FULIGEM

Assim como no Brasil, ação do homem é causa de queda na qualidade do ar na África e Sul da Ásia 

Cidades de Lahore no Paquistão e Kampala em Uganda figuram entre as cidades com pior qualidade do ar

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Estudantes caminham para a escola ao longo de uma estrada em meio a condições de forte poluição atmosférica em Lahore, 17 de janeiro de 2024 - Arif ALI / AFP

Na semana em que a cidade de São Paulo (SP) apareceu com a pior qualidade do ar entre as grandes cidades no ranqueamento feito pelo site suiço IQAir, as cidade de Lahore, no Paquistão e Kampala, capital de Uganda, também figuravam entre metrópoles com condições ruins.

Se no Brasil as queimadas provocadas pelo agronegócio em diferentes estados, com destaque para o interior de São Paulo, tiveram influência direta nesse resultado, cenários semelhantes foram verificados em Lahore e Kampala. Nesta sexta-feira (20), quando São Paulo aparece na 21ª posição do ranking, Lahore permanece como a terceira cidade com a pior qualidade do ar e Kampala figura na 11ª. O Brasil de Fato conversou com ambientalistas desses dois países.

Paquistão

Farooq Tariq, secretário-geral do Comitê Kissan Rabita do Paquistão e membro da Via Campesina aponta uma relação direta entre a fumaça provocada pelos incêndios e a qualidade do ar no Paquistão e, particularmente, em sua maior província, Punjab.

“Isso se deve ao fato de os agricultores se envolverem na prática de queimar restos após a colheita, principalmente de arroz, semelhante às práticas observadas em outras partes do sul da Ásia. A fumaça das queimadas piora significativamente a qualidade do ar ao liberar grandes quantidades de material particulado (PM2,5) e outros poluentes, resultando na deterioração da qualidade do ar. Em áreas como Khyber Pakhtunkhwa (KP) e Azad Jammu e Caxemira, o aumento da frequência de incêndios florestais, possivelmente devido às mudanças climáticas e à má gestão, também contribuiu para a piora da qualidade do ar.”, relatou ao Brasil de Fato.

Com base em observações de campo e estudos publicados sobre o tema, Tariq aponta que além da queima agrícola, outros fatores contribuem para a situação verificada em Lahore, segunda maior cidade do país.

“É importante observar que a cidade e, em grande parte, toda a província de Punjab foi gradualmente transformada em uma zona de megaestruturas. Outrora famosa por sua agricultura de primeira linha, a província e sua capital, Lahore, têm visto a implacável estatização de terras agrícolas, resultando na destruição da vegetação, na gentrificação, na perda de terras férteis para empresas comerciais e no corte maciço de árvores. Lembre-se também de que o parque de usinas de carvão do Paquistão deu um salto nas últimas décadas, resultando na queima de carvão de pior qualidade nessas usinas e na consequente deterioração da qualidade do ar.”

Em dezembro de 2023, o governo provincial de Punjab começou a utilizar chuva artificial para combater acúmulo de poluição do ar que afeta a saúde da população, o que não impediu que a cidade continue a figurar entre as piores qualidades do ar no mundo. Apesar de o governo de Punjab ter adotado medidas para combater a queima dos restos de plantação após a colheita, com a proibição dessa prática e imposição de multas, Tariq aponta que a fiscalização tem sido ineficaz em relação a essa prática. “É necessário promover alternativas sustentáveis, como o uso de tecnologia para limpar os campos ou incentivar os agricultores a adotar práticas mais ecológicas.”, defende.

Uganda

Jackson Mohindo, coordenador de Resiliência e Justiça Climática de Uganda, aponta que a capital do país enfrenta desafios significativos em relação à poluição atmosférica com impactos na saúde pública, no meio ambiente e na qualidade de vida da população.

“Os pesquisadores confirmam que, de fato, a poluição é excessiva na cidade de Kampala, uma das mais poluídas de Uganda. Em termos de poluentes, a matéria particulada aparece entre os principais, mas também o dióxido de azoto, o dióxido de enxofre, o dióxido de carbono e outros compostos orgânicos voláteis são responsáveis pela poluição em Kampala. Os relatórios de monitoramento da qualidade do ar confirmam isso, assim como a Autoridade Nacional de Gestão Ambiental.” 

Uma consequência direta tem sido o aumento das doenças respiratórias entre a população, aponta Mohindo.

“As doenças respiratórias como asma e bronquite estão aumentando muito. Há doenças cardiovasculares que foram relatadas nos principais hospitais da cidade de Kampala e estão associadas à poluição. Mas também há danos meteorológicos e degradação ambiental.”

O coordenador da Oxfam aponta que o uso de automóveis e a exploração de carvão e lenha são os principais fatores. “Em Kampala, as fontes de poluição atmosférica são principalmente os veículos, porque são muito antigos, mas também com uma manutenção deficiente. Outra causa pode estar associada à extração de biomassa, especialmente carvão vegetal e lenha, que acontece em larga escala na região metropolitana de Kampala.”

Também figuram entre as causas da poluição atmosférica da capital, as atividades da indústria de cimento, aço e a indústria de transformação, as queimadas a céu aberto e a gestão de resíduos na capital do país. "O recente deslizamento de lixo em Kitezi, que  matou muitas pessoas, é um dos exemplos que eu poderia dar", aponta Mohindo.

Pelo menos 26 pessoas morreram após o deslizamento de um enorme aterro sanitário em Kampala, em agosto deste ano.Segundo a imprensa local, casas, pessoas e animais de fazenda ficaram enterrados sob montanhas de lixo após este deslizamento, provocado pelas fortes chuvas no início de sábado. 

Um plano de melhoria da qualidade do ar da cidade de Kampala foi elaborado em 2019, mas sua implementação esbarra na falta de recursos, problema que também afeta a regulamentação de gestão de resíduos, segundo o coordenador da Oxfam. Outras medidas, porém, começam a tomar corpo no país, como a implementação de normas para a emissão de gases por parte dos veículos, a adoção de um padrão para a sua importação e a criação de espaços verdes e de florestas urbanas ao redor da capital.

 

Edição: Rodrigo Durão Coelho