Em seu discurso de abertura da 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas, o presidente Lula afirmou que é crucial "criar condições para a retomada do diálogo direto entre as partes", se referindo ao conflito entre Ucrânia e Rússia.
"Essa é a mensagem do entendimento de seis pontos que China e Brasil oferecem para que se instale um processo de diálogo e o fim das hostilidades", completou o mandatário brasileiro na sede da ONU em Nova York.
A proposta sino-brasileira surgiu quando o chefe da Assessoria Especial do Presidente da República, Celso Amorim, visitou Pequim em maio. Como resultado da visita, os dois países emitiram uma proposta sob o nome "Entendimentos Comuns entre a China e o Brasil sobre a Solução Política da Crise na Ucrânia", onde defendem uma solução política para a crise na Ucrânia e a desescalada da situação.
O documento contém seis pontos (ver texto completo abaixo): 1) Não escalada de ambos lados; 2) a realização uma conferência internacional de paz; 3) assistência humanitária e troca de prisioneiros de guerra; 4) não utilização de armas de destruição em massa; 5) não atacar alvos nucleares; e 6) garantir a estabilidade das cadeias industriais e de abastecimento globais.
Na sexta-feira (27), está prevista uma reunião em Nova York, paralela à Assembleia Geral, com representantes de 20 países do Sul Global para buscar apoio à proposta sino-brasileira , segundo a agência Reuters.
O governo brasileiro também discutiu a crise ucraniana com o governo russo no começo de agosto, em um encontro entre o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e seu par, Serguei Lavrov, na capital da Arábia Saudita, Riad, de forma paralela à reunião ministerial do Conselho de Cooperação do Golfo.
Sob o governo Lula, o Brasil tem insistido em elaborar, com China, uma proposta de solução pacífica para a crise na Ucrânia. O enviado especial do governo chinês para assuntos eurasianos, Li Hui, disse em uma coletiva em Pequim no final de agosto, que o "consenso de seis pontos" já recebeu respostas positivas de mais de 110 países.
A coletiva de Li foi para abordar sua quarta e última rodada dedicada a dialogar sobre a crise na Ucrânia, onde passou pelo Brasil, África do Sul e Indonésia. Em entrevista à agência russa RT, em 11 de setembro, o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Ryabkov, disse que acredita que essa iniciativa "tem cada vez mais apoio no Sul Global".
"As pessoas que realmente querem se mover consistentemente em direção a um acordo político estão encontrando boas razões para considerar ativamente essa ideia", disse Ryabkov.
No telefonema de Putin a Lula da semana passada, ambos teriam conversado sobre o consenso. Putin também agradeceu a proposta diretamente ao lado chinês, há duas semanas, quando o ministro de Relações Exteriores chinês Wang Yi, foi a São Petersburgo.
No encontro, Wang Yi afirmou que China e Brasil são grandes países em desenvolvimento, cujas posições sobre questões internacionais urgentes devem ser "justas, equilibradas e construtivas".
O chanceler chinês 14ª reunião de altos funcionários do BRICS responsáveis por questões de segurança e conselheiros de Segurança Nacional, a última grande reunião antes da cúpula do grupo, que acontecerá de 22 a 24 de outubro dem Kazan, na Rússia.
Wang Yi disse na reunião que o papel "ativo, estabilizador e positivo nos assuntos internacionais" dos Brics se tornou mais proeminente.
Antes do início da 79ª Assembleia Geral das Nações Unidas, o representante permanente adjunto da China nas Nações Unidas, Geng Shuang, disse que os Estados Unidos têm que parar de "minar a solidariedade internacional, criar divisão e antagonismo, e provocar confrontos de bloco" em relação à crise da Ucrânia.
"Na crise atual da Ucrânia, houve um fluxo constante de grandes quantidades de armas e munições no campo de batalha", acusou o enviado chinês durante um briefing do Conselho de Segurança justamente sobre o fornecimento de armas à Ucrânia.
Posição ucraniana
O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, foi a Guangzhou, na China em junho, onde se reuniu com Wang Yi. Kuleba se limitou a manifestar que a Ucrânia "estudou cuidadosamente os seis entendimentos comuns delineados em conjunto pela China e pelo Brasil para uma resolução política da crise".
Também disse que o lado ucraniano "está disposto e pronto para conduzir o diálogo e a negociação com a Rússia".
Porém, em 12 de setembro, o presidente ucraniano Vladimir Zelensky chamou o plano do Brasil e da China para resolver o conflito, de "destrutivo", em entrevista ao portal Metrópoles.
Leia o consenso na íntegra:
Entendimentos Comuns entre o Brasil e a China sobre uma Resolução Política para a Crise na Ucrânia
Em 23 de maio de 2024, em Pequim, o membro do Bureau Político do Comitê Central do Partido Comunista da China e Ministro das Relações Exteriores da China, Sua Excelência Wang Yi, manteve uma reunião com o Chefe da Assessoria-Especial do Presidente da República do Brasil, Sua Excelência Celso Amorim. As duas partes tiveram uma troca de opiniões aprofundada sobre a defesa de uma solução política para a crise na Ucrânia e da desescalada da situação, tendo chegado aos seguintes entendimentos comuns:
1. As duas partes apelam a todos os atores relevantes a observarem três princípios para a desescalada da situação, a saber: não expansão do campo de batalha, não escalada dos combates e não inflamação da situação por qualquer parte.
2. As duas partes acreditam que o diálogo e a negociação são a única solução viável para a crise na Ucrânia. Todos os atores relevantes devem criar condições para a retomada do diálogo direto e promover a desescalada da situação até que se alcance um cessar-fogo abrangente. O Brasil e China apoiam uma conferência internacional de paz realizada em um momento apropriado, que seja reconhecida tanto pela Rússia quanto pela Ucrânia, com participação igualitária de todas as partes relevantes, além de uma discussão justa de todos os planos de paz.
3. São necessários esforços para aumentar a assistência humanitária em áreas relevantes e prevenir uma crise humanitária de maior escala. Ataques a civis ou instalações civis devem ser evitados, e a população civil, incluindo mulheres, crianças e prisioneiros de guerra, deve ser protegida. As duas partes apoiam a troca de prisioneiros de guerra entre os países envolvidos no conflito.
4. O uso de armas de destruição em massa, em particular armas nucleares, químicas e biológicas, deve ser rejeitado. Todos os esforços possíveis devem ser feitos para prevenir a proliferação nuclear e evitar uma crise nuclear.
5. Ataques contra usinas nucleares ou outras instalações nucleares pacíficas devem ser rejeitados. Todas as partes devem cumprir o direito internacional, incluindo a Convenção de Segurança Nuclear, e prevenir com determinação acidentes nucleares causados pelo homem.
6. A divisão do mundo em grupos políticos ou econômicos isolados deveria ser evitada. As duas partes pedem novos esforços para reforçar a cooperação internacional em energia, moeda, finanças, comércio, segurança alimentar e segurança de infraestrutura crítica, incluindo oleodutos e gasodutos, cabos óticos submarinos, instalações elétricas e de energia, bem como redes de fibra ótica, a fim de proteger a estabilidade das cadeias industriais e de suprimentos globais.
As duas partes convidam os membros da comunidade internacional a apoiar e endossar os entendimentos comuns, mencionados acima, e a desempenhar, conjuntamente, um papel construtivo em favor da desescalada da situação e da promoção de conversações de paz.
*Com informações de TASS e CGTN.
Edição: Rodrigo Durão Coelho