ELEIÇÕES 2024

Eleições 2024: ausência de propostas para crise climática expõe descompasso político no Norte do país

Pré-eleições, João Pedro Stédile destaca necessidade de 'mudanças na política pública para salvarmos a Amazônia'

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Pessoas carregam água potável ao longo de um banco de areia do Rio Madeira quase seco, na Comunidade de Paraizinho, em Humaitá (AM)
Pessoas carregam água potável ao longo de um banco de areia do Rio Madeira quase seco, na Comunidade de Paraizinho, em Humaitá (AM) - MICHAEL DANTAS / AFP
existe o relógio da política também, que não acompanha o relógio da natureza

O podcast Três Por Quatro desta sexta-feira (27) lançou luz sobre um tema crucial para as eleições municipais de 2024 na região Norte: o descompasso entre o ritmo da política e as emergências climáticas. Como destacou a cientista política e pesquisadora Mariana Castro, do Observatório Interdisciplinar das Mudanças Climáticas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), "existe o relógio da política também, que é um relógio complicado que não acompanha o relógio da natureza das mudanças climáticas. Imagina a gente ficar pensando em ciclos de quatro em quatro anos: vai, muda o governo, mudam as pautas, muda a prioridade que se dá ou não para a mudança climática."

Além da participação de Castro, o programa produzido pelo Brasil de Fato e apresentado pelos jornalistas Igor Carvalho e Nara Lacerda, contou com os comentários de João Pedro Stédile, economista e liderança do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a respeito das eleições no Norte do Brasil e o grau de importância das pautas ambientais na região.

A região Norte, berço da Amazônia e parte do Cerrado, enfrenta secas extremas que impactam diretamente a vida da população e a economia local. A cientista política também ressaltou que "a pauta ambiental e climática realmente tem crescido nos últimos tempos. Nossa pesquisa (Monitoramento Político Eleitoral - OPEL) mostra que cada vez mais candidaturas trazem esse tema".

Além de representar a maior concentração de área verde do país e abrigar um dos principais biomas do Brasil, a região também conta com populações ribeirinhas e povos indígenas, mas ainda assim é “uma das regiões onde existe a maior desigualdade social, onde a população parece não ter alternativas”, reforça o líder do MST sobre a precariedade no Norte nacional.

Em consenso, Mariana salienta como políticas públicas devem ser implementadas na região visando não apenas o amparo à sociedade local, mas também o meio a qual estão inseridas, de forma a preservar a biodiversidade do território de maneira conjunta, e como "as poucas propostas apresentadas pelos parlamentares ainda são rasas e pouco efetivas".

“O tema ainda tem um espaço insuficiente nos planos de governo, nos debates eleitorais na eleição geral. Além de um despreparo geral das candidaturas para lidar com o tema de forma concreta. O problema climático não deveria ser visto como uma pauta separada, mas como um tema transversal que dialoga com outras questões da vida cotidiana nas cidades, como a mobilidade urbana, a saúde pública e a qualidade de vida”, reforça a cientista política.

Dada a carência da população local, Stédile aponta como é comum que os cidadãos vejam a “eleição para ganhar algum dinheirinho. Eles votam em quem paga”, referindo-se à prática ilegal de compra de votos e ao crescimento da extrema direita no Norte brasileiro.

Mariana também sublinha como as corridas pelas prefeituras espalhadas pelo Norte evidenciam o baixo aprofundamento e despreparo dos candidatos em temas como as oscilações no clima e até mesmo a fauna local. Ela ainda reforça que “falam de forma muito genérica sobre limpeza de igarapés, ou coleta seletiva, e em algumas medidas eles até confundem causas mais ambientais com pautas voltadas para pets, por exemplo.”

Mesmo com os impactos das emergências climáticas sendo sentidos pela população, Mariana aponta que  "muita gente vê as mudanças climáticas como algo ainda abstrato, que afeta o planeta de modo geral, mas que não tem um impacto tão direto no dia a dia. Isso faz com que o tema não tenha tanta força nas eleições, porque parece estar relacionado com outras prioridades que seriam mais imediatas, como saúde, segurança, emprego etc."

Stédile acrescentou um exemplo concreto: "Alter do Chão, Santarém, os barqueiros estão há quase dois meses parados porque o rio está num nível que não tem como circular. Então, para além do turismo farto ali na região, os moradores, alimentação, estrutura, não circulam na região."

COP30: Oportunidade ou Burocracia?

Em dezembro de 2023, Dubai sediou a vigésima oitava edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP), onde foi debatida, principalmente, a redução do uso de combustíveis fósseis no mundo. Baku, capital do Azerbaijão, será a próxima anfitriã do evento, enquanto o Brasil se prepara para sediar a trigésima edição em 2025, mais especificamente no estado do Pará.

A conferência realizada anualmente reúne parlamentares, políticos e demais representantes de diferentes nações para debater assuntos pertinentes ao meio ambiente com foco nas crises climáticas em todo planeta. 

Entretanto, Stédile ressalta que, apesar do real intuito do evento e dos objetivos esperados, essa reunião "torna-se um espaço de turismo institucional", reforçando que o evento possui “milhares de burocratas para não fazer nada, que apenas colocam em seus currículos que estiveram em tal COP”.

Ele pondera que a trigésima reunião em Belém será um “bom palco para denúncias”, dada a possibilidade de manifestações populares e de órgãos ambientalistas da região, mas lamenta que, apesar da importância do tema, a COP no Brasil “não servirá para nada!”

Políticas atrasadas não movem moinhos

Por menos que se fale sobre políticas públicas ambientalistas na região, Mariana reafirma a importância da “criação e implementação de um plano de ação para adaptação e mitigação às crises climáticas”, já que, historicamente, o “governo geral não tem feito o que precisa ser feito”, conclui.

“As principais gestões precisam estar preparadas para executar de fato planos de adaptação e mitigação, fortalecer órgãos ambientais, criar secretarias e desenvolver respostas para esses eventos climáticos extremos”, afirma.

A atual seca na região também pode impactar diretamente o processo eleitoral, visto a dificuldade do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em fazer com que as urnas cheguem a municípios cujo principal meio de acesso é o Rio Amazonas, como Tucumanduba, Guajará e Arapixuna, no estado do Pará.

Stédile alerta: "Vai afetar a presença nas eleições do domingo a ausência de barcos, porque tem muitas comunidades ribeirinhas lá do Amazonas onde a urna não vai chegar. O único meio de comunicação era o rio e não vai chegar comida, não vai chegar sal, não vai chegar farinha".

Nesse sentido, Mariana destaca que, por mais que exista “uma certa ambivalência” em relação à urgência dos problemas socioambientais em meio às demais necessidades primárias dos cidadãos, ainda é preciso um processo de conscientização sobre as inadiáveis pautas ambientais na localidade.

Stédile também critica a atuação de instituições financeiras: "Queridos camaradas, vocês sabem quantos empréstimos o Banco do BASA, que é o banco de toda a Amazônia Legal, liberou este ano para a produção de feijão na região? Apenas um. Isso é uma vergonha. Agora, financiou centenas de projetos de soja, de pastagem, o que inclui desmatamento."

Para Mariana, embora a crise climática seja tratada como um “tema de esquerdistas” pelos conservadores da região, essa postura “típica da extrema direita” visa apenas a “expansão das fronteiras agrícolas”, enquanto conservadores e capitalistas tentam influenciar a população com discursos que os favorecem. “Esse processo de procrastinação em relação às políticas climáticas, muitas vezes é justificado pela necessidade de crescimento econômico”, conclui.

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.

 

Edição: Nathallia Fonseca