Minas Gerais instituiu sua política estadual de apoio às cozinhas solidárias a partir da publicação da Lei nº 24.976 no Diário Oficial do estado, na quinta-feira (19). Proposta pelo mandato da deputada estadual Bella Gonçalves (Psol), a lei objetiva o combate à fome e foi recebida com alívio pelas entidades que distribuem refeições solidárias na capital mineira.
A legislação considera cozinhas solidárias as entidades sem fins lucrativos que desenvolvem ações de combate à insegurança alimentar e nutricional por meio da produção e da distribuição de refeições gratuitas e de qualidade à população, principalmente em situação de vulnerabilidade social.
Para além disso, a lei objetiva incentivar práticas alimentares promotoras da saúde e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
Promoção da educação nutricional, estímulo à aquisição de alimentos advindos da agricultura familiar e viabilização de espaços de alimentação sanitariamente adequados também figuram entre as finalidades da política estadual de apoio.
Entidades que distribuem refeições solidárias na capital mineira comemoram
Para atingir os objetivos propostos na política pública, o Estado poderá intermediar parcerias com entidades públicas e organizações da sociedade civil que contribuam para a melhoria dos serviços ofertados pelas cozinhas solidárias.
Em coluna ao Brasil de fato MG, por ocasião da finalização do cadastro das cozinhas solidárias de Minas Gerais no Programa Cozinha Solidária do governo federal, a deputada Bella Gonçalves ressaltou a importância dessas iniciativas comunitárias
“As cozinhas solidárias são uma tecnologia popular de combate à fome, protagonizada por movimentos sociais” afirmou a deputada.
Bella também enfatiza que as cozinhas não só produzem e distribuem refeições de qualidade, mas “promovem a inclusão social e econômica de diversas comunidades, com atividades, oficinas e formações em bairros periféricos e ocupações urbanas”.
A importância das cozinhas solidárias
Uma das entidades que pode ser contemplada é o projeto Mãos Solidárias, ligado ao Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST). Desenvolvida na capital de Minas Gerais. A iniciativa realiza a distribuição de mais de 100 refeições, feitas com insumos produzidos em áreas de Reforma Agrária. A distribuição acontece duas vezes na semana para catadores de material reciclado e para a população em situação de rua de Belo Horizonte.
Na avaliação de Priscila Araújo, coordenadora do projeto e integrante do MST, as cozinhas solidárias são fundamentais para pensar a segurança alimentar nas cidades.
“Se considerarmos os catadores, público que mais atendemos, eles dependem diretamente do que conseguem catar de material reciclado e o custo de uma refeição diária tem um impacto grande na renda. Eles são um dos setores mais precarizados, embora trabalhem diretamente contribuindo na preservação do meio ambiente ", afirma.
A cozinha solidária do Mãos Solidárias funciona na Associação dos Catadores de Papelão e Material Reaproveitável (Asmare), que fica na região Central da capital.
“Hoje, a cozinha solidária na Asmare garante a alimentação para quem precisa, gerando um impacto grande na renda, já que muitas vezes eles levam, inclusive, comida para casa” destaca Priscila Araújo.
Cozinhas também funcionam como espaços de capacitação profissional
É o que também relata Liliam dos Anjos, militante do Movimento das Trabalhadoras e dos Trabalhadores por Direitos (MTD), que atua na Cozinha Popular Pátria Livre, localizada na Pedreira Prado Lopes, uma das periferias mais antigas de Belo Horizonte.
“Por meio dessa cozinha, realizamos uma dimensão de solidariedade na comunidade, a partir da produção e distribuição da coletiva de alimentos, o que foi especialmente presente durante a pandemia. A cozinha se tornou um ponto de referência solidária, onde as famílias e, principalmente, as mulheres se encontram ", comenta.
A cozinha é fruto da atuação do movimento nas comunidades da Pedreira Prado Lopes e da Vila Senhor dos Passos, localizadas na Noroeste do município. Segundo Liliam, a segunda dimensão de atuação da cozinha é a geração de trabalho e renda.
