Ataque segue

'Foi a PM': indígena é assassinado em área sobreposta por fazenda de família de assessora do governo do MS

Os Guarani Kaiowá afirmam que Neri Ramos foi executado; retomada é em Fazenda Barra, da família Ruiz, em Antônio João

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

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"Já mataram um!", grita um indígena em vídeo que registra a ação policial na TI Nhanderu Marangatu nesta sexta (18) - Povo Guarani Kaiowá

Uma ação da Polícia Militar (PM) do Mato Grosso do Sul contra uma comunidade do povo Guarani Kaiowá resultou na morte, a tiros, de um indígena de 23 anos nesta quarta-feira (18) na cidade de Antônio João (MS). A área atacada e cercada por forças policiais faz parte da Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatu e está sobreposta pela Fazenda Barra, de propriedade de Roseli Maria Ruiz e Pio Queiroz Silva.  

Até a tarde desta quarta-feira (18) indígenas seguem sob repressão e afirmam que a PM não deixa que eles se aproximem do corpo de Neri Ramos. A Força Nacional não está no local. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), os policiais alteraram a cena do crime e levaram o jovem indígena morto para uma picada de mato. 

“Estão atacando agora. Com calibre .12. Espero que não acerte mais nenhum colega. A Funai está presente aqui, mas não estão respeitando”, afirma João*, indígena que está na retomada. “Está tendo muita demora: a Força Nacional, a Polícia Federal, ninguém está chegando. Eu não sei o que vai acontecer com a gente”, afirma. 

A advogada Luana Ruiz, membra do Partido Liberal (PL) e filha dos fazendeiros, foi quem entrou com a ação judicial para a atuação da PM no local. Ela é também assessora especial da Casa Civil do governo do estado do Mato Grosso do Sul, comandado por Eduardo Riedel (PSDB). 

Os indígenas retomaram a área sobreposta pela fazenda na última quinta-feira (12) e foram atacados pela PM nessa mesma tarde, em ação que feriu três indígenas. Uma delas, Juliana Gomes, tomou um tiro no joelho e está internada no hospital de Ponta Porã (MS).  

Horas depois na mesma quinta-feira (12), atendendo a um pedido de Luana Ruiz, o desembargador Ricardo Duarte Ferreira Figueira, da 1ª Vara Federal de Ponta Porã, determinou a manutenção “do policiamento ostensivo na localidade”.  Desde então, os indígenas estão sitiados pela polícia, que protege a propriedade privada.  

Na noite desta terça-feira (17), um ônibus e um caminhão da tropa de choque da PM chegaram à cidade de Antônio João. Durante a madrugada, as forças policiais atacaram a comunidade, destruindo barracos e atirando. Segundo os indígenas, Neri Ramos foi executado. “Foi a PM", declarou um indígena ao Cimi.


O jovem Guarani Kaiowá Neri Ramos foi morto a tiros em ação policial na retomada da TI Nhanderu Marangatu / Povo Guarani Kaiowá

“Ontem fizemos uma reunião com a Funai, disseram que ia ter outra reunião para negociar. Nem saiu nenhum acordo e hoje nos atacaram. Veio a tropa de choque, nos rodearam nos dois sentidos, nos intimidando e atiraram em nós”, relata João. 

A Secretaria de Segurança Pública do governo Riedel afirmou que "o óbito ocorreu depois de um confronto e troca de tiros com a Polícia Militar".

Em nota, a Funai informa que acionou a Procuradoria Federal Especializada "para adotar todas as medidas legais cabíveis e está comprometida em garantir que essa violência cesse imediatamente".

O órgão indigenista afirmou, ainda, que "já se reuniu com o juiz responsável pelo caso, solicitando providências urgentes sobre a atuação da polícia na área. Em diálogo com a Secretária de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul, a instituição reafirmou a orientação de que não deve haver qualquer medida possessória contra os indígenas da Terra Indígena Nhanderu Marangatu".

"Diante da gravidade dos fatos, a Fundação está preparando nova atuação perante o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), a fim de se garantir a proteção da comunidade indígena", informou a Funai.

Questionado, o Ministério da Justiça (MJ) informou que três equipes da Força Nacional foram acionadas na segunda-feira pela Polícia Federal (PF) para ir ao local "apoiar a Funai em nova tentativa de diálogo". A pasta informou que o novo acionamento aconteceu nesta quarta (18), "após a morte de um indígena alvejado por disparo de arma de fogo".

O MJ não respondeu porque as equipes da Força Nacional não estavam no local antes, já que o conflito estava iminente. Confirmou que a PF instaurou um inquérito "para apurar o fato".

Histórico de morte de indígena na Fazenda Barra 

A Terra Indígena Nhanderu Marangatu tem 9.570 hectares e já teve a demarcação homologada em março de 2005. Meses depois, no entanto, uma decisão liminar do então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, suspendeu a demarcação. O ministro atendeu a um mandado de segurança proposto por Pio Silva e outros 15 fazendeiros.   

Há quase duas décadas o povo Guarani Kaiowá avança, com retomadas, sobre o seu território ancestral e reivindica que o processo demarcatório da TI Nhanderu Marangatu seja refeito. A Fazenda Barra é a última que falta ser retomada.   

A última tentativa dos indígenas de recuperar a área de 1,3 mil hectares da fazenda foi em agosto de 2015 e também terminou em morte. Na ocasião, a fazendeira Roseli Ruiz, à época presidente do Sindicato Rural de Antônio João, convocou uma reunião na sede do órgão.  

Entre outros, estavam presentes na reunião dois deputados federais que seriam ministros da Agricultura e da Saúde do governo Bolsonaro (PL): Tereza Cristina (PP) e Luiz Henrique Mandetta (União). De lá, um comboio de cerca de 40 caminhonetes foi até a área retomada. Os indígenas foram atacados e Semião Vilhalva, liderança indígena e agente de saúde, foi morto com um tiro na cabeça.  

Edição: Nathallia Fonseca