TRÊS POR QUATRO

Eleições em SP: 'Quem não polariza tende a desaparecer', afirma Juliane Furno

Mesmo com empate técnico, Boulos cresce na corrida pela prefeitura de São Paulo diante de divisão de votos conservadores

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Podcast Três por Quatro aborda os últimos passos dos candidatos à prefeitura da maior capital do Brasil - Da esquerda para direita: Pablo Marçal (PRTB), Tabata Amaral (PSB), Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL) e Datena (PSDB) no estúdio da TV Globo, em São Paulo. Crédito: Globo/ Bob Paulino
A eleição em São Paulo seria o terceiro turno da eleição de 2022 e o turno zero da eleição de 2026

A disputa pela prefeitura de São Paulo tem sido marcada pela polarização política que caracteriza o Brasil nos últimos anos. Guilherme Boulos (Psol), Ricardo Nunes (MDB) e Pablo Marçal (PRTB) representam lados opostos desse embate e estão empatados tecnicamente nas pesquisas, evidenciando um cenário acirrado e incerto para o pleito do domingo (6).

Nesta sexta-feira (4), o podcast Três por Quatro, produzido pelo Brasil de Fato, aborda os últimos passos dos candidatos à prefeitura da maior capital do Brasil e explora suas campanhas, propostas e trajetórias políticas.

Josué Medeiros, cientista político e coordenador do Observatório Político e Eleitoral (OPEL), convidado desta semana, reflete sobre a polarização política instalada no Brasil em 2018 pela campanha do ex-presidente Jair Bolsonaro, e reforçada pela vitória de Lula nas urnas no ano de 2022.

Medeiros salienta que as eleições de São Paulo têm potencial para demonstrar como possivelmente serão as próximas eleições presidenciais no Brasil, visto não apenas o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro à campanha de Nunes, mas o comportamento extremista e agressivo de Pablo Marçal e o suporte de Lula ao candidato progressista, Guilherme Boulos.

"A eleição em São Paulo seria o terceiro turno da eleição de 2022 e o turno zero da eleição de 2026. O que acontecer aqui vai reforçar ou construir uma nova tendência", afirma o cientista político.

Além dos comentários de Medeiros, a edição também conta com a participação da comentarista-fixa, professora da Faculdade de Economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Juliane Furno, que debate a reta final da campanha com os jornalistas e apresentadores Igor Carvalho e Nara Lacerda. 

Furno observa o cenário de polarização como um elemento crucial para a politização e afirma: "Esta eleição cumpre o papel de evidenciar que estamos em um período de divisão política, o que favorece a esquerda e o acúmulo de forças. Quem não se posiciona numa sociedade polarizada tende a desaparecer."

A corrida eleitoral na capital paulista conta com Ricardo Nunes, que tenta a reeleição; Pablo Marçal, que, apesar da falta de experiência política atrai eleitores da extrema direita com sua “persona de coach”, como reforça Josué Medeiros; Tabata Amaral (PSB) que tenta angariar votos do centrão paulistano, assim como José Luiz Datena (PSDB) que tentou "um conservadorismo popular" durante toda sua campanha, e por fim Guilherme Boulos, o único candidato de esquerda, apoiado pelo presidente Lula.

Nesse sentido, Medeiros destaca a candidatura do atual prefeito e observa: "Se Nunes quiser ir para o segundo turno, será pela bolsonarização de sua própria figura."

O emedebista enfrenta denúncias que podem comprometer sua campanha, mas conforme avalia o comentarista, ainda se mantém competitivo graças à força da máquina pública. “Nunes tem o apoio da elite política local, mas a corrupção, que foi central em eleições anteriores, perdeu relevância neste pleito”, comenta Medeiros. 

Já Pablo Marçal, com sua estratégia nas redes sociais e discurso anti-sistema, surpreendeu nas pesquisas. Medeiros, porém, pondera: "Apesar do crescimento, Marçal enfrenta alta rejeição, especialmente entre eleitores que veem sua campanha como midiática e inconsistente. Isso pode limitar seu avanço.”

Tabata Amaral, com cerca de 10% das intenções de voto, se mantém estável, e se apresenta como uma alternativa à polarização entre esquerda e direita. Josué Medeiros ressalta que "Tabata tem sido uma voz progressista, mas sem se posicionar de maneira clara, o que a mantém como uma opção para eleitores de centro". 

