Organizações de Direitos Humanos e ativistas lamentaram a morte da professora e militante do movimento Mães de Maio, de São Paulo, Francilene Gomes Fernandes, a “Fran”, ocorrida no sábado (28), após longa luta contra um câncer.
A coordenadora do movimento Mães de Maio, Débora Maria Silva, se disse consternada pela partida precoce da companheira de luta, e afirmou que se trata de mais uma vida perdida “para a conta do Estado”, que jamais promoveu justiça às vítimas dos crimes cometidos pela força pública.
“É lamentável a gente enterrar uma jovem tão comprometida com as causas sociais dessa forma. Nós perdemos uma militante, uma guerreira, uma pessoa muito comprometida, que deixa um legado”, disse ao Brasil de Fato. “Ver uma moça jovem, mãe de três filhos, uma menina que escolhe o serviço social, que é dar humanização ao ser humano, o que ela não teve do Estado, nem com a família nela, nem com a gente”, completou.
Débora manifesta indignação por enterrar mais uma mãe de vítimas de crimes do Estado, sem que a elas tenha sido garantido o direito à memória, à verdade, e fundamentalmente, à Justiça sobre o assassinato de seus filhos e irmãos vitimados pela violência da força pública. “Essa conta é sim nas costas do Estado. Eles têm que pagar por isso”, destacou.
“Esse massacre que ocorreu em maio de 2006, que as mães e os familiares não tiveram um atendimento psíquico nem a reparação que o Estado tinha que fazer com a gente. Então ele [o Estado] leva as mães para o mesmo lugar dos filhos. Porque o luto e a impunidade acabam gerando essa sequela”, lamentou a coordenadora do movimento Mães de Maio.
A organização também publicou nota de pesar. “Fran, guerreira, vá em paz! Nosso amor por você é eterno. Você lutou o bom combate”, escreveu em seu perfil no Instagram.
Fran começou a militar no movimento Mães de Maio após perder o irmão Paulo Alexandre Gomes, de 23 anos, desaparecido forçadamente durante os episódios que ficaram conhecidos como “crimes de maio”, quando, em 2006, a Polícia Militar do Estado de São Paulo assassinou mais de 500 pessoas, de forma indiscriminada, principalmente na região da Baixada Santista, “como resposta” a ataques do PCC que, por sua vez, teriam resultado em 59 agentes públicos mortos. Ela já havia perdido outra irmã, Juliana, assassinada pela PM nos anos 90, aos 17 anos.
O ex-secretário geral do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe), o advogado Ariel de Castro Alves, lembra que conheceu Fran quanto atuava na apuração dos crimes de maio de 2006. “Depois disso, ela com a Débora Silva e outras mães criaram as Mães de Maio, com apoio do Condepe, do Grupo Tortura Nunca Mais e do Movimento Nacional de Direitos Humanos”, recorda.
“Ela, além de familiar de vítimas de violência, transformou o luto em luta por direitos humanos e justiça. Sempre atuou por uma sociedade mais justa! Seu falecimento tão precoce significa uma enorme perda para as lutas por justiça social”, declarou Castro.
No dia 1 de junho, Fran fez uma publicação no Instagram, durante um longo período de internação, agradecendo os familiares e amigos pelo apoio. “43 dias de internação, agradecida por ter uma família maravilhosa que me dá apoio incondicional, amigas/os que não medem esforços para me ver bem e não soltam minha mão, alunas/ os que sempre me trazem lindas palavras de amor. Eu ainda não sei o que o futuro me reserva, o que sei é que terei um longo e difícil caminho de reabilitação e que quero seguir vivendo para que o ‘amanhã não seja só um ontem’”, escreveu.
Fran era formada em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2007), tendo feito mestrado e doutorado pela mesma instituição. Foi coordenadora de alguns espaços do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) na capital paulista, e professora em de cursos universitários de Serviço Social e Gestão Pública.
Tornou-se militante do movimento Mães de Maio, após perder dois irmãos pela violência policial. Em junho deste ano, lançou o livro Tecendo Resistências — Trincheiras contra a violência policial (Cortez Editora, 2024), em que trata da relação entre os movimentos sociais e as mídias independentes. A publicação é resultado de sua pesquisa de doutorado, concluída em 2021. Ela tinha 44 anos e deixa três filhos.
Edição: Rodrigo Durão Coelho