Vai romper?

Venezuela e Espanha estremecem relações diplomáticas, mas comércio segue forte

Espanha é um dos maiores parceiros comerciais venezuelanos, comprando principalmente petróleo

Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
Edmundo González se reuniu com premiê espanhol, Pedro Sánchez, e opositores ligados à extrema direita - Fernando CALVO / LA MONCLOA / AFP

As relações entre Venezuela e Espanha estremeceram nas últimas semanas. Depois que o país europeu concedeu asilo político ao ex-candidato Edmundo González Urrutia, a Assembleia Nacional venezuelana pediu o rompimento das relações com os espanhóis e coloca em dúvida o futuro da diplomacia e do comércio entre duas nações, que têm laços históricos.

O pedido de rompimento das relações foi feito pelo presidente do congresso venezuelano, Jorge Rodríguez, em uma resposta à Câmara dos Deputados espanhola, que aprovou na última semana uma moção para reconhecer Edmundo González como presidente da Venezuela. Nesta quarta-feira (18), o Senado espanhol aprovou a mesma moção e encaminhou ao primeiro-ministro Pedro Sánchez. 

O Executivo ainda avalia o pedido feito pela Assembleia, mas o argumento do presidente da Casa é de que o não reconhecimento do resultado das eleições pela Espanha e o acolhimento de um opositor mostram um “desrespeito à soberania venezuelana”.

A tensão aumentou um pouco mais nesta quinta, depois que o Parlamento Europeu aprovou uma resolução reconhecendo a eleição do opositor. A medida, no entanto, não tem caráter vinculativo e os países da União Europeia não precisam seguir a resolução. O texto sequer pede que o bloco adote essa postura, sendo apenas um comunicado. 

Urrutia deixou a Venezuela depois de perder as eleições para Nicolás Maduro. O ex-embaixador pediu asilo político na Espanha e viajou para o país depois que o governo venezuelano concedeu salvo conduto para a saída do ex-candidato. O primeiro-ministro espanhol chegou a afirmar que Edmundo sofria “perseguição política e repressão” na Venezuela, o que motivou o pedido de Jorge Rodríguez.  

“Acredito que o asilo nada mais é do que um gesto de humanidade, um compromisso civil e humanitário da sociedade espanhola e, por extensão, do seu Governo, com pessoas que, infelizmente, sofrem perseguições e repressão. E foi isso que fizemos com Edmundo González”, disse o primeiro-ministro. 

Para o professor de Economia Política da Universidade Bolivariana da Venezuela e ex-diplomata, Ernesto Guuong, o rompimento de relações não é a única possibilidade para que um país demonstre insatisfação com a postura de outro.

“Para a Espanha não convém um rompimento de relações com a Venezuela e a Venezuela tem muitos fatores para observar antes de chegar a esse ponto. Na política internacional há muitas vias. Podem congelar as relações políticas, podem esfriar as relações diplomáticas, podem cancelar projetos conjuntos. Ou seja, há vias para se usar nesse caso, que é conflitivo pelas estreitas relações que sempre existiram entre os dois”, disse ao Brasil de Fato.

Depois que a moção foi aprovada, a ministra da Defesa ministra, María Robles, chamou a Venezuela de “ditadura”, o que gerou um enorme mal estar para a diplomacia dos países. A postura de Rubles movimentou a chancelaria da Venezuela, que convocou a embaixadora venezuelana em Madri, Gladys Gutiérrez, para consultas e, mais tarde, chamou o embaixador espanhol em Caracas, Ramón Santos Martínez, para explicar as falas da ministra. 

Para colocar panos quentes, o ministro das Relações Exteriores espanhol, José Manuel Albares, disse que a Venezuela estava no direito de convocar o embaixador para prestar esclarecimentos e evitou uma medida recíproca. 

Para contrapor essa posição, uma ala majoritária do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE), sigla do primeiro-ministro Sanchez, rejeitou a postura do Senado. Dos 253 votos da Casa Alta, 102 foram contrários, a maior parte do partido de esquerda. Cristina Narbona é deputada e presidente do PSOE. Segundo ela, o reconhecimento do opositor como presidente eleito “não faria desaparecer Maduro”. 

Para Narbona, a situação se parece com o reconhecimento de Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela em 2019. De acordo com ela, aquela medida “não adiantou” e tornou a situação ainda mais tensa para a política venezuelana.

Relações comerciais

Se politicamente, as coisas vão mal, em termos de economia, não. A Espanha é hoje um dos países que mais investe na Venezuela. Segundo o Ministério da Economia espanhol, Madri comprou em 2023 cerca de 619 milhões de euros (R$ 3,7 bilhões) em produtos venezuelanos, sendo a maior parte em petróleo. Ainda assim, o petróleo da Venezuela representa só 4% da importação do produto na Espanha. Já Caracas importou 142 milhões de euros (R$ 860 milhões) em produtos espanhóis no mesmo período.