No entanto, sua candidatura não parece ameaçar as chances de Boulos, que pode captar votos de Tabata no segundo turno, como aponta Furno: "A tendência de voto útil, caso Boulos vá ao segundo turno, é natural e pode fortalecer ainda mais o campo progressista".

A campanha de José Luiz Datena, ao contrário das expectativas, não se consolidou, refletindo a perda de força do PSDB na política paulistana. "A dificuldade de Datena em transformar sua popularidade televisiva em votos expõe o enfraquecimento do partido que já dominou São Paulo", afirma Furno.

Nas pesquisas, há um empate técnico entre os três principais candidatos, mas Boulos tem boas chances de avançar ao segundo turno, especialmente com o apoio de Lula e sua forte presença nas periferias. "Essa disputa é acirrada devido ao desgaste da direita, enquanto Boulos consolida um projeto que dialoga diretamente com as periferias", comenta Juliane Furno.

Embora o cenário mostre um equilíbrio entre os candidatos da direita, Boulos se mantém forte para o segundo turno. "A última vez que a esquerda ficou em terceiro lugar em São Paulo foi em 1985", relembra Medeiros, apontando que o histórico da capital paulistana favorece o campo progressista.

Furno também reflete sobre o impacto da eleição de São Paulo no cenário nacional, relembrando o pleito de 2016, quando a derrota da esquerda na capital antecipou a configuração das eleições presidenciais de 2018. "A eleição municipal de 2016 precipitou o que seria a performance da esquerda em 2018. A eleição de São Paulo serve como um termômetro para medir a situação política do país."

Prefeitura superfaturada

Apesar de ter exercido um mandato menor do que o habitual, o tempo que São Paulo ficou sobre a gestão de Nunes foi mais do que suficiente para evidenciar o motivo pelo qual os "partidos da centro-direita são muito mais denunciados e condenados por esquemas de corrupção do que partidos de esquerda", sublinha Medeiros.

As denúncias de suposto envolvimento com esquemas de corrupção variam desde escândalos de desvio de dinheiro público que deveriam ser investidos na criação e manutenção de creches na capital, passando por compras superfaturadas de armadilhas para mosquito Aedes aegypti, no combate à dengue, que afetou e vitimou mais de mil paulistanos no primeiro semestre de 2024, assim como a compra de garrafas d’água pelo triplo do preço aplicado comumente no mercado.

Para a surpresa de Nunes, além de candidatos de centro e de esquerda, um dos seus principais adversários na corrida pela prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal, também se identifica, endossa e apoia, porém sem a respectiva recíproca, o ex-presidente Jair Bolsonaro. Ou seja, o coach acabou tornando-se uma das principais ameaças à reeleição do candidato emedebista.

Deste modo, quando “Marçal cresce (nas pesquisas) ele não tira votos do Boulos, ele tira do Nunes, já quando o Nunes cresce (nas pesquisas) tira do Marçal, e por aí vai. Eles ficam trocando o eleitorado bolsonarista”, ressalta Medeiros.

Rota com caminho à esquerda

Sendo o único candidato progressista com chance de vitória no pleito paulista, Guilherme Boulos é apontado não apenas como uma esperança para a manutenção da democracia na maior capital da América Latina, mas também como símbolo do renascimento progressista na cidade, onde a última vitória da esquerda ocorreu em 2012.

Medeiros ressalta que, "mesmo com o bolsonarismo dividido, o que temos em São Paulo é uma candidatura de esquerda apoiada pelo presidente Lula, muito bem posicionada, de Guilherme Boulos, e outras duas disputando o campo bolsonarista".

"A gente pode projetar a esquerda no segundo turno" salienta Medeiros enfatizando a força de Guilherme Boulos, principalmente nesta reta final. Em concordância a comentarista complementa que o candidato do Psol "tem bastante voto para migrar", visto que os eleitores de Tabata, no segundo turno, tendem a votar no candidato progressista.

Por fim, Furno alerta sobre a postura da esquerda em momentos de decisão, dado principalmente o nível de polarização política no Brasil, e que as lideranças progressistas foram "muito ingênuas". Apesar da vitória na presidência, não é correto crer que "a eleição do Lula em 2022 conseguiria cumprir um papel de apaziguar a partir de uma tentativa de política paz e amor 2.0.", reforça. 

Novos episódios do Três por Quatro são lançados toda sexta-feira pela manhã, discutindo os principais acontecimentos e a conjuntura política do país e do mundo.


 

Edição: Nathallia Fonseca