Cerca de 40 famílias comemoraram, nesta quinta-feira (10), a assinatura do contrato para reforma do Assentamento 20 de Novembro, na região central de Porto Alegre. A conquista veio após quase duas décadas de luta por moradia.
As famílias contam que passaram por imensos problemas nos últimos 18 anos. Tudo começou no dia 20 de novembro de 2006 com a ocupação do local, patrimônio da União, abandonado há mais de 40 anos, sem utilidade e completamente degradado, já que a ideia de construir um hospital na área não avançou e empacou nas negociações ao longo do tempo.
O assentamento foi resultado de um processo de negociação com o governo federal, que definiu que imóveis desocupados ou subutilizados seriam revertidos para moradia popular, e firmado pelo programa Minha Casa Minha Vida.
O projeto de reforma do Assentamento 20 de Novembro foi assinado pelo Ministério das Cidades e agora vai em frente. A solenidade realizada na agência da Caixa Econômica Federal da avenida Independência, em Porto Alegre, selou o início das obras, previsto para daqui a 30 dias.
Na solenidade estiveram representantes do Ministério das Cidades, Fundo de Desenvolvimento Social, Patrimônio da União, Ministério da Reconstrução, Caixa Econômica Federal, Secretaria Nacional de Habitação e outros órgãos. Não estiveram presentes representantes do estado e do município.
Todos discursaram brevemente, mostrando o final exitoso da luta. Houve também a apresentação de um vídeo com o histórico do local e no que vai se transformar, "logo, logo", conforme acreditam futuros moradores da área que estavam presentes na cerimônia. O presidente Lula e as "políticas sociais e públicas em favor dos pobres" foram ressaltados em diferentes momentos.
Projeto
O projeto será financiado pelo Programa Minha Casa Minha Vida Entidades. É coordenado pelos próprios moradores ligados ao Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) e à Confederação Nacional de Associações de Moradores (Conam). Organizados principalmente por mulheres, elas foram, nestes 18 anos de espera, resolvendo problemas do prédio e confiando na solução positiva que esperavam.
Juntavam cada tijolo, limpavam, empilhavam em um canto e esperavam que um dia todos voltassem para o lugar certo na construção.
Os tijolos terão uma utilidade especial. Eles retornarão ao prédio na forma de cobogós, elementos vazados que completam paredes ou muros para possibilitar maior ventilação e luminosidade aos imóveis, tão característicos da arquitetura brasileira, de paisagismo e de mobiliário das áreas externas.
O assentamento vai finalmente se tornar um lar, um sinal claro de que é possível conviver harmonicamente e integralmente com a cidade para as pessoas de todas as vertentes sociais. “Lugar de pobre não é só na periferia, o povo também pode morar no Centro”, destacaram os discursos.
Desde dezembro de 2018 a obra está licenciada no município e o projeto está pronto e aprovado pela Caixa Econômica Federal, mas empacou em 2019 pela burocracia e pelo governo que estava assumindo o poder, comandado por Jair Bolsonaro, cheio de má vontade com as lutas sociais. Cada uma das 40 unidades deverá ter um custo de cerca de R$ 200 mil, totalmente financiado pela Caixa. A arquitetura do prédio a ser reconstruído e de todas as unidades do imóvel são do grupo de profissionais da empresa Arquitetura Humana.
"Finalmente teremos a nossa casa"
A líder do assentamento é Ceniriani Vargas da Silva, cientista social, ativista e integrante do MLNM, presente em todas as etapas do movimento. “Eu tenho dedicado os últimos 18 anos da minha vida na construção deste projeto. É o projeto da minha vida”, disse.
“Foi uma luta, passo a passo. Avanços, recuos, sofrimentos, alegrias. Nosso projeto é de moradia popular sustentável no Centro, com energia solar, cisterna, horta comunitária, ciranda, biblioteca, pracinha, espaço cultural e espaços de geração de renda. É o lugar onde meus filhos irão crescer, fruto de uma luta que elas ajudaram a construir desde a barriga. Finalmente teremos a nossa casa, de onde ninguém mais vai poder nos despejar”, diz, entusiasmada.
