Nhanderu Marangatu

Audiência no STF nesta quarta (25) discute demarcação de terra no MS após morte de dois indígenas

Violência contra os Kaiowá tem escalado desde a retomada de área sobreposta por Fazenda Barra, em Antônio João

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
A TI Nhanderu Marangatu tem cerca de 9 mil hectares e fica próxima à fronteira com o Paraguai - Anderson Santos

Nesta quarta-feira (25), a demarcação da Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatu, onde o conflito por terra se acirrou na cidade de Antônio João, no Mato Grosso do Sul, vai ser debatida em audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) a partir das 14h.  

A reunião de conciliação, proposta pela União e designada pelo ministro Gilmar Mendes, deve tratar de uma proposta para solucionar o impasse que se arrasta há décadas e, apenas na última semana, foi marcado pela morte de dois indígenas Guarani Kaiowá.  

A TI Nhanderu Marangatu tem 9.317 hectares e teve a demarcação homologada por decreto presidencial em março de 2005. Poucos meses depois, no entanto, atendendo a um mandado de segurança requerido por Pio Queiroz e outros 15 fazendeiros, o então ministro do STF Nelson Jobim suspendeu a demarcação.

Há quase 20 anos o imbróglio judicial não se resolve e os indígenas vêm, por meio de retomadas, recuperando o território. O mandado de segurança (n.º 25463) será objeto de discussão na audiência desta quarta e, segundo a assessoria do STF, o tema será discutido com base em "fatos novos". 

Participarão da audiência representantes da comunidade Nhanderu Marangatu, da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), de fazendeiros, da União e também do Estado do Mato Grosso do Sul, governado atualmente por Eduardo Riedel (PSDB).  

Desde o último 12 de setembro, quando os Guarani Kaiowá tentaram recuperar uma parte do território tradicional sobreposto pela Fazenda Barra, de propriedade de Roseli Ruiz e Pio Queiroz, a violência escalou contra os indígenas.  

A comunidade está, desde então, sitiada por cerca de 100 policiais militares, respaldados por uma decisão judicial impetrada pela advogada Luana Ruiz, filha dos fazendeiros.  

Foi o disparo de um policial que acertou na cabeça e assassinou, no último 18 de setembro, o jovem indígena de 23 anos, Neri Ramos. A comunidade ficou cinco dias neste luto até que outro se impusesse. 

Na última segunda-feira (23), Fred Souza Garcete, Guarani Kaiowá de 15 anos, foi encontrado morto nas margens da rodovia MS-384, que beira a terra indígena. É neste contexto que as partes que disputam o território desembarcam em Brasília.  

"Apenas no momento da audiência teremos clareza do que vai ser. Vamos ouvir primeiro o que o governo apresentará como proposta, avaliar com a comunidade e tomar uma posição", atesta Anderson Santos, assessor jurídico do Cimi e da Aty Guasu, a Grande Assembleia Guarani Kaiowá. 

A demarcação e a volta para trás 

O laudo antropológico que subsidiou a demarcação da Terra Indígena (TI) Nhanderu Marangatu atesta que os povos Guarani Kaiowá e Ñandeva habitam a região "literalmente há séculos". 

O documento aponta que, a partir de 1919, quando acaba o monopólio da Companhia Matte Larangeira, "tem início uma sistemática desapropriação de terras" dos indígenas, "concomitante ao aumento no número de colonos". Os primeiros títulos de propriedade começaram a ser concedidos na década de 1920 e se avolumaram nos anos 1950.  

A versão dos fazendeiros no mandado de segurança que suspendeu a demarcação é outra. Eles alegam a "inexistência de terra tradicionalmente ocupada pelos índios" na região e que brancos começam a tomar posse ali em 1863, quando a Fazenda São Rafael do Estrela foi adquirida por dona Rafaela Lopes, do governo do Paraguai. 

Foi com este argumento que, ainda em 2001, antes da demarcação, os fazendeiros entraram com uma ação (n.º 2001.60.02.001924-8) na Vara Federal de Ponta Porã contestando a legalidade do procedimento demarcatório que estava sendo levado adiante pela Funai.  

Quando, em 2005, a demarcação foi homologada, esta ação não tinha ainda sido julgada – tampouco foi até o momento. Os fazendeiros pediram, então, que a demarcação fosse suspensa até que saísse esta decisão judicial. Com uma liminar, o então presidente do STF, Nelson Jobim, acatou.  

Em 2006, a Advocacia Geral da União (AGU) sustentou que não há comprovação da posse da terra por parte de fazendeiros em 1863. As aquisições remontam a 1938, quando títulos foram concedidos pelo Estado do Mato Grosso do Sul, diz a AGU, corroborando com o laudo antropológico.

Na última sexta-feira (20), a União peticionou "que seja aberta a mesa de negociação" como "medida necessária e recomendada como forma de pacificação dos conflitos atuais na região".  

Na decisão em que institui a audiência, Gilmar Mendes afirma que "o conflito" envolvendo a "legalidade do ato demarcatório da TI Nhanderu Marangatu é profundo, violento e destrói há séculos os projetos de vida de todos que lá se instalam". 

"A inércia estatal não é mais opção. O diálogo e o respeito mútuo devem ser retomados", afirmou o ministro do Supremo.

Na semana passada, a ministra dos Povos Indígenas Sonia Guajajara se reuniu com Gilmar Mendes. Ao Brasil de Fato, o MPI informou que foi reforçada "a necessidade e a importância da celeridade em relação ao julgamento das ações que estão no STF e o destravamento dos processos paralisados em outras instâncias dos TRFs [Tribunal Regional Federal]".  

"Espera-se que com essa audiência seja possível avançar nesse sentido. Somente com a conclusão do processo demarcatório e a posse plena do território pode-se garantir a segurança e a vida dos indígenas, acabando com a violência", afirmou o MPI, em nota. 

Edição: Martina Medina