Tensão

O que se sabe sobre as explosões de pagers e walkie-talkies que mataram 37 pessoas no Líbano

Ataque sem precedentes que ainda feriu mais de 2.900 pessoas em Beirute, capital do Líbano

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Mulheres em luto reagem durante o funeral de um membro do Hezbollah, morto pela explosão de um dispositivo de comunicação no sul do Líbano, em 19 de setembro de 2024 - Mahmoud ZAYYAT / AFP

Centenas de pagers e walkie-talkies pertencentes a membros do movimento Hezbollah explodiram em todo o Líbano nesta semana, em um ataque sem precedentes que matou 37 pessoas e feriu mais de 2.900. 

As explosões ocorridas na terça (17) e quarta-feira (18) foram um duro golpe para o Hezbollah. Nesta quinta-feira (19), o chefe do Hezbollah, Hassan Nasrallah, disse, em discurso televisionado, que as explosões podem ser chamadas de “uma declaração de guerra” de Israel.

Ele disse que Israel “ultrapassou todas as linhas vermelhas” em seus ataques nos últimos dois dias, desferindo ao Hezbollah um “golpe sem precedentes em sua história”. Nasrallah acrescentou que os acontecimentos dos últimos dias exigem uma reavaliação, e que o Hezbollah apresente a sua nova posição. “Israel tem uma clara vantagem tecnológica porque não é apenas Israel, também é apoiado pelos Estados Unidos”, disse ele. Nasrallah observou que os altos funcionários do Hezbollah não carregavam o modelo de pagers que explodiu na terça-feira.

O que aconteceu?

O ataque começou na terça-feira, quando centenas de pagers de membros do Hezbollah explodiram quase simultaneamente em vários redutos do movimento no sul de Beirute, no leste do Líbano e na fronteira sul. 

Essa primeira onda de explosões deixou pelo menos 12 mortos e 2.800 feridos, segundo o Ministério da Saúde do Líbano. Após este golpe, walkie-talkies explodiram em redutos do Hezbollah na quarta-feira, deixando 25 mortos. 

Imagens da AFPTV mostraram pessoas correndo em busca de segurança após uma explosão durante o funeral de quatro milicianos do Hezbollah mortos pela explosão de dispositivos de comunicação na terça-feira em um subúrbio de Beirute.

O ministro da Saúde do Líbano, Firass Abiad, disse à Al Jazeera que a segunda onda de explosões foi mais letal porque os walkie-talkies são dispositivos mais volumosos. As milícias do Hezbollah estavam preocupadas com a segurança das suas comunicações, depois que perderam vários integrantes em bombardeios israelenses nos últimos meses. 

Estes ataques semearam o pânico em todo o Líbano e não apenas nos redutos deste movimento aliado ao grupo palestino Hamas. A preocupação entre o povo libanês aumentaram, pois os dispositivos que explodiram na quarta-feira eram mais “modernos” e usados mais amplamente entre a população.

A organizadora de eventos Maria Boustany disse à sua equipe para abandonar os walkie-talkies que usam para se comunicar em casamentos e eventos devido a dúvidas sobre sua segurança.“Pode não ser da mesma marca, mas realmente não sabemos o que está acontecendo”, declarou à rede Al Jazeera.“É melhor estarmos seguros”, disse ela.

Muitas das pessoas que estavam em frente à AUBMC na quarta-feira não queriam falar com a mídia. Em um meio-fio próximo, Ali, de 40 anos, concordou em conversar com a Al Jazeera, dizendo que tinha ido ao hospital para visitar uma pessoa ferida, sem especificar sua relação com ela. Um dia antes, disse ele, estava nos subúrbios do sul de Beirute quando ouviu uma série de explosões. “A cada cinco ou dez segundos, eu ouvia outra”, declarou.

Como os ataques aconteceram? 

Uma razão para a letalidade do ataque é que é incomum que dispositivos de comunicação sejam usados como armas. Especialistas consideram provável que os explosivos tenham sido colocados dentro dos dispositivos antes da entrega dos aparelhos ao Hezbollah. 

Uma investigação preliminar mostrou que os pagers "foram pré-programados para explodir e continham materiais explosivos colocados junto à bateria", disse uma fonte dos serviços de segurança libaneses, que falou sob condição de anonimato. 

Uma fonte próxima do Hezbollah disse à AFP que "os pagers que explodiram fazem parte de um carregamento importado recentemente" pelo movimento. O jornal americano The New York Times informou que os aparelhos foram encomendados à empresa taiwanesa Gold Apollo. A empresa, por sua vez, informou que foram fabricados pela empresa associada BAC Consulting KFT, na Hungria. 

Um porta-voz do governo húngaro afirmou que a empresa era "um intermediário comercial, sem fábricas" no país. A empresa japonesa Icom afirmou que parou de produzir há 10 anos o modelo de walkie-talkies que supostamente explodiu simultaneamente no Líbano na quarta-feira.

O gerente geral da divisão de segurança e comércio da Icom, Yoshiki Enomoto, disse à agência de notícias japonesa Kyodo que o dispositivo poderia ser seu modelo IC-V82, embora a empresa ainda não pudesse descartar “a possibilidade de uma falsificação”. “A bateria pode ter sido substituída por uma bateria que foi modificada para explodir depois que o produto foi adquirido”, disse Enomoto, segundo a agência.

Israel está envolvido? 

Alguns veículos de comunicação e especialistas israelenses afirmam que a explosão dos pagers dá sinais de ser obra do Mossad, o serviço de inteligência israelense, famoso por operações que tiram proveito das vulnerabilidades de seus alvos, como os assassinatos em vingança pela morte de 11 atletas israelenses nos Jogos Olímpicos de Munique-1972. 

John Hannah, do Instituto Judaico de Assuntos de Segurança Nacional dos Estados Unidos, classificou o ataque usando os pagers como uma "demonstração surpreendente da habilidade da inteligência israelense". Hannah disse que o Mossad demonstrou repetidamente "a capacidade de penetrar profundamente nas redes mais sensíveis dos seus piores inimigos". 

Os ataques ocorrem quase um ano depois do ataque do Hamas em 7 de outubro, que foi um duro golpe para os serviços de inteligência de Israel.

O que Israel disse?

Israel absteve-se de comentar as explosões, que começaram horas depois de ter anunciado a extensão até sua fronteira com o Líbano dos objetivos da guerra iniciada em outubro contra o Hamas na Faixa de Gaza. 

Desde o início da guerra em Gaza, a fronteira com o Líbano tornou-se palco de duelos de artilharia quase diários entre o Exército israelense e o Hezbollah, que provocaram o deslocamento de dezenas de milhares de civis nos dois países. 

Estes confrontos, que não chegaram a constituir uma guerra aberta, causaram a morte de centenas de pessoas no Líbano, a maioria delas combatentes, e dezenas em Israel, um número que inclui soldados. O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, disse na quarta-feira que o "centro de gravidade" da guerra está se deslocando para o norte.

 

*Com AFP, Al Jazeera e Washington Post

 

Edição: Leandro Melito