REFORMA AGRÁRIA

MST quer assentamento imediato de famílias acampadas há mais de uma década em todo o país

Acampamentos são hoje comunidades constituídas e seguem à espera da regularização

Brasil de Fato | Brasília (DF) |

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MST cobra do governo que avance concretamente na pauta agrária do movimento, para além dos anúncios - Morgana Souza/MST

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem realizado conversas com ministros do governo e com o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para tentar avançar na pauta agrária. Segundo os dirigentes do movimento, há um passivo de demandas represadas pelas últimas gestões, que vão desde a necessidade de orçamento e investimento em agroindústria, passam pela solução de conflitos agrários e vão até atendimento de famílias que estão há décadas à espera de regularização de seus assentamentos.  

O MST estima que existam cerca de 100 mil famílias à espera do assentamento definitivo, e reclama da paralisia do governo Lula 3 em relação à pauta agrária. "É um cenário bastante difícil porque nós já passamos um ano e meio de governo e nós não temos nenhuma família assentada em um ano e meio, nenhuma terra decretada em um ano e meio. E isso é extremamente grave", afirma Sílvio Netto, da Direção Nacional do movimento.  

No diálogo com o governo, o MST defende o assentamento imediato dos chamados "territórios simbólicos", seja pela história de luta e resistência ou pela capacidade produtiva de alimentos saudáveis.

Ceres Hadich, que representa a direção do MST em Brasília, acredita que há espaço para avançar. "Nossa expectativa neste momento é que a gente consiga avançar massivamente na resolução desse passivo que já é bastante grande e já vem de longa data em relação às famílias acampadas à espera da regularização das áreas de reforma agrária".

A dirigente explica que, além de garantir o direito ao uso da terra e prevenir conflitos, a regularização dos territórios vai permitir que as comunidades se desenvolvam, ampliem sua capacidade de produção e beneficiamento de alimentos saudáveis, além de poderem acessar direitos que hoje lhes são negados.    

"Boa parte desses territórios não tem uma estrada adequada, não tem um escoamento da produção adequado, não tem esse incentivo ao processo de beneficiamento e a industrialização desses alimentos, de modo que tem muita dificuldade em agregar valor nessa produção. A própria questão do acesso a outros direitos – como direitos ao lazer, à educação, à cultura – acabam sendo limitados em função dessas comunidades não estarem regularizadas", conta. 

"São comunidades inteiras pessoas famílias crianças que jovens que estão ali à mercê, à espera dessa regularização, de modo que essa não regularização nega vários direitos básicos, não só as políticas públicas diretas de créditos de investimento no desenvolvimento da produção, mas no próprio desenvolvimento da comunidade", relata Hadich. 


Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio (MG) está há mais de 20 anos a espera de regularização; acampamento é responsável pela produção do famoso café Guaií / Caio Palazzo-Julia Gimenez/MST

Caso emblemático 

Um caso emblemático de territórios que esperam há décadas por regularização é o acampamento Terra Prometida, localizado na cidade de Felisburgo, no interior de Minas Gerais. O município se tornou amplamente conhecido no Brasil depois que cinco trabalhadores rurais sem terra foram brutalmente assassinados e outras dezenas de pessoas ficaram feridas, a mando do latifundiário Adriano Chafik, em 2004. Depois de duas décadas, os mesmos trabalhadores que resistiram ao crime continuam à espera do assentamento definitivo. 

"Já se vão 20 anos e nós não temos dúvida que segue a impunidade no campo por conta de que a pena que esse fazendeiro teria que pagar de imediato era a desapropriação e a perda completa da fazenda. E isso há 20 anos se arrasta em disputas judiciais, em morosidade dos sucessivos governos. E nós seguimos lá no acampamento Terra Prometida, na antiga Fazenda Nova Alegria", diz Sílvio Netto, do MST mineiro. Para ele, mais que fazer recompensar os trabalhadores rurais que passaram as últimas duas décadas no cuidado da terra, e regularização é uma forma de garantir que não haja impunidade sobre o massacre.  

"É uma vergonha para o Brasil. É uma vergonha para o campo, é uma vergonha para qualquer governo comprometido com a luta e com a vida do seu povo esse latifúndio seguir nas mãos desse assassino depois de ter grilado, depois de ter abandonado as terras, e depois de ter matado trabalhadores", ressalta. 

O MST espera que, nos próximos dias, o governo anuncie um plano para a regularização desses territórios prioritários, além dos outros acampamentos mais recentes, que também lutam pelo assentamento.

O Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) e com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) para obter informações sobre o processo de regularização de assentamentos, mas até o momento não obteve retorno. Caso haja resposta, o texto será atualizado.

Edição: Thalita Pires