Considerado um dos mais violentos torturadores do regime militar, o delegado da Polícia Civil de São Paulo, David dos Santos Araújo, morreu de causas naturais aos 86 anos, sem ser responsabilizado por seus crimes cometidos durante o período. A certidão de óbito foi lavrada no 29º Cartório de Santo Amaro, em São Paulo.
A informação de sua morte, ocorrida no dia 11 de setembro, foi obtida pelo jornalista Fausto Macedo (Estadão) e divulgada posteriormente por Moacyr Oliveira Filho no portal da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). “O delegado estava vivendo em Itanhaém [litoral de São Paulo]”, indica Oliveira, diretor de jornalismo da ABI.
Conhecido como Capitão Lisboa nas dependências do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operação de Defesa Interna), local de práticas clandestinas de torturas, em São Paulo, Araújo era subordinado ao então major Carlos Alberto Brilhante Ustra, primeiro militar condenado pela Justiça pela prática de tortura, em 2008. Pelos serviços prestados, o delegado recebeu a Medalha do Pacificador em 1981.
O relatório da Comissão Nacional da Verdade registra que o Capitão Lisboa atuou de abril a outubro de 1971 no DOI-Codi, onde praticou crimes de tortura, estupro, execução e desaparecimento forçado. Em depoimento à Comissão, em 2013, o policial negou as acusações.
Nas denúncias ao delegado, constam as mortes de Aylton Adalberto Mortati e Joaquim Alencar de Seixas. Também é registrada a tortura ao filho de Joaquim Alencar, Ivan Seixas, à época com 16 anos de idade, e a mais três membros de sua família, além de uma quinta vítima. Em 2010, ele foi processado pelo Ministério Público Federal (MPF) pelos atos de violência, e em 2023 foi condenado, ao lado de outros dois policiais, a pagar R$ 1 milhão por crimes na ditadura. O TRF-3 apontou que os delegados aposentados Aparecido Laertes Calandra, David dos Santos Araújo e Dirceu Gravina (falecido em agosto do ano passado) causaram danos à sociedade ao participar da tortura e morte de 25 pessoas.
Em 2012, a sede da Dacala, em São Paulo, empresa de segurança privada de propriedade de David dos Santos, foi alvo de um “escracho” organizado pelo Levante Popular da Juventude. Os manifestantes expressavam repúdio aos crimes praticados por ele durante a ditadura e às fraudes cometidas por sua empresa. Segundo Ivan Seixas, a empresa pagava os advogados de Ustra.
A morte do delegado aconteceu duas semanas após a reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). Instituída em 1995, a comissão analisou cerca de 300 casos de abusos e violência do período militar, reconhecendo mortes e promovendo o pagamento de indenizações às famílias das vítimas. A CEMDP havia sido interrompida em 2022 pelo então presidente Jair Bolsonaro – que, em diversas ocasiões, homenageou Ustra.
Edição: Douglas Matos