Partidos progressistas precisam se reinventar em estados historicamente conservadores
As eleições municipais de 2024 em Porto Alegre e Belo Horizonte vêm sendo marcadas pela ascensão de candidaturas de direita, que se consolidam com discursos voltados para segurança pública e a defesa de valores conservadores. "Isso evidencia a necessidade de os partidos progressistas se reinventarem em estados historicamente conservadores", afirma José Genoino, ex-presidente do PT e comentarista do podcast Três por Quatro. Ele também aponta a "blindagem maquiada" que os candidatos de direita utilizam para angariar votos entre indecisos, sem se associar diretamente ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
No episódio desta sexta-feira (20), o Três Por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato e apresentado pelos jornalistas Nara Lacerda e Igor Carvalho, analisa o cenário das eleições de 2024.
Para abordar o panorama em Porto Alegre e o avanço das candidaturas conservadoras, o programa recebeu Silvana Krause, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Já para falar sobre o cenário de Belo Horizonte, o programa contou com Bertha Maakaroun, jornalista e cientista política.
Na capital mineira, as campanhas progressistas enfrentam dificuldades, com risco de chegarem ao segundo turno. Bertha destaca que a dispersão de votos da esquerda entre Duda Salabert (PDT) e Rogério Correia (PT) coloca ambos em desvantagem diante dos candidatos conservadores e bolsonaristas.
"Infelizmente, a esquerda em Minas Gerais está bastante desorganizada. Hoje, não há uma liderança em condições de fazer uma coesão, uma mediação entre as diferentes leituras para buscar um consenso", aponta a jornalista.
Segundo a pesquisa Quaest divulgada nesta quarta-feira (18), Duda e Rogério aparecem respectivamente em 4º e 5º lugar nas intenções de voto em Belo Horizonte. Já o levantamento Datafolha desta quinta-feira (19) mostra Mauro Tramonte (Republicanos) na liderança das intenções de voto, com 28%, seguido por Fuad Noman (PSD) e Bruno Engler (PL), ambos com 18%.
Caso os candidatos progressistas tivessem seguido um "caminho de unidade", como aponta Genoino, essa "tática comum" poderia garantir a presença no segundo turno, já que a soma das intenções de voto de Duda e Rogério ultrapassaria os concorrentes diretos de Tramonte.
Em Porto Alegre, apesar do "histórico de centro-esquerda" na prefeitura, como relembra Silvana, havia a expectativa de que os candidatos progressistas tivessem resultados melhores, especialmente após as enchentes de maio, quando fortes chuvas atingiram o estado.
A cientista política reforça que, atualmente, vale mais "o prefeito de bota limpando o chão na periferia, de chapéu de palha, se sensibilizando", do que se pautar nas "causas da tragédia, nas responsabilidades. Isso não é o ponto, neste momento, para o eleitorado."
De acordo com pesquisa Quaest divulgada nesta terça-feira (17), o atual prefeito, Sebastião Melo (MDB), lidera as intenções de voto, enquanto Maria do Rosário (PT), aparece em segundo lugar. Rosário vem, de acordo com Silvana, construindo uma imagem de candidata "religiosa, católica, branda e não radical". Segundo a professora, "essa imagem moderada deveria facilitar sua aceitação entre os eleitores conservadores locais".
Cenário fragmentado
Os partidos que constituem o centrão da política nacional historicamente têm forte presença à frente da governança de Belo Horizonte. Em 2024, os candidatos mais bem cotados pelas pesquisas eleitorais na cidade representam não só a centro-direita, mas também a extrema direita, fortalecidos pela imagem e discursos do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A disputa na capital mineira conta com dois candidatos vistos como progressistas: Duda Salabert, que surgiu no pleito como forte concorrente, graças a uma "tração inicial natural, por ser uma candidatura identitária", na opinião da cientista política Bertha Maakaroun, e Rogério Correia, que "fez sua trajetória política toda baseada em Belo Horizonte", representando assim não só uma nova esquerda que levanta bandeiras de pautas humanitárias de identidade de gênero e a defesa dos interesses do público LGBTQIA+, mas também o tradicionalismo progressista na luta por causas trabalhistas.
