Uau, nós somos muitas. Eu não sou eu somente, eu sou muitas
Falar de violência doméstica de gênero e como movimentar os próprios corpos em direção à saúde, ao autocuidado e à qualidade de vida coletiva para o enfrentamento dessas violências. Essa é uma das possibilidades do podcast Eu Sou Muitas, lançado em 17 de setembro pela artista-clínica e professora Karlla Girotto, com realização do Centro Cultural São Paulo (CCSP).
Idealizado por Karlla, o projeto surgiu há dez anos, a partir das reflexões dela sobre a própria vida, os relacionamentos, o machismo, as violências doméstica e de gênero. "Ele nasce em 2014, quando eu compro um livrinho, muito pequenininho, livrinho de férias, para ler nas férias. E aí eu fiquei muda. Eu terminei o livrinho no avião, fiquei muda, em silêncio, depois eu chorei. Eu li cinco vezes esse livro, esqueci dos outros. Quando voltei para minha casa, eu fiquei muito pensativo, 'o que é que tinha ali?'", reflete Karlla.
O livro mencionado é uma adaptação do texto A dama do mar, do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen, do final do século XIX, feita pela escritora branca estadunidense Susan Sontag, uma mulher lésbica. "Quando eu começo a pensar o que tem naquele texto, o que tem naquele livro, e por que me tocou tanto, eu demoro para entender que está falando de uma relação violenta e abusiva, heteroafetiva. Porque era um homem, uma mulher, e uma relação abusiva e violenta", relembra ela, que estava recém-saída de uma relação dessa natureza.
"Tem uma história pessoal muito envolvida aqui, que é a minha própria, e eu comecei a entender que eu precisava falar publicamente sobre essa relação. Porque uma mulher, quando passa por uma relação dessa, ela sai, além de violentada e subjetivamente desqualificada, ela sai com muita vergonha de falar sobre isso. E o silêncio que é, o silêncio e o silenciamento, que são categorias diferentes, né, silêncio e silenciamento, que acompanha esse tipo de violência, é um dos pilares que faz com que esse tipo de violência continue acontecendo", continua Karlla.
A artista-clínica então abre um grupo para mulheres que se identificavam com essa situação, vindas de condições e contextos de violência ou que ainda estavam em relacionamentos violentos, para lerem juntas esse livro e dialogar sobre isso.
"E quando eu me vejo no meio delas, eu falo: 'Uau, nós somos muitas. Eu não sou eu somente, eu sou muitas'. E essa espécie de roda de conversa é meio uma clínica do testemunho também, porque eu não avisei para elas exatamente o que a gente ia fazer. E quando a gente termina essa leitura, a gente começa a se perceber uma na outra", conta.
O primeiro resultado desse processo está no site de Karlla Girotto. E os 17 episódios do podcast estão disponíveis na página do Centro Cultural São Paulo no Spotify. No primeiro episódio, a conversa é com o educador Senhorita Bira, analisando o comportamento da sociedade, da religião e do patriarcado.
O segundo papo é com a escritora, psicóloga e ativista indígena guarani Geni Nuñez, que fala sobre a relação sensível entre os estereótipos de desejo da vítima e a violência sofrida, situação em que a vítima muitas vezes é culpabilizada ou tem sua moral atacada. A escritora, diretora de teatro, roteirista e educadora social, Nicole Aun, é a convidada do terceiro episódio. E, no quarto, participa a psicanalista e pesquisadora de temas do corpo, do testemunho, da sexualidade e da arte Karina Acosta.
Também passaram pelo programa a promotora legal Anna Lannas, a artista visual e pesquisadora Bárbara Milano, o psicólogo Zeca Carú de Paula, a artista e articuladora à frente da comunidade LGBTQIAP+ Vicenta Perrota, a artista e profissional da saúde com ênfase em eutonia Ana Dupas, e a artista e profissional de saúde com ênfase em práticas somáticas e de voz Mariana Marcassa. Os demais convidados podem ser conhecidos na página do podcast.
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Edição: Martina Medina
