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Boulos x Nunes: 'Quem nos levou para o segundo turno foi a periferia', diz presidenta do Psol

Paula Coradi faz análise do desempenho do partido no primeiro turno e avalia derrota de Edmílson Rodrigues em Belém

Ouça o áudio:

Coradi comanda a sigla de esquerda em seu momento mais importante, na disputa eleitoral pela capital paulista - Psol/Divulgação
Tentaram criar uma narrativa de que a gente não teria votos na periferia

Desde o início dos levantamentos pré-eleitorais, institutos de pesquisas e cientistas políticos apontavam que Guilherme Boulos (Psol), candidato à prefeitura de São Paulo, teria dificuldades para angariar os votos das periferias da cidade. A votação do 1º turno na capital paulista, no entanto, revelou outro cenário.

Foram as periferias da cidade, principalmente nas zonas leste e oeste da cidade que garantiram ao candidato psolista um lugar no segundo turno da disputa do próximo 27 de outubro. A presidenta do Psol, Paula Coradi, explica que tentou-se "criar uma narrativa de que não havia votos do partido na periferia".

"Essa narrativa caiu por terra. Se hoje estamos no segundo turno, muito se deve à periferia. Eu não sei te dizer se as pesquisas erraram ou não, porque pesquisa é um dado, ela mostra um indicativo", conta Coradi. 

O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), saiu vencedor na zona sul da cidade. E é nesta região que a campanha do psolista deverá concentrar os esforços nas próximas três semanas.

"A gente tem a Marta Suplicy como vice, que é uma figura de muita representatividade e expressão na zona sul de São Paulo. Esse dado é muito importante: quem nos levou para o segundo turno foi principalmente a periferia de São Paulo", diz Coradi.

A presidenta do Psol é a convidada desta semana no BdF Entrevista. Na conversa, Coradi faz análises da disputa no primeiro turno, aponta projeções para a segunda rodada das eleições em todo o país e comenta a derrota de Edmílson Rodrigues (Psol) em Belém.

O atual prefeito da capital paraense ficou de fora do segundo turno, que terá a disputa entre Igor Normando (MDB) e o deputado bolsonarista Éder Mauro (PL). "A reeleição do Edmilson Rodrigues era uma prioridade nacional. Nós lutamos muito para que a gente pudesse conquistar essa vitória em Belém", conta a presidenta do Psol. 

"Nós pegamos uma cidade completamente destruída pelos anos do Zenaldo [Castilho] (PSDB) na prefeitura, durante oito anos. Nos elegemos no contexto do [Jair] Bolsonaro sendo presidente do Brasil, em uma cidade em que o repasse federal é extremamente importante por ser uma cidade com baixa arrecadação. Durante os dois primeiros anos, sofremos um boicote intenso do governo federal, porque nós éramos a única capital governada pela esquerda em todo o Brasil", completa Coradi.

Confira alguns trechos da entrevista (a íntegra, você pode conferir no vídeo acima): 

Brasil de Fato: Queria começar nosso papo falando sobre o desempenho do Psol nas prefeituras. O partido não conseguiu eleger nenhum prefeito nesse primeiro turno, mas teve votações importantes, expressivas. Qual o balanço desse primeiro turno das eleições municipais?

Paula Coradi: Bem, nós disputamos com muito protagonismo várias cidades brasileiras, nós ampliamos a nossa votação, embora não tenhamos elegido, mas a nossa votação aumentou em diversos lugares. Eu acredito que a nossa presença, dada a conjuntura política geral que nós vimos no Brasil, de um crescimento grande do campo da centro direita, principalmente do chamado centrão, acredito que a gente se saiu muito bem. 

O Psol acabou perdendo a prefeitura de Belém, que era muito importante para o partido. O que que aconteceu por lá, Paula? Como essa derrota do Edmilson afeta os planos do partido? 

Para nós, a reeleição do Edmilson Rodrigues era uma prioridade nacional. Nós lutamos muito para que a gente pudesse conquistar essa vitória em Belém. Infelizmente não alcançamos e acredito que isso se dá por uma série de fatores. O primeiro é que nós pegamos uma cidade completamente destruída pelos anos do Zenaldo [Castilho] (PSDB) na prefeitura, durante oito anos. É um governo do PSDB que simplesmente destruiu a cidade de Belém. 

