A jornalista Cristina Graeml começou a eleição batalhando para ser candidata. Primeiro, ela enfrentou resistência dentro de seu partido, o PMB, depois lutou para participar dos debates. E foi no último, em seu antigo emprego na RPC, que a insistência deu resultado. Conhecida no público, com um discurso conservador e de extrema direita, tirou do baú os antigos medos dos curitibanos com a esquerda, espalhou fake news de que Greca é amigo de Lula e sobre cartilhas com doutrinação de gênero, catapultando sua vaga no segundo turno.
A ascensão de Cristina não foi prevista pela oposição de Ducci (PSB), nem pelo pupilo de Greca e Ratinho Junior, Eduardo Pimentel, outro candidato no segundo turno. Em uma disputa que se concentrou em temas locais como transporte, multas de radares, clima, filas na saúde e vagas em creche, Cristina construiu uma forte rede no Whatsapp, com grupos segmentados por temas, e no Instagram, onde tem 640 mil seguidores.
Pimentel, seu adversário, por exemplo, tem apenas 69,3 mil seguidores. E mais uma grande diferença: enquanto o vice-prefeito supostamente usa robôs e comissionados para impulsionar comentários e compartilhamentos, já Cristina tem seguidores engajados e reais. O vídeo de “apoio oficial” de Jair Bolsonaro a Pimentel tem 74 mil visualizações e 3,4 mil curtidas. Ele foi postado em 28 de setembro.
Já o vídeo de “apoio paralelo” do ex-presidente a Cristina postado no sábado de eleição tem 231 mil visualizações e 31,6 mil curtidas.
Ex presidente Bolsonaro grava vídeo para a candidata Cristina Graeml que concorre o segundo turno nas eleições à Prefeitura de Curitiba / Reprodução Internet Cristina Graeml
Além disso, Cristina deu muitas entrevistas para canais de comunicação de fora do Paraná e de Curitiba, no Youtube, que estão totalmente alinhados à pauta extremista. É assim que gerava “cortes” para suas redes e grupos sociais. Enfim, ela conseguia furar a bolha da invisibilidade eleitoral e nacionalizar a eleição.
“Eduardo devia ter envergonhado de pedir dinheiro aos servidores para uma campanha riquíssima, de R$ 12 milhões. Ninguém agiu sozinho. Tinha mais gente envolvida”, Cristina criticou Pimentel no debate da RPC.
Não foi apenas o fator Bolsonaro que Cristina teve como trunfo nesta eleição. O presidente, cujo vice de Pimentel é de seu partido (Paulo Martins), nunca esteve confortável na aliança construída pelo governador Ratinho Junior (PSD). Ainda mais porque Greca, o padrinho político de Pimentel, chamou o ex-presidente de capeta, nos casos da Vacina, dizendo que era aliado do ex-governador de São Paulo, João Dória. Talvez por isso, Messias viu em Cristina uma “apóstola de seu legado” e declarou seu apoio. Outro trunfo de Graeml foi o apoio do então ascendente Pablo Marçal. Ela foi à São Paulo gravar um vídeo para dizer que ambos são “anti sistema”. 231 mil visualizações e 17,1 mil curtidas. O palanque virtual dela estava formado com os dois dos principais cabos eleitorais da eleição.
A mulher sem propostas para mulheres
E quem é Cristina Graeml? É a mulher que chegou ao segundo turno sem propostas para os problemas de Curitiba. Filiada ao Partido da Mulher Brasileira (PMB), o Plano de Governo dela simplesmente não cita “mulher” ou família. Plano este que ela, em entrevistas e debates que participou, diz ter sido elaborado ouvindo diversas pessoas que mandaram contribuições por formulários. As propostas foram compiladas pelo seu vice, Jairo Filho, suspeito de aplicar golpes em uma velinha.
Cristina, além de não citar mulheres em seu programa de governo, ainda deixou em aberto que pode perseguir aquelas que recorrem ao aborto. Ela defende “políticas de saúde e sociais que protejam tanto as mães quanto os filhos desde a sua concepção serão priorizadas, demonstrando o valor da vida e o renovo da esperança. A defesa da vida estará no centro de nossas ações”, diz.
Em junho deste ano, quando o assunto estava em alta, a jornalista disse que fetos com 22 semanas possuem grandes chances de nascerem com vida caso haja uma indução do parto. “Os médicos dizem que matar bebês com 22 semanas de gestação é equiparável ao homicídio”, disse ao defender o PL 1904/2024.
A candidata do PMB ainda ataca a diversidade. Para crescer na eleição e associar Pimentel em Greca a pautas subversivas, apresentou livros que seriam entregues às criancinhas sobre aceitação de gênero e pauta LGBTQIA+.
Na educação, a sua principal proposta é levar “empreendedorismo e gestão financeira” para as escolas. Detalhes, estamos falando de crianças de 0 a 5 anos na educação infantil e de 6 a 14 anos no ensino fundamental. Além disso, ela disse que os professores sofrem de transtornos mentais.
Na saúde, propõe buscar “soluções inovadoras, no uso intensivo de tecnologia, na valorização dos profissionais de saúde e na ampliação e modernização da infraestrutura. Nosso objetivo é criar um sistema de saúde que não apenas atenda às necessidades atuais da população, mas que seja capaz de antecipar e responder aos desafios futuros”. Parece interessante? Pois é, mas estamos falando da candidata que criticou a vacinação obrigatória e defende Bolsonaro e a história de que a vacina “transforma pessoas em jacarés”.
“Direito à Vida Desde a Concepção: Políticas de saúde e sociais que protejam tanto as mães quanto os filhos desde a sua concepção serão priorizadas, demonstrando o valor da vida e o renovo da esperança. A defesa da vida estará no centro de nossas ações”, Plano de Governo de Cristina Graeml.
No debate da RPC, Cristina chamou todos os adversários de esquerdistas ou candidatos do “Sistema”. / Denis Ferreira Neto
Chances de vitória
Independente das propostas, Cristina, que se comunica muito melhor do que o treinado Pimentel, deve ir para cima do adversário, desacostumado a ser pressionado. O foco são os eleitores de direita e extrema direita. Ainda mais se os eleitores de esquerda optarem por não votar em nenhum dos candidatos. E se ela souber aproveitar os problemas reais da cidade, conforme o imaginário local, como radares, transporte, impostos, pode levar a eleição sim.