Coluna

A direita de titular e a esquerda no Banco Central

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Gabriel Galípolo durante sabatina na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal - Roque de Sá/Agência Senado
A unanimidade de Galípolo entre o mercado e o governo tem prazo de validade para acabar

Olá!

No jogo da política, a direita está ganhando, mas Lula chamou Galípolo para o aquecimento.

.Emendistão. No fim das contas, o primeiro turno das eleições municipais comprovou que ainda não superamos 2016, quando as ondas de lavajatismo e antipetismo derrubaram Dilma e tiraram a extrema direita dos subterrâneos da política. Ainda que alguns ícones da primeira onda - como Sérgio Moro, Kim Kataguiri e o grande surfista, Jair Bolsonaro - perderam força, o legado está aí travestido de “centro” ou “direita que usa talheres e guardanapo”, como os grandes vencedores Tarcísio de Freitas e Gilberto Kassab. Para a esquerda, ainda falta uma grande aspirina para curar quase dez anos de ressaca. Sem dúvida nenhuma, venceu o fisiologismo e o parlamentarismo orçamentário imposto por Eduardo Cunha e aprofundado por seu aprendiz Arthur Lira. O esvaziamento do Executivo através do tsunami das emendas impositivas que assola o país demonstrou sua eficiência, turbinando candidaturas vitoriosas e mantendo a máquina do continuísmo a todo vapor. Em resumo, 98% dos prefeitos das cidades campeãs das emendas foram reeleitos. Os parlamentares colheram agora nos municípios e esperam ser recompensados em dois anos com outra safra vigorosa. Mas não foi apenas o Executivo que perdeu, o Judiciário também se demonstrou fraco e incompetente para combater a política do vale tudo de Pablo Marçal, abrindo um perigoso precedente para naturalizar ainda mais o fascismo nosso de todo dia.

.50 tons de cinza. Não há dúvidas de que a direita saiu vitoriosa das urnas. Mas que direita? Em primeiro lugar, é uma direita que já vive um relativo descolamento da figura de Bolsonaro, como mostra o desempenho eleitoral dos candidatos apoiados pelo capitão. É, portanto, mais ampla e diversificada, não só porque novas figuras públicas surgiram, mas também porque o centrão em geral migrou para a direita. Daí porque seja mais adequado falarmos em “direitas” no plural, como sugere Valter Pomar. O que faz com que seja também uma direita mais enraizada, que ganhou corações e mentes, alerta Alysson Mascaro. E esse é o problema, ela veio para ficar. É ainda uma direita mais fisiológica, que tenta combinar o conservadorismo nos costumes, o liberalismo na economia e o pragmatismo na política. O que explica o fracasso de algumas figuras do submundo golpista, que têm radicalismo demais, mas pragmatismo de menos. Em compensação,o partido que mais cresceu, o PSD de Gilberto Kassab, o “onipresente”, é o mais puro exemplar dessa nova tendência e vai usar este trunfo para tentar uma reviravolta na disputa pela presidência da Câmara. O MDB e o PP são a cara do centrão nos municípios: continuam grandes e conseguem compensar a falta de nitidez ideológica com excesso de fisiologismo. Exatamente o contrário do PL, de Valdemar Costa Neto, que vestiu o figurino de Bolsonaro sem perder o velho estilo coronelista. E o PSDB afunda porque seu antigo lugar de representante da direita já foi ocupado. Trocando em miúdos, a única notícia boa para a esquerda é que o cenário da direita para 2026 ficou ainda mais incerto. Afinal, Bolsonaro está inelegível e não construiu um sucessor. Tarcísio de Freitas tem seu próprio projeto de poder e é cada vez menos dependente do ex-capitão. E nessa equação há ainda o imponderável fator Pablo Marçal, cujo destino político ninguém sabe qual será, mas que mostra que o cenário ainda está aberto aos aventureiros.


