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'Nunca saí do Recife para fazer cinema’, celebra Kleber Mendonça Filho, mas critica: ‘dinheiro segue no Sudeste’

Nesta quinta, cineasta estará no IMS para estreia mundial da versão restaurada do filme Iracema, que completa 50 anos

Ouça o áudio:

"Em breve a gente deve estar voltando a funcionar como estava funcionando há oito anos" - Divulgação/IMS
Filmes são registros, são documentos sobre o próprio país, que são feitos ao longo da história

Confirmando a linha de atuação de Kleber Mendonça Filho, o novo filme do cineasta que acabou de ser gravado terá como cenário o Recife. O Agente Secreto conta com Wagner Moura e é definido pelo diretor como um “thriller de suspense” ambientando na década de 1970. O filme deve chegar às telonas apenas em 2025. 

“Quando eu era um jovem estudante no início dos anos 1990, eu só ouvia que para eu fazer cinema teria que me mudar para o Rio, São Paulo ou para fora do país”, lembra o diretor em entrevista ao programa Bem Viver desta quinta-feira (19). 

“E eu nunca fiz essa mudança. Continuei trabalhando no Recife, onde existia um desejo muito grande por parte de muita gente de fazer filmes e trabalhar com a audiovisual.” 

Diretor de Bacurau, Aquárius, Retratos Fantasmas e Som ao Redor, Kleber Mendonça participa nesta quinta-feira na estreia mundial da versão restaurada do filme Iracema: uma transa Amazônia, que celebra 50 anos do lançamento original.  

O cineasta estará no Instituto Moreira Salles (IMS) junto do diretor do longa, Jorge Bodansky, da atriz que interpreta Iracema, Edna de Cássia e o documentarista João Moreira Salles. O longa foi censurado no Brasil pelo regime militar, justamente por fazer críticas à ditadura, principalmente a respeito da construção da rodovia Transamazônica.  

“O coração do filme permanece absolutamente atual. E não deixa de ser irônico que ele volte a se exibir em um momento tão difícil”, comenta o diretor fazendo referência aos incêndios que atingem o país e são retratados em Iracema como forma de denunciar as consequências de abrir uma estrada em meio à floresta.

“De fato muita coisa se repete. Muita coisa, inclusive está acontecendo este mês no Brasil, uma série de incêndios criminosos que estão basicamente queimando o país e que são tratados pela mídia como se fosse alguma temporada estranha de incêndios, mas são incêndios criminosos, e acho que o panorama político e ambiental que o filme traz é absolutamente atual.” 


Cena de Edna de Cássia contracenando com Paulo César Pereio, que interpreta Tião Brasil Grande / Divulgação/Iracema

Kleber Mendonça celebra que com a volta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) o cinema nacional está “religando os equipamentos”. 

“Em breve a gente deve estar voltando a funcionar como estava funcionando há oito anos atrás.” 

O cineasta atribui às gestões petistas parte da descentralização do cinema nacional, que possibilitou que ele não saísse do Recife para fazer filmes. No entanto, ele lembra que política públicas são importante como incentivo, mas o grande volume de dinheiro e patrocínio da indústria segue concentrado no eixo Rio-SP.

“É curioso é que as políticas públicas, sim, elas têm chegado a um número cada vez mais diverso de realizadoras e realizadores, mas se você olhar para onde está o dinheiro, onde o dinheiro vai, ele continua concentrado no Sudeste como acontecia há 50, 60 anos.” 

A reestreia de Iracema: uma transa amazônica está marcada para 19h e a entrada é gratuita. Os ingressos estão disponíveis para retirada com uma hora de antecedência no próprio IMS, localizado na Avenida Paulista, 2424. São Paulo, SP. 

Confira a entrevista na íntegra 

Qual a importância de um filme como Iracema receber esse tratamento e voltar às telonas do país?

Iracema está fazendo 50 anos. Na verdade, ele teve sua primeira exibição em 1975, mas é um filme oficialmente de 1974. 

E no cinema brasileiro, cada vez que um filme de arquivo, um filme do passado é revisto a gente passa a entender um pouco melhor não só o Brasil, mas também o próprio cinema brasileiro. 

Filmes são registros, são documentos sobre o próprio país, que são feitos ao longo da história. E acho que uma das lutas de quem trabalha com o cinema é a questão da preservação, na questão da revalorização de filmes.  

O Brasil sempre esteve um pouco atrás, no sentido de trazer uma atualização dos acervos, dos filmes guardados no Brasil.

Recentemente eu tenho percebido um aumento muito grande no número de filmes que têm recebido essa atualização, ainda que passamos por período muito difícil pelo qual a Cinemateca brasileira enfrentou ao longo dos últimos seis ou sete anos. 

Na atualização você procura os negativos, os elementos sumários que pertencem aos filmes e esse material é rescaneado. Muitas vezes ele tem uma aparência que raramente o filme foi visto dessa forma na época do seu lançamento. 

Então é uma melhoria muito grande e o filme passa a ser devolvido à sociedade, aos festivais de cinema, às salas de cinema. 

