Coluna

País quente, eleição morna

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Os olhos estão voltados agora para as urnas municipais, mas os pensamentos e os cálculos já miram em 2026 - Foto: Caroline Pacheco/Famecos/PUCRS. Fonte: Agência Senado.
Mesmo sem os resultados nas urnas, já sabemos que o desfecho será conservador

.O novo velho mapa político. Faltando duas semanas para o primeiro turno das eleições, o cenário vai se desenhando sem surpresas, marca de uma eleição que foi morna - salvo alguma cadeirada - e secundarizada pelas catástrofes ambientais e pelas disputas em Brasília, onde o governo, o STF e o Congresso foram protagonistas. Ainda que uma parte significativa dos eleitores digam que preferem votar num candidato apoiado por Lula ou Bolsonaro, na prática, a polarização não deve se materializar em resultados eleitorais, prevalecendo o apoio de governadores e o continuísmo, provavelmente, com 20 prefeitos que disputam a reeleição em capitais vencendo no primeiro turno. Ainda que temas como a Venezuela ou o desastre ambiental tenham aparecido nos debates entre candidatos, o que preocupa os eleitores são evidentemente os temas locais, como saúde e mobilidade urbana. E, mesmo sem os resultados nas urnas, já sabemos que o desfecho será conservador, ainda que menor do que os tsunamis de 2016 e 2020, afinal os homens concentram 70% dos recursos de campanhaa misoginia e a lgbtfobia continuam sendo impulsionadas pelas redes sociais, assim como a violência política, com 13 casos de ataques registrados, incluindo cinco homicídios, e com 19 candidatos do centrão liderando a corrida eleitoral nas capitais. A esquerda pode surpreender em Teresina e Goiânia, com páreos difíceis em São Paulo, Porto Alegre e Fortaleza e tranquilidade apenas para João Campos (PSB) em Recife, mas o cenário geral não é animador. Os olhos estão voltados agora para as urnas municipais, mas os pensamentos e os cálculos já miram em 2026. A popularidade de Lula é um fenômeno que parece se descolar não só do PT, mas do próprio desempenho de seu governo, apenas regular, segundo as pesquisas. Apesar de manter uma base social relevante, Bolsonaro deve entregar menos do que prometia como cabo eleitoral, além de dar espaço para outras figuras da extrema-direita fora do seu círculo, e pode levar o PL a repensar a estratégia baseada na anistia e na dependência do ex-capitão. E, por hora, Tarcísio de Freitas sai muito maior do que entrou, jogando um peso relevante na campanha de Ricardo Nunes, e fortalecido para permanecer no Palácio dos Bandeirantes ou sonhar com o Planalto.

.FariaLimaBet. Segundo a economista indiana Jayati Ghosh, o Brasil é um país masoquista. Sem dívida líquida externa, com dívida interna baixa e sem ter exigências do FMI, pratica uma taxa de juros elevadíssima e se autoimpõe a tarefa de gerar superávits primários em meio a tantas demandas sociais. Pois é. Mas, para surpresa de zero pessoas, o Banco Central elevou a taxa de juros em 0,25%, ainda que agosto tenha registrado deflação, o PIB tenha subido, as reservas internacionais tenham crescido e a taxa de juros dos EUA tenha caído. Mas o importante é que o mercado financeiro não se incomode, não se irrite e não deixe de dar a sua importante contribuição para o desenvolvimento nacional: retirar dinheiro da produção para imobilizar na especulação, onde tem lucros altíssimos sem precisar gerar empregos e nem mercadorias.  Basicamente, a maior casa de bets em funcionamento hoje. E para garantir os bons sonhos do rentismo, o BC ainda sinalizou que pode aumentar a Selic em 0,5% nas próximas reuniões. Na prática, a bajulação dos banqueiros mimados vai custar de imediato mais R$12 bilhões na dívida bruta do governo. Então, o que o Planalto e os seus diretores no BC ganham com isso? O discurso de que há uma transição tranquila de Campos Neto para Galípolo. Mas, como lembra Thomas Traumann, Galípolo (e o governo) podem estar caindo no golpe do flanelinha, pagando antecipado sem saber o que vão encontrar na volta, acreditando que a subordinação do governo agora será recompensada com bom comportamento do mercado financeiro lá na frente.