.Esquerda, volver? Até para falar da esquerda é preciso dar razão à direita. Afinal, Kassab captou bem o dilema, ao dizer que a esquerda não conseguiu se renovar e é refém da figura de Lula. E, entretanto, toda estrela tem seus limites e o descompasso entre a esfera federal e os municípios se revelou na fraca transferência de votos para os seus aliados, incluindo o próprio PT. Mesmo sem o otimismo de um Alexandre Padilha, alguém poderia dizer que a situação do PT melhorou já que o partido aumentou o número de prefeituras. É verdade que o PT tem se mostrado um partido resiliente frente aos ataques sofridos nos últimos anos. Mas olhando as cidades grandes e capitais, observa-se que a sangria ainda não terminou. No primeiro turno o partido do presidente da República não levou nenhuma capital e apenas duas cidades com mais de 200 mil habitantes. Outro argumento que caiu por terra é o de que estaríamos frente a uma transição rumo a uma esquerda menos petista e mais pluralista. Na verdade, o desempenho do PSOL e do PCdoB desmentem essa tese e, mesmo que haja a exceção de Boulos em São Paulo, a superação do PT não está no horizonte da esquerda. O inverso também é verdade e o aumento no número de prefeituras do PSB apenas comprova que a esquerda não está imune ao movimento mais geral em direção à direita. Aqui chegamos ao ponto central: o que está faltando? Três entrevistados pelo ICL - o militante comunista Jones Manoel, o cientista político Cláudio Couto e o jornalista João Cézar de Castro Rocha - ensaiam um diagnóstico. Para eles, os principais problemas da esquerda seriam ausência de perspectiva de futuro, fragmentação programática, envelhecimento e burocratização das organizações, incapacidade de comunicação com as massas e abandono da luta político-ideológica. O que, convenhamos, não é novidade, mas são problemas cada dia mais urgentes.

.O prazo da unanimidade. Ao menos no Congresso, o governo Lula teve uma vitória que equivale a vencer a prefeitura de uma grande capital no primeiro turno e de lavada. No caso, a aprovação de Gabriel Galípolo como próximo presidente do Banco Central. Não que se esperasse alguma dificuldade, mas a sabatina e as votações - por unanimidade no Comitê de Assuntos Econômicos e apenas 5 votos contrários no plenário do Senado - foram expressivas, assim como a calorosa recepção ao resultado pela FEBRABAN e a FIESP. A aprovação é a primeira conquista da lista da pauta econômica que o governo espera passar, ainda este ano, no Congresso e que inclui ainda o aumento das receitas em R$ 36,9 bilhões em 2025, a regulamentação da reforma tributária e, se o vento for favorável, colocar em pauta a elevação para R$ 5 mil no limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física. Além disso, a nomeação de Galípolo e o fim do mandato de Campos Neto abrem espaço para o governo retomar o controle do BC, com a indicação de três novos diretores. Mas a comemoração fica mesmo para 2025, se a gestão de Galípolo iniciar a queda da taxa de juros. A trincheira formada pela Faria Lima e pela mídia continua irredutível em sua defesa dos níveis estratosféricos da Selic, municiados pelo surreal argumento de que “O Brasil já cresceu demais” e de que mais empregos e renda são “maléficos para a economia”. O argumento central continua sendo o de utilizar a taxa para conter a pressão inflacionária, reforçada pela estimativa de que a inflação vai ultrapassar a meta anual, com novo aumento em setembro puxado pela conta de luz e preço dos alimentos. Curiosamente, será a terceira vez que a inflação estoura a meta dentro do mandato de quatro anos de Campos Neto. Mais importante ainda, uma pesquisa da USP demonstrou que a política de elevação da Selic reduz a inflação agregada em apenas 0,02 ponto porcentual após 24 meses. Na outra ponta, cada aumento de 1 ponto percentual tem impacto bruto de R$50 bilhões em 12 meses na dívida pública federal. A unanimidade de Galípolo entre o mercado e o governo tem prazo de validade para acabar justamente quando começar seu mandato, e o novo presidente do BC precisará escolher entre manter a máquina da especulação financeira funcionando ou dar o fôlego que o governo precisa para destravar a economia.

.Ponto Final: nossas recomendações.

.Bifo: o colapso de Israel e o do Ocidente. Para Franco Berardi, Israel não tem como vencer uma guerra que é resultado de sua própria crise. No Outras Palavras. 

.Gaza no coração. No Quatro Cinco Um, Milton Hatoum e Benjamin Moser discutem o conflito no Oriente Médio, que completa um ano.
.Direita versus direita no “Bolsonaristão”. Pedro Tavares analisa a disputa em Porto Velho-RO, reduto eleitoral de Bolsonaro. Na Piauí.

.A casa de jogo do bicho que está entre as 'bets' autorizadas pelo governo. A BBC News revela como a contravenção vai ganhando ares de legalidade.

.Guerra cultural se intensifica e provoca onda de censura a livros nos EUA. O que acontece quando os conservadores avançam sobre escolas e universidades. Por Jamil Chade, no Uol.

.Combustíveis fósseis causaram violência do Helene, diz estudo. Análise mostra a pegada humana no furacão que atingiu os Estados Unidos em setembro. No Observatório do Clima.

.Batalha da Sé ou “Revoada dos Galinhas Verdes” completa 90 anos. O ICL relembra o dia em que os integralistas foram expulsos à força da Praça da Sé, em São Paulo.
 

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Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

Edição: Nathallia Fonseca