psicóloga. Essa psicóloga traz um outro tipo de conhecimento, mas essa jovem não se fia apenas pelo conhecimento da psicóloga. 

Ela vai ao conhecimento da avó também. Quer dizer, há que haver um equilíbrio entre essas duas coisas. Uma não anula outra. Então é preciso valorizar as duas. 

E eu acredito que cada vez mais as pessoas abrem os olhos, chegam a determinado estado de consciência em que vão perceber que essa necessidade é urgente para não se perder essa sabedoria ancestral. 

E você tinha expectativa que o filme chegasse ao Brasil quando começou a rodar ele?

Olha, eu não pensei em nada disso quando estava a preparar o filme, na verdade, não. Eu só queria fazer o filme, era algo que já estava a trabalhar há cinco anos, na escrita, e queria realmente concretizar. 

É claro que depois, quando eu vi o filme pronto, eu sentia que era um filme que podia falar a qualquer ser humano. 

O tema é transversal a nós todos. Eu sinto que são preocupações que todo o ser humano tem, são momentos que todo o ser humano passa, cada um da sua forma, com um "mal" específico, digamos assim, mal entre aspas, mas nós todos passamos por esses momentos de dúvida, de introspeção, de nos colocarmos contra a parede e nos encararmos a nós mesmos, nos questionarmos.


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Edição: Martina Medina