Nós nos elegemos no contexto do [Jair] Bolsonaro sendo presidente do Brasil, em uma cidade em que o repasse federal é extremamente importante por ser uma cidade com baixa arrecadação. Então, durante os dois primeiros anos nós sofremos um boicote intenso do governo federal, porque nós éramos a única capital governada pela esquerda em todo o Brasil. 

Também enfrentamos a pandemia e embora estivéssemos numa cidade com baixa arrecadação, com dificuldades orçamentárias, nós enfrentamos a pandemia de uma forma em que garantimos que todas as pessoas tivessem atendimento. É só comparar com a cidade de Manaus, a tragédia que foi, e isso não ocorreu em Belém.

Outro fator que nós enfrentamos foi a máfia do lixo na cidade de Belém, que nos custou muito politicamente. Em Belém se faziam contratos emergenciais todos os anos com as empresas de lixo que atuavam na cidade e nós resolvemos enfrentar, porque quando se faz contrato emergencial, não tem licitação. Então, os valores eram muito mais altos. A partir do momento que nós optamos por regularizar, por abrir licitação, para que houvesse mais transparência na nossa gestão, nós enfrentamos um boicote enorme que teve um custo político para nós muito alto.

Mas quero destacar aqui que, apesar da nossa derrota, a gente tem muita certeza de que nós deixamos um legado para a cidade de Belém. Junto com o presidente Lula nós levamos a COP30 para Belém, reformamos muitas escolas, fizemos muitos postos de saúde, recuperamos diversos prédios públicos. Só que todos esses investimentos, em especial o mercado de São Brás, chegou já na gestão do Lula, que são os dois últimos anos. Infelizmente não deu para ter essa sensação de melhora. 

Aqui em São Paulo, o Guilherme Boulos vai disputar o segundo turno com o atual prefeito Ricardo Nunes. Foi a votação mais apertada desde a redemocratização do Brasil, com uma diferença de 0,41 pontos. Era esse o cenário que o partido previa? 

A gente previa que essas eleições em São Paulo seriam muito apertadas. Isso já estava no nosso horizonte há algum tempo. Lógico que a gente não esperava o fenômeno Pablo Marçal, que foi uma grande novidade nas eleições. E, de fato, a nossa diferença para o Nunes hoje é de 30 mil votos, considerando um colégio eleitoral de 8 milhões de pessoas, é praticamente insignificante. 

Foi um primeiro turno muito difícil, muito tumultuado por um homem extremamente violento, agressivo, sem o menor pudor, que faltando dois dias para as eleições, a gente teve que enfrentar uma fake news promovida por ele, de um laudo médico falso. Mas o mais importante são duas coisas: primeiro, nós derrotamos esse bolsonarismo raiz, esse bolsonarismo impregnado de ódio, de intolerância; e a outra é que a cidade de São Paulo votou pela mudança. 

A gente sabe que, embora tenha sido um resultado apertado, é um resultado também que demonstra que os paulistanos e as pessoas que vivem aqui em São Paulo querem a mudança. Vou dar um depoimento pessoal: eu moro aqui há 6 anos, vim em 2018, justamente para trabalhar na campanha [à presidência] do Guilherme Boulos e da Sônia Guajajara. De lá para cá a cidade piorou de uma forma estrondosa, tem 80 mil pessoas vivendo nas ruas, a cidade completamente abandonada, sem prefeito. 

Então, eu acredito que nesse segundo turno, embora o Nunes tenha obtido essa pequena vantagem, a gente tem condições de correr atrás dos votos, porque está muito nítido que do jeito que está o paulistano e as pessoas que vivem em São Paulo, não topam. E a gente vai correr atrás desses votos para garantir a nossa vitória. 

A campanha, em São Paulo, teve pouco espaço para o debate de ideias, de projetos. Acabou que isso ficou em segundo plano e sobressaiu a violência política, com fatos absurdos, como uma cadeirada de um candidato no outro. Você acha que o segundo turno tende a alterar esse cenário e abrir espaço para o debate de ideias e projetos?

