Em 15 de outubro, é comemorado no Brasil o Dia dos Professores, homenageando os profissionais responsáveis pela formação dos cidadãos. Em Minas Gerais, os trabalhadores denunciam que a valorização não sai do discurso. A categoria tem enfrentado, nos últimos anos, uma série de precariedades, desvalorização trabalhista e ataques de setores da sociedade e da política.
É o que relata Aline Maia, professora da rede pública de ensino há 13 anos, sindicalista e conselheira de Educação do município de Barbacena, que fica na região mineira do Campo das Vertentes.
"É urgente uma maior valorização material e subjetiva dos professores. Na rede estadual e em muitas redes municipais de Minas Gerais, ainda não temos o piso do magistério respeitado. Muitos professores não recebem o mínimo constitucional", afirma a professora.
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Ela explica que a pauta salarial está diretamente relacionada à melhoria da qualidade do ensino, já que impacta na capacidade de atuação dos trabalhadores.
"Uma professora que recebe bem pode sustentar sua família com apenas um cargo, o que lhe garante mais tempo para planejar e pensar sobre a sua prática, além de tempo para fazer formação continuada. Para desenvolver um projeto na escola, por exemplo, os professores precisam de tempo para planejar e estudar sobre o tema e isso é raro para alguém que está preocupado com dois ou três cargos, além das tarefas domésticas", explicita Aline.
Precarização e adoecimento
É o que também relata Marcília Teixeira, auxiliar de serviços da educação básica (ASB) aposentada da rede pública de ensino de Belo Horizonte e diretora do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UT/MG). Ela ressalta a correlação entre precarização, baixos salários e o adoecimento mental dos profissionais que atuam nas escolas.
"Nós estamos com muitos professores afastados por causa de sofrimento mental, em decorrência da pressão sofrida dentro da sala de aula, sem nenhuma ajuda que faça do ambiente de trabalho um local mais seguro e saudável. O professor chega a dar aulas em três escolas para conseguir sobreviver", denuncia Marcilia.
A atuação em múltiplas unidades acaba atrapalhando o desempenho e a realização pessoal dos profissionais, que perdem parte importante do vínculo com a comunidade, como demonstra Aline Maia, ao relatar a sua experiência.
"Mesmo como efetiva, sempre tive que mudar muito de escola. Só nos últimos anos é que consegui permanecer mais tempo em uma mesma unidade escolar e, com isso, conhecer melhor meus alunos e a realidade deles. Isso deu um salto de qualidade na minha forma de trabalhar, na relação de confiança estabelecida entre nós e em todo o processo de ensino-aprendizado", afirma.
"Depois desse período, mesmo com algumas dificuldades, fiquei muito realizada com o meu trabalho. Hoje, acho que parte das dificuldades que enfrentamos dando aula podem ser amenizadas se conseguirmos estabelecer relações de confiança com a comunidade em que atuamos", complementa.
Discursos de ódio na educação
Além disso, o crescente clima de tensão que ronda a pauta da educação e os constantes ataques, em decorrência da disseminação de notícias falsas, as chamadas fake news, fazem da escola, muitas vezes, um ambiente hostil para professores e estudantes. Aline Maia acredita que isso limita a liberdade de cátedra dos profissionais.
"Por conta de fake news sobre as escolas e de projetos como o Escola sem Partido, que plantou uma ideia errada sobre o trabalho docente na sociedade, nossa liberdade de cátedra tem sido limitada e muitos professores perderam o sentido original do seu trabalho, perderam a auto confiança para pensar e planejar suas aulas. É uma desvalorização subjetiva", relata.
Em concordância com Aline, Marcilia enxerga a força necessária para que a categoria enfrente essa situação.
"Queríamos que os professores fossem realmente valorizados, vistos com a importância que eles têm. A luta tem sido muito pesada para os profissionais da educação, que estão sobrecarregados. Eles são heróis e fazem das tripas coração, apesar de todo o ataque", comenta a dirigente do SindUTE-MG.
