A performance brasileira na ONU já não causa comoção na mídia internacional. Esperava-se mais
Olá,
No cenário internacional, na pauta ambiental e na luta contra as BETs, o governo sai perdendo.
.Climão. O segundo discurso de Lula na ONU neste mandato voltou aos temas da solidariedade ao Haiti, Cuba e Palestina, combate à fome, defesa da democracia e, com mais ênfase agora, da crítica às big techs. Porém, a questão ambiental, que há um ano pretendia ser o cartão de visitas global do novo governo, apareceu diminuta em comparação às expectativas do próprio governo de um ano e meio atrás. Prova disso é que a performance brasileira já não causa comoção na mídia internacional. Esperava-se mais, tanto em função do que o país passou neste ano - das enchentes no sul, à seca no norte, passando pelas queimadas generalizadas - quanto pela presidência da COP30 no próximo ano. Para a plateia, o ponto alto do discurso foi a defesa de uma reforma da governança global, com maior protagonismo do Sul Global. E neste caso, o maior argumento a favor de Lula era a própria Assembleia da ONU, esvaziada, sem interesse dos países ricos, enquanto Israel assassinava 500 pessoas no Líbano depois de destruir Gaza e a guerra da Ucrânia completando quase três anos. O clima de fracasso já era perceptível antes mesmo do início, no domingo, quando a aprovação do Pacto para o Futuro, com 56 medidas para enfrentar os desafios do nosso tempo histórico, resultou num documento vago, sem força de lei e com oposição - por motivos distintos - da Rússia, Venezuela, Nicarágua, Coreia do Norte e Argentina. No apagar das luzes da Assembleia, Lula ainda precisou defender a proposta conjunta com a China para a paz na Ucrânia frente a um irredutível Zelensky.
.Não faça o que eu faço. A pauta ambiental perdeu força no discurso de Lula também pelo poder do agronegócio dentro do governo. Se no palco da ONU Lula pregava o desmatamento zero, nos bastidores, endossou o pedido para que a União Europeia recue na decisão de não comprar produtos de áreas desmatadas. O agronegócio também está no centro de outro imbróglio, a Autoridade Climática, uma promessa de campanha que só começou a sair do papel com a crise das queimadas, que ainda não tem desenho e nem responsável definido por conta da disputa entre ministros. Marina Silva, obviamente, quer um ambientalista no cargo e o vínculo com o seu Ministério. Mas o ministro da Agricultura quer alguém tolerante - ou melhor, inofensivo - ao agronegócio, preferencialmente um ruralista mesmo. Assim, como ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, também prefere um nome menos “ecológico”. E, por fim, Rui Costa esforça-se para reduzir a proposta e a “autoridade” para que caiba num puxadinho da Casa Civil como uma função menor. Outro setor benquisto no governo, mas incômodo quando o tema são mudanças ambientais é o petroleiro. Nesta semana, Silveira e a presidente da Petrobras Magda Chambriard afirmaram que em breve deve começar a exploração de petróleo da Margem Equatorial, que vai do Rio Grande Norte ao Amapá e inclui a foz do Amazonas, motivo de outras discórdias com Marina e os ambientalistas. A exploração foi tema de uma reunião de Lula com a Shell em Nova York, fora da agenda oficial, o que também chamuscou a imagem de líder ambiental de Lula. E, como se não fosse suficiente, em um evento com patrocínio do governo brasileiro, a OPEP definiu como “fantasiosa” a ideia de abandonar combustíveis fósseis e previu um crescimento até 2050, justamente a data definida pela ONU para a descarbonização total. Em meio a tudo isso, pelo menos uma boa notícia: pela primeira vez o Judiciário brasileiro determinou uma pena monetária pela emissão de gases de efeito estufa. Quatro ruralistas foram sentenciados a pagar R$11 milhões pelo desmatamento de uma área da União no Amazonas, além de ter que reflorestar a região e pagar danos materiais.
.Sai o leão, entra o tigrinho. O pedido de prisão de Gusttavo Lima revelou mais do que o verdadeiro nome do cantor, Nivaldo. Mostrou também as entranhas de um escândalo que cresce às margens e com a conivência do Estado e das instituições financeiras oficiais depois que Michel Temer abriu as portas para as BETs em 2018. O esquema de apostas é a cara do Brasil pós-Bolsonaro: uma mistura de liberalismo extremado, teologia da prosperidade e desejo de ostentação. Dados levantados pelo Banco Central mostram cifras alarmantes e muito superiores às projeções do Ministério da Fazenda. Só em agosto as apostas em BETs envolveram mais de 24 milhões de pessoas e movimentaram cerca de R$20 bilhões, valor que, projetado para o ano, pode chegar a R$249 bilhões. Significa dizer que as BETs se tornaram o tipo mais popular de “investimento” financeiro no país, perdendo apenas para a poupança. Aliás, o dízimo cobrado em nome da promessa de enriquecimento fácil se alastrou entre os jovens, muitos dos quais pertencem às classes C, D e E, afirma Fernando Pimentel em entrevista ao GGN. O que também é comprovado pela enorme participação de beneficiários do Bolsa Família, que apostaram cerca de R$3 bilhões, o que representa 20% do repasse do governo federal. Mas antes que alguém pense que o problema é o Bolsa Família e não as BETs, vale lembrar que estamos falando de vício, que é questão de saúde pública, e não de recreação. Aliás, o problema afeta toda a economia, causando preocupação em setores industriais e comerciais que contabilizam perdas decorrentes do desvio de recursos do consumo para as apostas. Fernando Pimentel observa ainda que se verifica “queda de consumo, inclusive de alimentos mais fundamentais, por conta de restrições orçamentárias advindas do crescimento das apostas digitais”. O mais preocupante é que essa nova modalidade de expropriação financeira, usada para lavagem de dinheiro e que financia times de futebol, influencers, cantores e políticos, parece ter vindo para ficar. Diante da tragédia anunciada, o Ministério da Fazenda pensa em como frear os impulsos dos apostadores, sem saber exatamente como. A maioria defende uma regulamentação mais restritiva, enquanto outros, como a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, defende a proibição das apostas virtuais em benefício das apostas presenciais com a regulamentação dos cassinos no Brasil.
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*Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
Edição: Nathallia Fonseca