Memória

'Amarga espera': protesto cobra de Macaé Evaristo assinatura de portarias sobre pedidos de anistia

Pressão sobre Ministério dos Direitos Humanos a respeito do tema surgiu na gestão de Silvio Almeida

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Protesto de manifestantes pró-anistia estendeu faixas em frente à sede do MDHC, na Esplanada dos Ministérios - Divulgação

Um grupo de manifestantes se concentrou ao longo do dia desta segunda-feira (30) na porta do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania (MDHC), na Esplanada dos Ministérios, em Brasília (DF), para pressionar a pasta pela assinatura de um conjunto de portarias referentes a processos de anistia que favorecem cidadãos perseguidos pela ditadura civil-militar brasileira (1964-1985). 

Os participantes do ato cobram o rito final de pedidos já julgados e aceitos pela Comissão de Anistia, órgão vinculado ao MDHC. O grupo, composto por membros da comissão nacional de anistia da Federaçao Nacional dos Trabalhadores de Correios e Telégrafos e Similares (Fentet), prepara uma série de outras manifestações que devem ocorrer em frente ao ministério ao longo desta semana.

O servidor público Luciano Vitônio, um dos anistiandos que aguardam a assinatura das portarias, contou à reportagem que deu entrada no pedido de anistia ainda na década de 1990. Ele qualifica a demora por resposta do Estado brasileiro como uma "amarga espera"."O que não falta são leis que tratam do assunto, porém, tem que haver vontade política para que as coisas aconteçam na prática", afirma.

Sancionada em 1979 após intensa mobilização social, a Lei de Anistia (nº 6.683/79) é um dos dispositivos estatais que buscam auxiliar no processo de reconstrução democrática do país após os anos de chumbo da ditadura civil-militar. A norma prevê o perdão oficial do Estado a brasileiros perseguidos politicamente durante o regime dos generais. Os casos, em geral, envolvem pessoas que foram criminalizadas, perderam o emprego ou sofreram outro tipo de dano por conta dos anos de autoritarismo – a lei, entretanto, também serviu para que os mandantes dos crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura não fossem responsabilizados.

Segundo dados da Comissão de Anistia, há mais de 200 casos julgados em julho que esperam um despacho oficial do MDHC para serem oficializados, mas esse montante inclui todo tipo de resultado, entre indeferimentos, anulações de portarias, deferimentos e outros. O órgão não soube informar ao certo qual seria o total de processos acumulados que demandam a assinatura da ministra Macaé Evaristo para viverem seu rito final. 

Evaristo foi empossada oficialmente na última sexta (27), mas vinha assumindo algumas tarefas relativas ao ministério desde as semanas anteriores. Ela foi convidada para o posto após as denúncias de assédio sexual que recaíram sobre o agora ex-ministro Silvio Almeida, demitido pelo presidente Lula (PT) em 6 de setembro. Almeida negou publicamente todas as acusações, as quais chamou de "mentiras".

Cenário

No início de setembro, o Brasil de Fato mostrou que a Comissão de Anistia do MDHC tem sofrido com falta de verbas em 2024. Outra reportagem do BdF noticiou que, na última quinta (26), o órgão chegou a realizar uma sessão de julgamento por determinação judicial. Sem dinheiro para fazer novos julgamentos e trazer os membros à capital federal, restou à comissão promover uma sessão parcialmente virtual para atender à ordem da Justiça. A situação tem provocado cobranças constantes por parte de diferentes lideranças da sociedade civil que acompanham o tema.

O carteiro Domingos Fernandes Pimenta, também integrante da Fentet, conta que há cerca de 800 a 900 processos de pessoas ligadas à entidade ainda em tramitação na Comissão de Anistia do MDHC. "Acho que há um descaso com a [pauta da] anistia. Da operação Condor, na América Latina, que foi da ditadura, somente o Brasil não resolveu a questão dos perseguidos e anistiados políticos. No governo anterior, tivemos o desprazer de ouvir de pessoas despreparadas que não houve ditadura no país. Há um descaso nacional."

Ele destaca que os representantes da comissão de anistia da Fentet pediram uma audiência com a ministra Macaé Evaristo, mas ainda não tiveram sinalização do gabinete gestor do MDHC a respeito do assunto. "Não tivemos nenhuma resposta, por isso nós estaremos aqui nos próximos dias cobrando isso. Acredito que, com essas manifestações, quem sabe tenhamos algum retorno."

Outro lado

O Brasil de Fato procurou ouvir a assessoria de imprensa do MDHC sobre se há previsão de data para a assinatura das portarias pendentes e também sobre alguma eventual audiência com os representantes do movimento pró-anistia.

Em nota, a pasta afirmou que "a ministra quer priorizar a relevância da preservação da memória e da luta por justiça para as vítimas de perseguição pelo Estado brasileiro como um compromisso por todos aqueles que lutaram pela liberdade e democracia no Brasil", e ainda que "todos os procedimentos previstos serão adotados para análise dos processos e continuidade dos trabalhos da Comissão de Anistia para que as vítimas sejam devidamente reparadas".

Por fim, a nota diz que "reitera o compromisso com o diálogo" e que "não centralizará demandas apenas no gabinete ministerial, dando autonomia a todos os setores prioritários da Pasta". 

Edição: Thalita Pires