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O Brasil precisa incluir a bicicleta no Plano Clima e na NDC do Acordo de Paris

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Neste momento em que estamos engolfados em fumaça, trazer a bicicleta para o debate sobre o aquecimento global parece inoportuno, mas não é - Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasi
Precisamos pressionar o governo do Presidente Lula a incentivar o ciclismo como transporte

Guardem bem esta sigla: NDC, as iniciais para Nationally Determined Contribution, que, em português, significa Contribuição Nacionalmente Determinada. Trata-se da ambição climática dos 197 países-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) que assinaram o Acordo de Paris em 2016, com o compromisso de cortar pela metade a emissão de gases do efeito estufa até 2030 e zerá-la até 2050.

O Brasil é um deles e, neste exato momento, o governo federal está tocando um processo de revisão da sua NDC a partir da atualização do Plano Clima que agrega as estratégias gerais e planos setoriais para mitigação e adaptação do país frente à emergência climática

A bicicleta tem tudo a ver com NDC, mas ela ainda não é vista, pela grossa maioria das nações, como uma ferramenta para reduzir o gás carbônico e a fumaça preta despejadas diariamente por veículos movidos à gasolina e a óleo diesel. Na matriz de poluição brasileira, por exemplo, 10% dessas emissões são resultantes das atividades de mobilidade e transporte.

Nas grandes cidades, essa proporção é ainda maior, chegando a alguns casos a mais de 60% do total, como no Rio de Janeiro e em São Paulo, municípios listados entre os 10 maiores poluidores do Brasil, mas os únicos fora da região amazônica, ou seja, as emissões não são resultantes dos incêndios florestais, mas da queima de combustíveis fósseis por automóveis, caminhões, ônibus, aviões e motocicletas.

Na última coluna, eu comentei que estaria em Brasília na primeira semana de setembro para o Fórum Mundial da Bicicleta, mas também estive no primeiro Seminário Bicicleta Brasil promovido pela Secretaria Nacional de Mobilidade do Ministério das Cidades.

Tive o privilégio de falar sobre a necessidade de inclusão da bicicleta na NDC brasileira e de como a população se beneficiaria disso. Existem inúmeros estudos que mostram melhoria na saúde e no bolso da população de cidades e países que a colocam como prioridade no transporte. 

Mas por que a bicicleta ainda não está na NDC do Brasil? Bem, num país onde o patrono do esporte é o Ayrton Senna, rei das velocidades dos automóveis de corrida, e grande parte da economia é movida pelas indústrias automobilística e do petróleo, fica difícil competir com a bicicletinha. Além disso, uma grande parte dos gestores de transporte dos municípios está focado apenas em trocar o ônibus a diesel pelo elétrico, o que é bom, mas não pode ser a única solução. 

Mas a gente é resiliente. Lá no seminário, eu apresentei a Colômbia como exemplo de país que já adotou a bicicleta na NDC. E ela não está no plano de ação climática da nossa vizinha apenas como uma simples menção. Aparece no portfólio de medidas de mitigação dos gases de efeito estufa com uma meta bem definida. Nele, a terra de Gabriel García Márquez deve aumentar a participação da bicicleta no transporte em 5,5% nas 17 cidades mais populosas do país. 

Em algumas delas, há ações especificas de construção de ciclovias, como na capital, Bogotá, onde está prevista a ciclovia Medio Milênio, de 25 quilômetros, ligando a cidade de norte a sul. Em outras, de incentivar o uso da bicicleta com a adoção de sistema de empréstimo de bicis públicas. São compromissos de Estado que devem ser cumpridos até 2030.

No ano passado, durante a COP28, que aconteceu em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, a ONG Parceria pelo Transporte Ativo e Saúde (PATH) soltou um estudo mostrando quais países já colocaram a bicicleta na NDC. Além da Colômbia, figuram na lista México, Costa Rica, República Dominicana, Bahamas, El Salvador, Panamá, Venezuela, Suriname, Chile, Albânia, Moldávia, Turquia, Egito, Jordânia, Etiópia, Serra Leoa, República Democrática do Congo, Sudão, Burundi, Ruanda, Tanzânia, Uganda, Sri Lanka, Tajiquistão, Nepal, China, Mianmar, Timor Leste, Bangladesh, Laos, Camboja, Canadá e Estados Unidos. 

Sorte deles. Neste momento em que estamos engolfados em fumaça resultante das queimadas generalizadas que ocorrem no país, trazer a bicicleta para o debate sobre o aquecimento global parece inoportuno, mas não é.

Precisamos pressionar o governo do Presidente Lula a incentivar o ciclismo como transporte, pois vai fazer bem para todo mundo. Dois estudos do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) de 2018, mostram que, na cidade de São Paulo, 42% dos deslocamentos da população poderiam ser facilmente realizados de bicicleta, e o número chega a metade no Rio de Janeiro. 

O transporte ativo precisa efetivamente fazer parte do Plano Clima e da NDC brasileira, cuja atualização será apresentada durante a COP30 que vai acontecer em novembro de 2025 em Belém (PA). É a única chance que temos de ter uma política nacional de incentivo a esses dois tipos de transporte sustentável e limpo.

É isso, ou vamos ficar a reboque do processo de eletrificação dos automotores que, no fim das contas, vai gerar um uso massivo de baterias criando mais problemas ambientais, seja pela incessante busca pelos minérios como lítio e chumbo, seja pelo problema dos descartes. 

Edição: Martina Medina