Meu primeiro contato com Iracema veio uns 20 anos atrás, em plena era do DVD, e claro que foi um filme que me impactou muito porque é um documento que ao mesmo tempo que parece algo feito há 50 anos, de muitas formas ele também parece que não envelheceu absolutamente nada. 

Porque os problemas ainda existem no nosso país, no Norte do país, na Amazônia, e o filme fala muito sobre a própria realidade da Amazônia humana. 

Você acredita que as pessoas que tenham contato pela primeira vez com Iracema vão se assustar com a atualidade que o filme traz?

De fato muita coisa se repete. Muita coisa, inclusive, está acontecendo este mês no Brasil. Uma série de incêndios criminosos que estão basicamente queimando o país e que são tratado pela mídia como se fosse alguma temporada estranha de incêndios, mas são incêndios criminosos e acho que o panorama político e ambiental que o filme traz é absolutamente atual.  

O coração do filme permanece absolutamente atual. E não deixa de ser irônico que ele volte a se exibir em um momento tão difícil. 

Um dos protagonistas do filme é Tião Brasil Grande, interpretado por Paulo César Pereio, que retrata um caminhoneiro com ideias muito alinhadas às da ditadura, incentivando a construção de estradas. Te parece que Tião Brasil Grande é um embrião da figura de um bolsonarista?

Eu acho que a arte e a expressão artística oferecem muitas possibilidades de você fazer conexões. Você pode utilizar os personagens como um próprio espelho para você mesmo. 

Eu nunca tinha pensado em Tião dessa forma, mas talvez faça sentido. Uma coisa que eu pessoalmente não teria defendido. 

A ideia da Amazônia, de passar um trator, era muito atraente para muita gente, né? E essa ideia era uma das pontas de lança de todo o conceito do governo militar. 

De lá pra cá, muito foi publicado, estudado, divulgado sobre a perda que o próprio planeta está tendo e terá muito em breve se as mudanças não começarem a acontecer. 

Então é curioso que ainda hoje existam pessoas como o Tião. Mas eu vejo o Tião, sempre vi o Tião, muito como o personagem da época. Mas de fato, é assustador pensar que o Tião continuou atual de uma certa forma, porque nós vimos nos últimos anos no Brasil exatamente aquele discurso. 

Eu estava no Festival de Veneza, e tem um novo filme brasileiro chamado Manas da Marianna Brennand, que Inclusive ganhou o prêmio de melhor filme da jornada dos autores em Veneza. 

É um filme que, 50 anos depois de Iracema, faz um retrato de jovens meninas vivendo na Amazônia. Talvez seja um filme que quem se liga em cinema deve esperar. Em breve começa a circular no Brasil. 

Como você vê o processo de descentralização da produção de cinema no Brasil atualmente?

Eu acho que tivemos muitos avanços. Quando eu era um jovem estudante no início dos anos 1990, só ouvia que para eu fazer cinema teria que me mudar para o Rio, São Paulo ou para fora do país.  

E eu nunca fiz essa mudança. Continuei trabalhando no Recife, onde existia um desejo muito grande por parte de muita gente de fazer filmes e trabalhar com a audiovisual. 

Aos poucos, políticas públicas de apoio ao cinema e ao audiovisual foram aparecendo localmente, no âmbito estadual e depois federal. 

E eu acho que houve uma descentralização que veio combinada do desenvolvimento de tecnologia, principalmente com cinema digital.  

E sim, nós temos um bom início, mas eu sinto que esse início que se manifestou na década de 2000, que confirmou talvez em 2010, passou por uma estagnação.  

É curioso é que as políticas públicas, sim, elas têm chegado a um número cada vez mais diverso de realizadoras e realizadores, mas se você olhar para onde está o dinheiro, para onde o dinheiro vai, ele continua concentrado no Sudeste como acontecia 50, 60 anos.   

Neste sentido, como você avalia esse período do terceiro mandato do governo Lula?

As políticas públicas têm como objetivo descentralizar, e isso vem sendo feito. Não é fácil, mas isso vem sendo feito até como política de governo. 

O que eu estou falando mais é a parte de mercado. O mercado parece seguir um clichê cultural e econômico de concentrar duas fichas em apostas que pertencem ao Sudeste. 

E eu acho que aos poucos, talvez com o surgimento de novos nomes, mulheres, talvez isso, com o tempo, venha a trazer uma real alteração de curso de como o mercado funciona.

Mas eu acho que temos um caminho ainda pela frente. Os anos Bolsonaro deram uma fechada completa, que é algo completamente estúpido e impensável.

É como se um governo entrasse e dissesse "eu sou contra o agronegócio" e nada do agronegócio, nenhum subsídio mais para o agronegócio, que seria completamente burro e não estratégico para o país.  

Da mesma forma, isso foi feito com a cultura. Não é estratégico acabar com a cultura de um país, ainda mais um país que tem vocação para a cultura, como o Brasil.  

Então a gente está voltando desse período. O governo Lula está religando os equipamentos e eu acho que está levando algum tempo para isso ser normalizado, 

Em breve a gente deve estar voltando a funcionar como estava funcionando há oito anos atrás. 

É muito triste, porque você deveria sempre avançar, e estamos voltando casas. 


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Edição: Nathallia Fonseca