Ao todo, 21 empresas espanholas atuam na Venezuela. Um dos principais investidores é a petroleira estatal Repsol. A empresa chegou à Venezuela em 1993 e, desde então, tem uma participação cada vez maior no mercado de petróleo e gás do país. A companhia inclusive tem uma permissão do Departamento do Tesouro dos EUA para seguir operando no mercado petroleiro do país slamericano. 

A Espanha é o terceiro maior parceiro comercial da Venezuela. Para Guoong, esse comércio faz com que os empresários sejam contra um rompimento das relações entre os países.

“Os comerciantes não querem que haja rompimento porque quando isso acontece não se podem fazer trocas e mover cargas de um país a outro como deve ser, com os processos de importação e exportação.  Do ponto de vista dos investidores que estão na Espanha, também precisam de uma estabilidade nas relações políticas, diplomáticas e nas relações consulares que são as que tem a ver com o comércio”, afirmou.

Gás estratégico

Se as relações diplomáticas estão estremecidas, as relações comerciais seguem quentes, especialmente no setor gasífero. O gás é considerado um componente fundamental na relação entre os dois países e, para Guuong, tende a ser preponderante na tomada de qualquer decisão, principalmente para os espanhóis. 

Na última semana, a vice Delcy Rodríguez teve uma reunião com Luis Antonio García Sánchez, diretor da unidade de Negócios da Repsol para revisar a agenda de cooperação entre o governo venezuelano e a empresa. Os dois reafirmaram a importância dessa aliança estratégica e o gás representa um importante laço nessa conexão entre venezuelanos e espanhóis.

O campo Perla é fundamental nisso. A reserva fica no estado Falcon, na Venezuela, e tem capacidade de fornecer 150 milhões de metros cúbicos de gás diário, o que alimentaria 2,5 milhões de casas por dia. O campo tem atuação da Repsol e a exploração começou em 2009. Mais tarde, foi formalizada a sociedade entre a estatal espanhola e a italiana Eni, que formaram a empresa Cardón IV para explorar na região. 

O objetivo da Repsol é ampliar ainda mais essa produção e, por tabela, colocar a Venezuela como uma fonte de gás segura para a Europa. 

Além da licença estadunidense para operar, a Resol assinou um novo contrato com a estatal venezuelana PDVSA para aumentar a área de atuação da empresa mista Petroquiriquire, que aumentará a produção em 20 mil barris de petróleo por dia para a empresa.

O presidente executivo da Repsol, Josu Jon Imaz, disse recentemente que a empresa estava entrando em uma “nova dinâmica com a Venezuela”. Isso, somado ao aumento de exportações de petróleo venezuelano colocam as relações comerciais em uma posição central para a decisão do governo espanhol sobre as relações diplomáticas.

Asilo consolidado

Nos últimos anos, a Espanha se tornou um asilo consolidado para opositores de Maduro. O ex-deputado Júlio Borges, o líder opositor Leopoldo López, e o ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma foram os primeiros a irem ao país.. 

Depois deles, houve fluxo migratório maior que atraiu outros opositores que queriam deixar a Venezuela para criar articulaçõpes políticas com grupos de direita europeus. Para Guuong, essa situação mostra uma tendência a partir da construção de uma economia que envolve a oposição venezuelana no país vizinho.

“Há uma tendência que começa a ser anacrônica no sentido de que os que foram para lá primeiro começam a ter vida empresarial com dinheiro e começam a fazer negócios e apoiar os outros que vem atrás. E isso se transforma em um negócio de apoio entre eles que também está ligada ao dinheiro que os Estados Unidos podem dar a esses grupos. Que favorecem a subsistência na Espanha investindo, comprando instalações, comprando propriedade e depois esses negócios geram trabalho, geram emprego. E serve de negociação para captar simpatizantes, quem faça o trabalho sujo na Venezuela”, afirmou.

Todos os opositores que foram à Espanha foram denunciados pelo Ministério Público venezuelano de continuar articulando movimentos contra o governo da Venezuela mesmo fora do país. O presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, Jorge Rodríguez, divulgou nesta quarta-feira (18), uma carta assinada por Edmundo na qual o ex-embaixador se compromete a reconhecer a decisão da Justiça venezuelana sobre as eleições do país. 

Ainda no documento assinado, González afirma que suas atividades políticas fora da Venezuela seriam limitadas e que ele “de nenhuma forma” faria uma representação formal ou informal contra poderes públicos do Estado venezuelano.

No entanto, ao chegar na Espanha, Edmundo González foi recebido pelo líder da extrema direita espanhola Alberto Núñez Feijóo. Ele disse que seu partido, o PP, está comprometido com o que González e a ultraliberal María Corina Machado defendem. Segundo ele, a sigla conservadora vai continuar exigindo o reconhecimento da vitória de Edmundo.

Edição: Rodrigo Durão Coelho