'Pedimos respeito'

Indígenas Guarani Mbya protestam na Prefeitura de São Paulo exigindo educação diferenciada

Na TI Tenondé Porã vivem cerca de 2 mil pessoas em 11 aldeias, mas só duas têm Centros de Educação e Cultura Indígena

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Os Guarani Mbya se deslocaram em quatro ônibus do extremo Sul de São Paulo até a região central para fazer a manifestação - Gabriela Moncau

Cerca de 200 indígenas do povo Guarani Mbya da Terra Indígena (TI) Tenondé Porã foram até a porta da Prefeitura de São Paulo, sob gestão de Ricardo Nunes (MBD), em um protesto por atendimento diferenciado e melhorias nos Centros de Educação e Cultura Indígena (Cecis).  

Inicialmente dividindo o espaço com outros dois atos - de trabalhadores da cultura e da saúde -, os Guarani se posicionaram em frente às grades que separam a população do prédio da prefeitura, no centro da capital paulista. Ao som dos cantos tradicionais e entre as fumaças sopradas do petyngua, cachimbo Guarani, os indígenas esticaram suas faixas no Viaduto do Chá.  

Moradores da Tenondé Porã, localizada na região de Parelheiros, extremo Sul da cidade, os manifestantes afirmam que, apesar de terem sido instituídos há duas décadas pelo Decreto n.º 44.389, os Cecis estão sendo negligenciados pela administração municipal.   

Karai Tataendy vive na aldeia Kalipety, uma das 11 que compõem a terra indígena, e afirma que lá não há Ceci e nem atendimento educacional diferenciado para as crianças. Na TI, o equipamento está em apenas duas aldeias.  

"Pedimos que a educação infantil seja levada para o nosso território de acordo com a nossa realidade, respeitando a nossa cultura e diversidade. Não precisamos que tenha um Ceci em cada aldeia, mas que a prefeitura invista orçamento o suficiente para que as aldeias que não têm Cecis sejam atendidas", explica Karai Tataendy, também chamado de Tiago Honório, em português. 


Atualmente cerca de 200 crianças da TI Tenondé Porã estão matriculadas nos Cecis / Gabriela Moncau

"A gente quer que as crianças sejam livres nas aldeias. E a secretaria enxerga aquilo como se fosse creche tradicional, onde as crianças ficam na sala, tem hora de dormir. São coisas que não tem na nossa cultura, não tem muito isso de deixar a criança na sala. A gente vive ensinando as crianças ao ar livre, é o que fortalece a nossa vida", explica Valdelice Martins, liderança da aldeia Tenondé Porã. 

O ato acontece dois dias antes da eleição para a prefeitura, cujas pesquisas de intenção de voto revelam um cenário acirrado entre Nunes, que tenta se reeleger, Guilherme Boulos (Psol) e Pablo Marçal (PRTB). Os Guarani reivindicam que todos os candidatos assinem uma carta se comprometendo com os direitos indígenas à educação.   

No documento, a comunidade da TI Tenondé Porã demanda que os políticos reconheçam que a existência de atendimento de educação infantil em apenas duas das 11 aldeias que compõem o território viola a legislação.   

"A gente tem o pensamento de que independente de quem entra [para assumir o cargo de prefeito], tem que fazer valer esse direito nosso", ressalta Karai Tataendy. 

"As comunidades lutam para que o direito à educação escolar diferenciada seja garantido da melhor forma, fortalecendo os modos de vida tradicionais e a ocupação territorial, desenvolvendo ações e atividades voltadas ao plantio, a pesca, a culinária, o artesanato, danças, brincadeiras e o manejo da mata, em busca de uma educação diferenciada e de qualidade, como é assegurado pela Constituição Federal e pela legislação da Educação Escolar Indígena", defende nota escrita pela comunidade.   

Consulta prévia 

Os Guarani Mbya afirmam, ainda, que a última Instrução Normativa regulamentando o funcionamento dos Cecis, publicada pela Secretaria Municipal de Educação em maio de 2024, foi feita sem que os indígenas tenham sido consultados. 

"Eles [prefeitura] falam que houve consulta prévia porque tem um grupo de trabalho, mas não é um espaço que a gente se sente à vontade. Eles criam caminhos, mas são todos de cima para baixo", critica Karai Tataendy.  

"A gente não participou da elaboração desta Instrução Normativa, eles falam que teve consulta, mas não é verdade", garante Kerexu Mirin, liderança da aldeia Krukutu.  

"Eles disseram que vão diminuir os funcionários dos Cecis, é o contrário do que precisamos. Querem que as crianças se desloquem das retomadas até onde tem o equipamento, mas é longe, não tem condições", argumenta Kerexu, ilustrando que de uma das aldeias de Marsilac até o Ceci leva cerca de 40 minutos de carro. "Precisamos das atividades dentro das próprias aldeias", reivindica.  

"A gente veio aqui pedir respeito", resume Valdelice Martins. "Pedir que a prefeitura respeite a nossa cultura e o nosso modo de viver nas aldeias", completa. 

Prefeitura chama reivindicação de "ação política"

Ao Brasil de Fato, a Secretaria Municipal de Educação (SME) da gestão Nunes diz que "lamenta e repudia que, às vésperas da eleição, a educação escolar indígena seja objeto de ação política".  

"Desde o início de 2023, a SME dialoga com lideranças da TI Tenondé Porã por meio de grupo de trabalho administrativo e de mediação com o Tribunal Regional Federal. Mais de 10 reuniões foram realizadas, além de visitas mensais aos equipamentos educacionais", informou a pasta, chefiada pelo secretário Fernando Padula Novaes. 

"Houve consulta pública entre os dias 8 e 22 de abril de 2024 no site oficial do 'Participe+' para a Normativa n.º 16, que reestruturou e qualificou o atendimento escolar indígena", diz a prefeitura.  

"Cerca de R$ 535 mil, sem utilização, estão atualmente nas contas dos equipamentos da TI Tenondé Porã para serem aplicados em melhorias nas unidades pela comunidade", informou a Secretaria Municipal de Educação. 

Por conta do protesto, uma reunião entre lideranças indígenas e representantes da prefeitura foi marcada para a próxima quinta-feira (10). 

Edição: Martina Medina