.O novo normal. Rios secos, queimadas e nuvens de fumaça chegaram para enterrar o sonho idílico de um capitalismo verde no Brasil. Afinal, nem isso é aceito pelo agronegócio. Com 60% do território nacional ameaçado por potenciais queimadas e a fumaça cobrindo Brasília, o governo já assumiu sua incapacidade para conter a situação. Daí porque a ministra Marina Silva usou um novo termo, “terrorismo climático”, para definir as ações criminosas por detrás das queimadas, que já afetam mais de 11 milhões de pessoas e agrava ainda mais o déficit habitacional do país. Para além dos responsáveis diretos, há uma longa lista de conivência e descaso com a questão ambiental. Do jeito que a coisa vai, mesmo com o tamanho da catástrofe, se o governo conseguir convencer a bancada ruralista a restringir o uso de agrotóxicos em território nacional já será uma grande vitória. Enquanto uma compensação de bilhões deve jorrar sem dificuldades para o agronegócio, a liberação de um crédito extraordinário de R$500 milhões para o combate a queimadas exigiu uma solicitação especial ao STF porque excederia o teto de gastos. E, mesmo que o tamanho dos recursos nada tenha de extraordinário, já foi demais para os amigos da austeridade. Sem contar que, um dos motivos para a falta de verbas é o orçamento controlado pelo Congresso, com apenas 31 dos 594 deputados e senadores destinando emendas parlamentares para programas de interesse do Ministério do Meio Ambiente este ano. Mesmo com a catástrofe ainda em curso, todos já fazem os cálculos das perdas, danos e ganhos. Além de chamuscar a imagem do Brasil no exterior, as queimadas também devem afetar a economia. O mais óbvio é o risco de escassez de alguns alimentos que ameaça empurrar a inflação para cima e que pode ser agravada pelo aumento no custo de geração da energia elétrica em virtude da seca. Além disso, as queimadas podem impactar as exportações, com as restrições que a União Europeia deve impôr à compra de produtos vindos de áreas desmatadas, mas que sempre pode ser compensada pela especulação e aumento de preços no mercado interno. Em resumo, todos perdem, menos o agronegócio.


 .Ponto Final: nossas recomendações.


 .“O agronegócio é o principal inimigo do Brasil”. Em entrevista para O Joio e o Trigo, o ambientalista dá nomes aos bois da crise climática.

.Adeus ao mundo eurocêntrico? Em entrevista, o ativista Walden Bello discute o futuro do Sul Global e a decadência do poder ocidental. No Outras Palavras.

.Um dos maiores revolucionários anticoloniais do mundo. No centenário do nascimento de Amílcar Cabral, a Jacobina relembra a trajetória e importância do revolucionário africano.

.Capital estrangeiro: era dos megainvestimentos da China no Brasil acabou?  Por que o Brasil perdeu espaço no destino dos investimentos chineses na América do Sul? Na BBC News.

.Lindomar Gomes, o pasteleiro que sabe mais que os comentaristas econômicos. O GGN escuta a avaliação econômica do seu Lindomar: o dinheiro está circulando mais entre os mais pobres.

.A era do R$ 1,99 acabou.  Na TVT News, como a mudança na política de câmbio acabou com um símbolo do consumo popular.

.“A demanda da polícia passou de desmilitarização para desmilicianização”. O policial federal e mestre em criminologia, Flávio Werneck, debate com Jones Manoel e Luiz Nassif sobre os desafios da segurança pública. No GGN.

.Viagem ao centro do fogo. O fotojornalista Edmar Barros registra o cenário de destruição pelo fogo na Amazônia.

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Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

 

Edição: Nathallia Fonseca