O audiovisual é um terreno tão bonito e complexo que tem trabalho para todo mundo
Mais uma vez, a Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro (Apan) lança um documento às vésperas das eleições para cobrar a mobilização de políticos de apoio ao setor no país.
A Carta do Audiovisual Negro Às Candidaturas Antirracistas reúne "um conjunto de análises e proposições, a partir da compreensão do atual contexto nacional de retomada dos processos democráticos e de avanços para a Cultura", explica o documento.
Além disso, a Carta funciona como um chamado aos políticos a "contarem" com a Apan para desenvolver o audiovisual no país numa perspectiva de combate ao racismo no setor, conforme explica a cineasta Viviane Ferreira, uma das fundadoras da Apan e diretora de Ó Pai Ó 2 e Um Dia com Jerusa.
"As organizações representativas do setor acabam cumprindo esse papel de auxiliar as administrações públicas", explica Ferreira em entrevista ao programa Bem Viver desta quinta-feira (3).
"Então quando a Apan propõe a carta dessa maneira minuciosa é porque a gente entende que faz parte das nossas responsabilidades e das nossas atribuições contribuir com o Estado sobre essas ações possíveis de serem implementadas."
Como exemplo de ações que cabem aos municípios, a cineasta cita o processo de difusão dos filme por meio de festivais.
"Todos os dias nascem crianças novas nas cidades do Brasil, todos os dias adolescentes debutam nas cidades do Brasil, todos os dias pessoas ficam idosas nas cidades do Brasil, todos os dias, tipo, adultos precisam de um espaço para espairecer depois do trabalho nas cidades do Brasil."
"Então, o processo de difusão está completamente ligado à necessidade de ofertar espaços de integrar pessoas nas cidades. Espaço de saúde, espaço de bem viver, que tem a ver com a boa convivência entre as pessoas, com a experiência de se encontrar, ver um filme, falar sobre um filme, tomar um suco, uma cerveja, um café antes ou depois."
Ao mesmo tempo, a cineasta destaca a Lei Paulo Gustavo e o Plano Nacional Aldir Blanc como exemplos de sucesso por terem sido desenvolvidas de modo que articulou as três instâncias federativas para que o dinheiro "chegasse na ponta".
"Sobretudo porque a gente consegue visualizar as três esferas, o governo federal, o governo estadual, o governo municipal, trabalhando juntos, e cada um assumindo ali a sua atribuição e no final das contas o recurso chegando na ponta, o recurso chegando na base e chegando em todas as contas deste país diverso, imenso e complexo que é o Brasil."
Confira a entrevista na íntegra
Em 2022 a Apan já havia lançado uma carta neste mesmo sentido. Por que a retomada desse movimento agora em 2024?
A Apan tem consolidado o seu trabalho muito numa mediação, numa ação de advocacy, mediando essa relação entre o Estado, o mercado e os profissionais do audiovisual negro.
A força motriz para o surgimento da própria organização foi de fato combater o racismo e as inequidades raciais no seio do audiovisual. Isso se torna a condição sine qua non [do latim, sem a/o qual não pode ser] que a Apan contribua com a construção de entendimento da sociedade de como o Estado pode e deve atuar no combate ao racismo no nosso setor.
Nesse sentido, para nós é extremamente importante contribuir para que o legislativo possa contar cada vez mais com mentes, com pessoas comprometidas com o combate às inequidades raciais.
Então é dessa perspectiva, se pondo como como agente social que uma organização como a Apan, mais uma vez, se posiciona, se pronuncia a tenta contribuir com esse momento do país, que é quando a gente está aí definindo ou redefinindo as nossas câmaras legislativas, bem como os mandatos executivos,
Como devemos cobrar os gestores municipais sobre o incentivo ao audiovisual?
Tem um entendimento na nossa sociedade de que o Brasil é um país federativo, então a nossa organização de Estado, ela é federativa.
E a partir de uma organização federativa, todos os isentes e todas as esferas do Estado acabam tendo sua responsabilidade.
É certo que o governo federal tem sua responsabilidade na garantia, manutenção e fomento do direito à cultura, e por conseguinte, o direito ao audiovisual.
Os governos estaduais têm a sua responsabilidade, consequentemente os governos municipais também têm a sua responsabilidade, porque as três esferas precisam atuar de maneira coordenada e harmônica sem sombreamento para que o setor e o cidadão consigam acessar em plenitude seu direito.
De outro lado, quando a gente pensa que os municípios estão mais próximos das pessoas, então, cabe a eles entender qual é a necessidade específica de formação para profissionais do audiovisual que atuam naquele território.
Qual é o tipo de estrutura do ponto de vista de logística que aquela cidade precisa para que a atividade audiovisual seja executada em plenitude? Como é que os municípios podem pensar na preservação dos acervos audiovisuais, daquilo que é produzido, daquilo que é difundido em suas próprias cidades e municípios.