Governo Zema
Segundo as trabalhadoras, o governo de Minas Gerais, que nos últimos 6 anos esteve nas mãos de Romeu Zema (Novo), faz constantes ataques à educação pública. Na avaliação de Marcilia, a gestão de Zema representa retrocessos na área.
"Desde seu primeiro mandato, o governo Zema só desvaloriza os profissionais da educação. Temos lutado diariamente, tentando minimizar os prejuízos para a nossa categoria, já que, em nenhum momento do seu mandato, ele concedeu benefícios aos professores", denuncia.
Aline ressalta a necessidade de organização popular para barrar o processo de privatização e desvalorização da educação, promovido pelo executivo estadual.
"Zema tem feito uma política para acabar com a educação pública. Os projetos que esse governo vive propagandeando da educação repassam dinheiro público para empresas privadas. Isso não é pensar no futuro dos nossos jovens, é só interesse privado", afirma.
Projeto Somar
Como problema central para o ensino no estado, elas ressaltam o processo em curso de ampliação do projeto "Somar". A proposta consiste em "compartilhar" a gestão da educação pública com Organizações da Sociedade Civil (OSCs). Na avaliação da categoria, a iniciativa representa uma privatização da educação. "Essas empresas fazem a gestão das unidades escolares e, com isso, ficam responsáveis pela contratação de professores, interferem no projeto político pedagógico das escolas e gerem também a manutenção física e estrutural das escolas", explica Aline Maia.
Ela ressalta que empresas inerentemente buscam sempre o lucro, não sendo a qualidade do ensino ou bem estar dos alunos e profissionais a sua prioridade.
"Essas empresas não vão assumir a gestão de uma escola porque são 'boazinhas' e querem voluntariamente melhorar a educação pública. Para existirem, elas precisam maximizar lucros e, para fazer isso, vão tirar do salário dos trabalhadores, da quantidade de funcionários, da compra de materiais para escola e por aí vai", ressalta Aline.
Segundo Marcilia, essa precarização já está em curso.
"As informações que temos é de queda na qualidade da merenda e um tratamento dos estudantes como produto. O Projeto Somar é a culminância de um governo que nunca valorizou os professores e é, hoje, nosso maior desafio na rede pública. Nossa luta tem sido para que essa pauta saia da bolha dos profissionais da educação", destaca.
Caminhos de melhoria
Apesar do cenário difícil, os professores seguem atuantes. Para Aline, o caminho da melhora está na luta coletiva, uma vez que, como categoria unida, os professores têm mais força de reivindicação.
"Precisamos retomar o sentido de sermos professores, valorizar os nossos, fortalecer as assembleias escolares, a gestão democrática nas escolas e manter o diálogo sincero com as comunidades escolares sobre esses desafios. Os sindicatos têm papel fundamental nisso. Foi com a organização sindical que conquistamos muitos direitos que temos hoje", reitera.
"O neoliberalismo quer nos fazer acreditar que ou vencemos sozinhos ou a culpa é do indivíduo que não se esforçou o suficiente para 'chegar lá'. As experiências na educação que deram certo nunca foram individuais. Sabemos a potência das comunidades escolares para reivindicar algo. Sabemos qual é o tamanho da nossa categoria quando estamos organizados e lutando contra retrocessos. Nossa força está na coletividade", conclui Aline Maia.
A história da data
A data é feriado escolar desde 14 de outubro de 1963, quando o então presidente, João Goulart, assinou o decreto nº 52.682, estipulando que, a fim de "comemorar condignamente o dia do professor, os estabelecimentos de ensino farão promover solenidades, em que se enalteça a função do mestre na sociedade moderna, fazendo delas participar os alunos e as famílias".
O outro lado
A reportagem procurou o governo de Minas para comentar sobre as denúncias. A matéria será atualizada, caso haja um posicionamento.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Ana Carolina Vasconcelos