A Assembleia Nacional da Venezuela realizou nesta quinta-feira (3) uma reunião entre diferentes partidos políticos com o objetivo de revisar as leis eleitorais para “garantir a paz e a estabilidade no país”. O encontro faz parte do que o governo chamou de “grande diálogo nacional”, anunciado pelo presidente Nicolás Maduro mesmo antes das eleições.
Segundo o presidente do Parlamento, Jorge Rodríguez, serão criadas três comissões de trabalho que permitirão analisar e estudar o conjunto de leis que organizam as eleições na Venezuela. Também serão revisados os regulamentos relativos a convocação de referendos e o papel da Sala Eleitoral e da Sala Constitucional do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ). Os dois órgãos são responsáveis por apurar casos relacionados ao pleito e às irregularidades de pessoas que ocupam cargos públicos.
Rodríguez afirmou que a revisão tem como objetivo “ajustar as leis aos novos tempos” e fazer valer o artigo 130 da Constituição, que determina que os venezuelanos têm o dever de honrar e defender a pátria, seus símbolos e valores culturais.
“Precisamos ter uma nova correlação de leis e forças com base nas últimas movimentações de violência. Um país que é descuidado por seus próprios habitantes corre o risco de sofrer estremecimentos perigosos. O que começa com uma posição política pode terminar como um abalo para a sustentabilidade da sociedade”, afirmou.
Para o presidente da Assembleia, o governo foi um pouco “relapso” em conter movimentações que ele considera perigosas para o Estado venezuelano. Rodríguez lembrou dos atos violentos organizados logo depois das eleições em 28 de julho, que terminaram com 27 mortos, 192 feridos e 2.229 presos segundo o governo.
“Vimos a emergência de formas extremas de ação política que custou a vida de 27 venezuelanos depois das eleições e precisam ser atendidas. É impensável que em outros países seja aceito que um deputado peça a ingerência de fatores políticos externos sobre dinâmicas que correspondem só a um país. Na Venezuela acho que fomos um pouco relapsos em relação a isso e deixamos passar coisas que são muito perigosas”, disse.
Extrema direita não comparece
O grupo liderado pela ex-deputada ultraliberal María Corina Machado não participou do diálogo. Mesmo convidados, Machado e o ex-candidato da Plataforma Unitária, Edmundo González Urrutia, assinaram uma carta afirmando que a conversa era uma “propaganda” e dizendo que o problema não é a revisão das leis eleitorais, e sim o cumprimento delas.
No documento, essa ala da oposição pede que seja feita uma “transição democrática, pacífica e ordenada” de poder para que “faça valer a vontade popular de 28 de julho”. Outros grupos opositores participaram do diálogo, como a Aliança Lapiz e o tradicional Ação Democrática. Eles também tiveram candidatos no pleito e participaram do processo de judicialização das eleições.
Assim como outros integrantes da extrema direita venezuelana, González Urrutia não está mais no país. Ele deixou a Venezuela depois de perder as eleições para Nicolás Maduro. O ex-embaixador pediu asilo político na Espanha e viajou para o país depois que o governo venezuelano concedeu salvo conduto para a saída do ex-candidato.
Em setembro, a Justiça da Venezuela emitiu um mandado de prisão contra Edmundo González Urrutia. Ele é investigado pela publicação de supostas atas eleitorais que teriam sido recolhidas no dia das eleições presidenciais e, posteriormente, utilizadas pela coalizão de extrema direita para não reconhecer os resultados eleitorais divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
Atas na OEA?
Na quarta-feira (2), Jennie Lincoln, funcionária do Centro Carter, disse ter apresentado as “cópias originais das atas” à Organização dos Estados Americanos (OEA). As supostas cópias das atas foram recolhidas pela oposição durante as eleições. Segundo o grupo de extrema direita, foram recolhidas 83% das atas de todos o país e a soma desse resultado daria a vitória a Edmundo González Urrutia.
“Essas atas são elementos-chave, acabei de receber os originais. São atas originais da Venezuela , que possuem um código QR”, afirmou Lincoln. Ela, no entanto, ainda não apresentou as atas de maneira pública.
O processo eleitoral venezuelano passou por uma disputa judicial. A oposição contestou a eleição de Nicolás Maduro para um terceiro mandato. Isso somado à denúncia de um ataque hacker pelo CNE, levaram Maduro a pedir uma investigação na Justiça. O órgão eleitoral atrasou a divulgação dos resultados detalhados alegando que houve um ataque hacker contra o sistema eleitoral. O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) investigou os supostos ataques, recolheu todo o material eleitoral do órgão e ouviu nove dos 10 candidatos que disputaram o pleito.
O opositor Edmundo González Urrutia não só não compareceu como também não entregou as atas que seu grupo disse ter recolhido.
Os opositores de Maduro divulgaram em dois sites uma suposta lista das atas eleitorais. Em um deles, o usuário digitava o seu documento de identidade e aparecia supostamente a ata eleitoral da mesa que aquele usuário votou. No outro, havia um compilado com os dados de todas as atas que a oposição afirmava ter. Mas eles não publicaram a relação completa das atas na Justiça venezuelana e nem entraram com processo pedindo a revisão ou a impugnação dos resultados eleitorais.
Depois do processo movido por Maduro, a Justiça convocou todos os candidatos para prestarem esclarecimento sobre as eleições do país. Edmundo González Urrutia mais uma vez não se apresentou ao TSJ e enviou como representante o governador de Zulia, Manuel Rosales. Em discurso depois da seção, Rosales disse que a oposição "não precisa entregar nada" e exigiu a entrega das atas eleitorais pelo CNE.
Nesse meio tempo, o candidato derrotado nas eleições publicou nota nas redes sociais pedindo que militares do país "desobedeçam ordens" e "respeitem o resultado das eleições". No texto, Edmundo González autoproclama presidente da Venezuela. A Justiça validou o resultado do pleito.
Edição: Lucas Estanislau