Para o Genoino, a disputa entre dois representantes progressistas "é um equívoco". Rogério Correia e Duda Salabert não figuram sequer dentre os três postulantes com maiores pretensões de voto.
Mauro Tramonte (Republicanos), o "Datena de Belo Horizonte", como ironiza Genoino, lidera as pesquisas, seguido por Fuad Noman (PSD) e de Bruno Engler (PL). Este último representa o bolsonarismo nas eleições de BH.
Bertha salienta que a população mineira já considera adotar a ideia do "voto útil" para combater uma prefeitura neoliberal na cidade, considerando a possibilidade de concentrar os votos em Noman, "que veio a público apoiar o Lula", como relembra Bertha sobre a disputa presidencial de 2022.
Engler se coloca como defensor dos valores conservadores e evoca constantemente o legado bolsonarista em suas aparições públicas. Ele também se apoia em pautas de segurança pública e combate à criminalidade, repetindo a fórmula que o elegeu deputado em 2018. Para Genoino, Engler afirma que "o PT quer destruir o Brasil", enquanto ele se apresenta como o "defensor da família" e dos "verdadeiros valores cristãos".
Nessa direção, o ex-presidente do PT salienta a importância de identificar "quem é o inimigo principal", visto que Engler é um "bolsonarista juramentado, um Marçal de Belo Horizonte", traçando um paralelo com a corrida eleitoral em São Paulo.
Enquanto Engler reforça sua aliança com o bolsonarismo, Mauro Tramonte (Republicanos) – atual deputado federal e ex-apresentador de TV que ganhou notoriedade por meio de programas policiais – aposta na imagem de "homem simples" e "próximo do povo", com um discurso focado no combate à violência e em promessas de políticas de segurança mais rígidas. Diferente de Engler, ele busca um "afastamento estratégico do bolsonarismo raiz", como salienta Bertha.
"Ele é um candidato que sai com outro tipo de tração, um deputado estadual que por quase 20 anos foi apresentador de um programa direcionado às classes C e D, um programa muito popular", diz a jornalista sobre a liderança de Tramonte em Belo Horizonte. Sua candidatura é apoiada por Romeu Zema (Novo), governador de Minas Gerais, que integra um "conglomerado de extrema direita", como aponta Genoino.
Apesar da tragédia, Melo mantém liderança em Porto Alegre
Apesar das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em maio, afetando milhares de moradores e colocando em evidência a omissão do governo estadual, a liderança nas pesquisas eleitorais em Porto Alegre continua com Sebastião Melo (MDB). O atual prefeito, mesmo sendo alvo de críticas pela falta de respostas rápidas e efetivas às catástrofes, aparece em primeiro lugar com 41% das intenções de voto, segundo dados da Quaest. Já Maria do Rosário (PT) tem 24% e Juliana Brizola (PDT), neta de Leonel Brizola, tem 17%.
Visto que o centrão também é forte na principal capital sulista, Silvana Krause sublinha que se Melo "colar com Bolsonaro, vai perder eleitor". Ela ressalta que "centro precisa ser conquistado para vencer essa eleição".
Em contrapartida, Genoino reforça como "a esquerda não pode ser domesticada no sentido do bom mocismo", já que durante as campanhas à prefeitura, Rosário se apresentou "muito doce, muito paz e amor". Ele afirma que há a necessidade uma reta final mais ativa e enérgica, principalmente por meio da força popular e da ocupação "das ruas e praças de Porto Alegre, corpo a corpo", de forma a tornar a vitória progressista uma "utopia possível".
Suzana reitera que, apesar da força histórica da esquerda em movimentos populares, se faz necessária uma "estratégia de campanha e de comunicação, para assim mobilizar [a população], e conseguir o que se quer, no caso ganhar a eleição", enquanto Genoino reforça sobre a necessidade do combate a "hegemonia neoliberal", já que o Brasil hoje vive o "fundo do poço da negação política".
Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.
Edição: Thalita Pires