O ex-presidente da Bolívia Evo Morales vai depor ao Ministério Público nesta quinta-feira (10) em um julgamento que investiga o ex-mandatário por “estupro e tráfico de pessoas”. Ele é acusado de manter relações com uma menina de 15 anos em 2015, quando ainda era presidente. De acordo com a acusação, ele teria tido uma filha com a adolescente em 2016.
O responsável pela denúncia foi o procurador-geral, Juan Lanchipa. Além do ex-presidente, os pais da jovem também vão prestar depoimento. Morales ainda foi acusado pelo ministro da Justiça, César Siles, de criar uma rede de jovens de 14 a 15 anos para ter a sua disposição enquanto era presidente. O ministro disse que esse grupo seria chamado de “Geração Evo”. Os pais da jovem também estariam sendo investigados porque supostamente receberam dinheiro ao entregá-la ao ex-presidente em troca de favores.
O caso foi aberto pela procuradora do Estado de Tarija, Sandra Gutiérrez em 26 de setembro, 3 dias depois de Evo organizar uma marcha que pedia a renúncia de ministros “corruptos”. Ela determinou uma ordem de captura contra o ex-presidente. A medida foi anulada por uma juíza da cidade de Santa Cruz de la Sierra, que deu um recurso em favor de Morales depois de um pedido da defesa do ex-presidente.
Em 2 de outubro, Sandra Gutiérrez chegou a ser afastada das suas funções por Lanchipa por querer executar uma ordem de captura contra Evo, mas uma ação judicial autorizou que ela retornasse ao cargo.
Morales foi presidente da Bolívia de 2006 a 2019. Ele disse que a tentativa de prendê-lo vem da “traição” e comparou seu caso com a prisão de Lula no Brasil e com a condenação da ex-presidente da Argentina, Cristina Kirchner. Segundo ele, a denúncia é uma “outra mentira” com o objetivo de tirá-lo do processo eleitoral de 2025.
“Lawfare é o novo Plano Condor: já não matam com balas, agora promovem assassinatos morais através de sentenças contra líderes populares. Assim como aconteceu com Lula e Cristina [Kirchner], eles vão procurar proibir a nossa participação nos próximos processos eleitorais para abrir caminho a governos de direita. Assim como aconteceu com o irmão Rafael Correa, essa ação vem da traição”, disse Evo em sua conta no X (ex-Twitter).
Ele afirmou que já havia sido investigado pelo mesmo caso em 2020, durante o governo interino da ex-deputada Jeanine Añez e que “não foi provado nada”. Durante o mandato da deputada de extrema direita, foram abertos 29 processos contra Evo Morales incluindo acusações de genocídio, terrorismo, estupro e assassinato. Ele deixou o país e se exilou na Argentina até 2020 e retornou um dia depois da posse de Luis Arce, que havia sido ministro da Economia de Evo.
Morales criticou tanto Áñez como a “perseguição” que sofre no governo de Luís Arce. Segundo ele, “não há diferença” entre a gestão da ex-deputada e do atual mandatário, que usam as mesmas armas para persegui-lo.
“Antes era de narcotraficante, assassino, terrorista. O governo de Áñez investigou corrupção e não encontrou nada. Lamentavelmente, o governo de Lucho Arce investiga o tema da corrupção e especialmente do narcotráfico, (mas) como nenhum tema de corrupção e narcotráfico se encontra agora em todos os processos. É uma perseguição permanente”.
De acordo com a legislação boliviana, caso Morales seja considerado culpado ele teria uma pena máxima de 20 anos de prisão porque a lei do país determina que não podem ser acumuladas penas por diferentes delitos. Por isso, seria considerada apenas a condenação mais grave, nesse caso, tráfico de pessoas.
Caso ele não se apresente ao MP, a Justiça pode determinar uma ordem de captura para que Morales deponha. Se entender que há elementos suficientes contra o ex-presidente, o Ministério Público pode pedir a prisão preventiva até que termine o julgamento.
A medida contra Evo também foi vista com “preocupação” pelo Grupo de Puebla, articulação política regional que reúne importantes lideranças progressistas da América Latina. Em comunicado, o grupo disse que há uma “campanha de lawfare” contra o ex-presidente boliviano.
“Apesar de todos os esforços de mediação realizados por um grupo de colegas do Grupo de Puebla entre o ex-presidente Evo Morales e o presidente Luis Arce, suas diferenças legítimas parecem agora ser transferidas para os tribunais judiciais”, afirmou em nota.
Disputa com Luis Arce
Evo chamou de traição a rel ação com o atual presidente Luis Arce. O ex-presidente se tornou o principal opositor do atual governo depois de voltar do exílio na Argentina. Morales começou a criticar algumas decisões de Arce e seus apoiadores e começou a disputar espaço pela candidatura do Movimento Al Socialismo (MAS) nas eleições presidenciais de 2025.
O estopim da desavença, na corrida pela liderança do MAS, se deu em outubro de 2023, quando Morales organizou um congresso em Lauca Eñe, no distrito de Cochabamba. A região é berço político e reduto eleitoral do ex-presidente. No evento, ele chamou os apoiadores de Luis Arce de “traidores”.
Agora, a corrida pela candidatura nas presidenciais está permeada por uma decisão da Justiça boliviana. O Tribunal Constitucional Plurinacional da Bolívia decretou em dezembro de 2023 que presidentes e vice-presidentes só poderiam exercer o cargo por dois mandatos, de forma seguida ou não.
Essa era uma lacuna que já existia na Constituição boliviana. Antes, a Carta Magna afirmava que o presidente não poderia exercer o cargo por mais de dois mandatos, mas não especificava se eram seguidos ou não. Com a sentença judicial 1010, Evo Morales, que foi presidente por quatro mandatos, não poderia voltar ao poder.
No entanto, um novo Tribunal Constitucional será eleito em dezembro. Os apoiadores de Evo consideram que, com novos juízes, essa norma poderia cair e Evo poderia voltar a ser candidato em 2025.
Edição: Rodrigo Durão Coelho