A nossa expectativa, e a forma como nós vamos encarar essa campanha, é justamente essa. A gente enfrentou um primeiro turno em que não houve debate político, não houve um debate sobre as propostas da cidade devido à presença do Pablo Marçal, que atacou de forma covarde todos os outros candidatos. Teve uma cadeirada, teve um soco de um assessor em outro, um crime eleitoral gravíssimo, que foi esse laudo médico falso que ele publicou nas suas redes dias antes da eleição.

Agora a gente espera fazer um debate sobre programa, sobre propostas e, sobretudo sobre trajetórias. A gente quer dizer de onde vem o Nunes, de onde vem o Guilherme Boulos. Esse debate de trajetória para nós é essencial, é fundamental, porque a gente acredita que a nossa candidatura tem muito mais força e muito mais expressão nesses três quesitos. 

A entrada do Marçal na eleição em São Paulo dividiu a direita. Passadas algumas horas, já deu para entender o que foi esse fenômeno na campanha paulistana? 

Eu acredito que o Marçal é resultado de uma divisão da direita, principalmente da extrema direita. Olhando o cenário, antes da divulgação do resultado de ontem, a gente tinha o Valdemar da Costa Neto, o próprio Tarcísio [de Freitas], apoiando Ricardo Nunes e de outro lado, o Marçal sendo apoiado por outras figuras do bolsonarismo, como Marcos Feliciano, como o próprio Ricardo Salles. 

Isso demonstrou uma fratura e uma disputa de rumos dentro do próprio bolsonarismo ou da extrema direita. Eu acho que um dos indicativos políticos que esse processo eleitoral no primeiro turno nos trouxe é que a extrema direita não é mais hegemonizada pelo bolsonarismo, que existe uma disputa de protagonismo, uma disputa entre suas figuras públicas, de rumos e projetos no país. 

O Nunes teve mais votos na zona sul, enquanto o Boulos teve mais votos no centro, na zona oeste e na zona leste. É possível buscar esses votos da zona sul? Qual a estratégia que o Psol está traçando? 

A gente acredita que sim. A gente tem a Marta Suplicy como vice, que é uma figura de muita representatividade e expressão na zona sul de São Paulo. Um dado muito importante é que quem nos levou para o segundo turno foi principalmente a periferia de São Paulo. Quando você fala da zona leste, a gente vê o Pablo Marçal hegemonizando o começo da zona leste, naquela região do Tatuapé. 

E a Cidade Tiradentes nos deu a vitória, assim como também parte da zona oeste da cidade e uma parte da zona sul também, que nos consolidou e nos levou para o segundo turno. Então, a gente sabe que vai ser uma eleição dura, difícil, mas que é totalmente possível reverter esses votos. 

Os dados de pesquisas que saíram no primeiro turno demonstram o quanto o voto do Nunes é volátil. O voto do Nunes é pouco consolidado, então pode ter uma migração muito intensa dos votos dele. Eu acredito que a gente consegue ultrapassá-lo e ganhar as eleições nesse cenário por conta dessa volatilidade do voto dele. 

Inclusive, as pesquisas que você citou apontavam que o Guilherme Boulos não tinha tanta força assim na periferia e, sim, no centro da capital. As pesquisas erraram, ou elas não têm a capacidade de captar todos as variações de votos? 

Eu acredito também que tentaram criar uma narrativa de que a gente não teria votos na periferia, e essa narrativa caiu por terra. Então, se hoje estamos no segundo turno, muito se deve à periferia. Eu não sei te dizer se as pesquisas erraram ou não, porque pesquisa é um dado, ela mostra um indicativo. 

Se a gente for pegar as pesquisas dos últimos dias…tem institutos vendidos, isso a gente sabe. Tem gente que vende pesquisa e que tenta enganar. Eu fico imaginando os institutos do Pablo Marçal que disseram que ele ia vencer no primeiro turno, que tipo de instituto era esse que ele contratou. 

Mas eu acho que existem institutos sérios e as pesquisas mostram tendências, e a maioria delas mostraram tendências em que nós estaríamos no segundo turno, em que o Nunes estava não em queda, mas numa tendência de queda, e que havia uma tendência de crescimento do Marçal, e tudo isso se confirmou. 

Edição: Thalita Pires