Também discursou na ocasião outra líder do assentamento, Elis Regina, da Coman. Chorou, se emocionou, bateu palmas para o fim da luta e o início de uma outra etapa do local. “O prefeito Sebastião Melo se recusou a dar aluguel social no período das obras, mas vamos nos reinventar e encontrar uma solução”, afirmou.
Ceniriani e Elis, ao final, puxaram o grito de guerra dos moradores – “Na luta e na garra a casa sai na marra” – e foram aplaudidas.
Bota pra Andar
Na cerimônia de anúncio do contrato, o governo federal também lançou a nova edição do “Bota pra Andar” na Capital, onde será acompanhada a construção de 5.577 moradias pelo Programa Minha Casa, Minha Vida. A iniciativa busca acelerar a retomada e conclusão de obras paralisadas, envolvendo órgãos públicos, construtoras e entidades parceiras.
Durante o evento, estiveram presentes o secretário-executivo do Ministério das Cidades, Helder Melillo e representantes das equipes técnicas da Caixa Econômica Federal e do ministério. “Garantir moradia para as famílias viverem com dignidade é uma missão do governo federal. E, aqui no Rio Grande do Sul, em face dos eventos trágicos que tivemos este ano, o governo está mais que empenhado e dedicado nessa missão”, afirmou o representante do secretário de Reconstrução do Rio Grande Sul da Casa Civil, Maneco Hassen, Engenheiro Comassetto.
MNLM
A organização, hoje denominada Assentamento 20 de Novembro, surgiu a partir da criação em âmbito nacional do Movimento Nacional de Luta pela Moradia, no ano de 1990. Desde o seu início, a entidade propõe enfrentamento ao déficit habitacional por meio do estímulo à articulação nacional dos movimentos de luta pela moradia, desenvolvidos por sem-teto, inquilinos, mutuários e ocupantes, unificando suas ações pela conquista da moradia e o direito fundamental à cidade. Hoje o MNLM está presente em vários estados brasileiros e municípios do Rio Grande do Sul, e tem como principal eixo de luta a reforma urbana.
O debate proposto pelo movimento compreende não apenas a questão da casa, mas todo o seu contexto: educação, saúde, economia, trabalho, comunicação, meio ambiente, mobilidade urbana, relações humanas. A sua dinâmica de atuação consiste, inicialmente, na ocupação de prédios públicos desocupados para provimento de habitação social em diversas regiões do território nacional.
Foi a partir do MNLM que um grupo de famílias sem moradia ocupou, em Porto Alegre, o prédio da Rua Caldas Júnior nº 11, em 20 de novembro de 2006. Permaneceu no local até março de 2007, quando, por meio de reintegração de posse, foi removido do local e realocado em um terreno próximo ao Estádio Beira-Rio, na Avenida Padre Cacique, em condições precárias. A Copa do Mundo de 2014 arrasou o local e todos foram jogados para outras áreas da cidade.
Mais uma vez a ocupação foi a solução encontrada pelo grupo de pessoas que optaram pela moradia no prédio da Rua Dr. Barros Cassal, até que as tratativas para a solução do impasse cumprissem os seus trâmites burocráticos. Foi apenas no mês de março de 2016 que a escritura do imóvel foi lavrada em nome da Cooperativa 20 de Novembro/Assentamento 20 de Novembro.
Em abril do mesmo ano foi assinada a documentação referente às obras de requalificação do edifício para fins de moradia, inseridas no Programa Minha Casa, Minha Vida – Entidades, segundo informações do estudo “A Produção Social do Espaço/Tempo e os Vazios Urbanos: o caso do Assentamento 20 de Novembro em Porto Alegre” de Marcos Pereira Diligenti, Maria Alice Medeiros Dias e Isadora Teodoro.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira