Historicamente, negamos a sua existência e produzimos violência ao invés de cuidado
No mês que marca o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, em 21 de setembro, movimentos lançaram um documento que alerta para os obstáculos que atrasam profundamente a aplicação de políticas para essa população no Brasil.
A Carta de Brasília - Pessoas com Deficiência na Luta por Equidade aponta o capacitismo estrutural como raiz do atraso e denuncia que, apesar dos avanços nas leis, o que está previsto no papel reflete pouco na sociedade.
Pessoas com deficiência são grandes vítimas da desigualdade e da violação de direitos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados no ano passado, mostram que a taxa de analfabetismo entre pessoas com deficiência é de 19,5%, enquanto o índice geral do Brasil é de 4%. A participação na força de trabalho também é bastante desigual: 29% ante 66%.
Em entrevista ao podcast Repórter SUS, a pesquisadora Laís Costa, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), reafirma o abismo que existe entre o avanço de políticas sociais das últimas décadas e o alcance dessas ações na vida das pessoas com deficiência.
"O capacitismo resulta na discriminação das pessoas com deficiência e é uma coisa muito arraigada. Se nos perguntarmos por que outras lutas avançaram e essa não, foi maturidade de luta mesmo. É muito difícil convencer - e o verbo é convencer - de que aquele ser humano tem um direito humano, porque aquele ser humano, ele continua numa categoria de sub-humano, de menos humano."
Segundo ela, o Brasil não estabeleceu um pacto federal para combater e acabar com o capacitismo. A representatividade é insuficiente, inclusive na política. O cenário afeta diretamente as ações do Sistema Único de Saúde (SUS).
"A saúde é muito capacitista. Isso porque trabalhadores de saúde são formados sem ter na sua grade esse conhecimento sobre quem são as pessoas com deficiência, como funcionam seus corpos. Sem entender que nós, historicamente, negamos a sua subjetividade. Nesse processo, negamos a sua existência, e produzimos violência em vez de cuidado."
O alerta da Carta de Brasília também aponta o peso que a estrutura da sociedade exerce na exclusão de pessoas com deficiência. "Sistemas econômicos, políticos e sociais predatórios e autoritários estimulam guerras, crimes ambientais, violência urbana e rural, acidentes de trabalho, desnutrição e fome, também seguem gerando deficiências, especialmente na juventude negra, nas comunidades indígenas e entre os grupos mais empobrecidos."
O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fato e a escola Politécnica de saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz.
Edição: Martina Medina