Então, o audiovisual é um terreno tão bonito e complexo que tem trabalho para todo mundo.
E aí às vezes essa complexidade acaba deixando as coisas difusas e um gestor acaba não conseguindo enxergar como contribuir.
As organizações representativas do setor acabam cumprindo esse papel de auxiliar as administrações públicas.
Então quando a Apan propõe a carta dessa maneira minuciosa é porque a gente entende que faz parte das nossas responsabilidades e das nossas atribuições contribuir com o Estado sobre essas ações possíveis de serem implementadas.
Podemos olhar o fomento de festivais de cinema como uma iniciativa atribuída aos municípios?
Sem sombra de dúvidas. Até porque o processo de difusão da produção audiovisual brasileira independente por meio de mostras e festivais, auxilia no nosso processo de formação de público.
Todos os dias nascem crianças novas nas cidades do Brasil, todos os dias adolescentes debutam nas cidades do Brasil, todos os dias pessoas ficam idosas nas cidades do Brasil, todos os dias, tipo, adultos precisam de um espaço para espairecer depois do trabalho nas cidades do Brasil.
Então, o processo de difusão está completamente ligado à necessidade de ofertar espaços de integrar pessoas nas cidades. Espaço de saúde, espaço de bem viver, que tem a ver com a boa convivência entre as pessoas, com a experiência de se encontrar, ver um filme, falar sobre um filme, tomar um suco, uma cerveja, um café antes ou depois.
Então, para além de uma questão de agenda econômica, tem a ver com qualidade de vida. Quanto mais possibilidade a gente tem de difundir uma produção audiovisual em nossas cidades, maior qualidade de vida a gente consegue ofertar para os municípios.
Qual reflexão podemos fazer das leis de apoio à cultura lançadas duranta a pandemia, tanto a Paulo Gustavo como a Aldir Blanc?
Sem dúvidas é um ganho e um processo de muito aprendizado. Tanto o processo da Lei Paulo Gustavo, quanto da Pnab [Política Nacional Aldir Blanc].
Sobretudo porque a gente consegue visualizar as três esferas, o governo federal, o governo estadual, o governo municipal, trabalhando juntos, e cada um assumindo ali a sua atribuição e no final das contas o recurso chegando na ponta, o recurso chegando na base e chegando em todas as contas nesse país diverso, imenso e complexo que é o Brasil.
Então, só por isso, essas duas experiências, elas merecem a nossa atenção.
No entanto, eu não sou entusiasta do "vamos esticar a Paulo Gustavo, vamos esticar a Pnab" pra além dos 5 anos que estão aprovados.
Porque são leis emergenciais. Pra mim a reflexão é como esse momento de emergência nos ajuda a aprimorar aquilo que deve ser o permanente, aquilo que deve ser o perene, porque esticar processos emergenciais significa dizer que a qualquer momento a emergência vai acabar, esses processos acabam ficando frágeis do ponto de vista da sua estruturação institucional.
Compartilha com a gente uma recomendação filme em cartaz que vem desse processo de apoio da Apan?
Cara, o país inteiro precisa lotar as salas de cinema para assistir O Dia Que Te Conheci, de André Novaes. Essa é a dica do momento, essa é a dica da semana.
André tem uma cinematografia incrível que encanta todos nós. E mais uma vez, está batendo um bolão nesse filme e a população brasileira merece. Merece a leveza, a simplicidade, a serenidade de O Dia Que Te Conheci.
E seus próximos lançamentos? Pode ser que surja um Ó Pai Ó 3?
Não, eu sou uma pessoa que gosto de experimentar muito, transitar muito e à fila anda. Tô nesse momento finalizando Família de Sorte, mais um longa-metragem que conta um pouco a história de uma família negra também, de maneira graciosa, com leveza, trabalhando um pouco a comédia do cotidiano.
Acredito que no primeiro semestre do próximo ano a gente vai estar curtindo Família de Sorte nas telas do cinema.
Paralelo a isso eu finalizo também o documentário Afrolatinas, 30 anos em movimento, que é um filme muito especial para mim porque a gente se dedica a contar um pouco da trajetória dos 30 anos do movimento de mulheres negras na América Latina, e faz isso a partir de entrevistas com 14 ativistas negras, brasileiras e de alguns países da América Latina que construíram e constroem esse movimento cotidianamente.
É um projeto que é multiplataforma. Então, a gente lançou em julho desse ano, no 25 de julho desse ano, a versão do filme em VR, para os óculos de realidade virtual.
E aí tem sido incrível a recepção da galera e no primeiro semestre do próximo ano a gente lança a versão para a sala de cinema.
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Edição: Nathallia Fonseca