“A gente oferta o serviço de alimentação a um preço justo e, por meio desse serviço, remuneramos as mulheres das comunidades, além de buscar recursos para melhorar o espaço que temos” explica.
Além disso, as cozinhas, por vezes, funcionam como espaços de capacitação profissional e formação política.
“Nós estamos organizados e discutindo permanentemente o direito humano à alimentação e, nesse sentido, buscamos lutar por políticas públicas de segurança alimentar e por possibilidades de acessar esse direito também por meio do Estado” comenta a militante do MTD.
Desafios
Porém, apesar da atuação consolidada das cozinhas e de uma legislação federal já em vigor, Priscila Araújo reforça as grandes dificuldades que a atuação do projeto Mãos Solidárias ainda enfrenta.
“Nossa cozinha acessa, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), os alimentos in natura, mas o grande desafio é o acesso aos insumos que não estão englobados na política pública”, aponta.
Óleo, gás e produtos de limpeza, por exemplo, ficam a cargo de doações e, por isso, a cozinha enfrenta desafios em manter a regularidade dos fornecimentos. É o que complementa a coordenadora do projeto.
“Tudo o que não é produzido aqui pela agricultura familiar a gente precisa pedir doação, sem contar os custos com a mão de obra, que, atualmente, é toda voluntária e depende do custeio de transporte e de alimentação para poder atuar na cozinha”, relata Priscila Araujo.
A cozinha Popular Pátria Livre também enfrenta desafios semelhantes, na visão de Liliam Anjos, a maior dificuldade está em manter a regularidade do acesso a insumos e, por consequência, o fornecimento cotidiano das refeições
“Muitas vezes temos dificuldade no acesso aos produtos perecíveis com regularidade e, como cozinha solidária, por diversas vezes, o acesso a recursos é escasso”, destaca.
A lei estadual de apoio
Nesse contexto, para os movimentos, a lei estadual de apoio às cozinhas solidárias vem como uma esperança de estruturação e fomento para as iniciativas comunitárias.
Para Priscila, a norma é importante porque busca garantir o combate à fome, que é um dever do Estado, e cria um espaço de diálogo sobre o financiamento.
“A lei de apoio às cozinhas solidárias cria um espaço institucional para que a gente avance no financiamento dessa iniciativa, que é a organização popular, para resolver a questão da fome. Além disso, a lei favorece a priorização da compra de produtos da agricultura familiar, fortalecendo uma outra política pública que é a reforma agrária. É o pequeno agricultor entregando alimentos de qualidade para alimentar o trabalhador urbano”, ressalta.
Governo Zema é inoperante
Já Liliam pontua a inação do governo de Romeu Zema (Novo) nos últimos seis anos.
“Minas Gerais tem um índice altíssimo de pessoas com algum nível de insegurança alimentar. São quase 6 milhões de pessoas que não têm acesso adequado a alimentos. Não há nenhuma ação concreta do governo Zema para enfrentar esse cenário nos seis anos de governo. O governador, inclusive, vetou uma proposta de aumento de recursos para o Fundo de Erradicação da Miséria”, frisa a militante do MTD.
Ela pontua ainda que são os movimentos populares que têm garantido ações de solidariedade e enfrentamento a este cenário.
O cenário da insegurança alimentar em Minas Gerais
De acordo com o estudo “Insegurança Alimentar e Nutricional sob a Perspectiva da Interseccionalidade”, divulgado neste ano pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ao menos 4 em cada 10 moradores dos aglomerados da Serra e do Cabana do Pai Tomás, em Belo Horizonte, enfrentam insegurança alimentar severa.
Em todo o estado, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao longo de 2023, ao menos 21,6% das casas tiveram algum nível de insegurança alimentar. Isso significa que 5 milhões de pessoas estavam vivendo sem a certeza de alimentação adequada.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Ana Carolina Vasconcelos