A crise no Oriente Médio segue escalando em meio a novos ataques de Israel contra o Líbano e contra a Síria, além da continuidade do massacre que Tel Aviv promove na Faixa de Gaza.
A tensão na região se agravou após Israel realizar bombardeios no Líbano, matando lideranças do grupo Hezbollah. A ação foi seguida de uma resposta do Irã, que atacou Israel com cerca de 200 mísseis em 1º de outubro levando Israel a prometer uma resposta ainda mais dura contra Teerã. Para além da tensão militar e da tragédia humanitária na região, a escalada impacta na dinâmica geopolítica de uma maneira mais ampla, para fora do Oriente Médio.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fernando Brancoli, é inevitável alguma resposta dura por parte de Israel contra o Irã, e isso pode gerar movimentações políticas dos seus aliados, EUA e Rússia, respectivamente.
"É o pior momento do Oriente Médio em décadas, com certeza. A gente está falando de um contexto de crise que transborda para além do contexto palestino-israelense,e já envolve o Irã, o Líbano e também a Síria. O que a gente tem observado é que há uma tentativa de modulação entre EUA e Israel para saber como este ataque vai ser feito. Como essa resposta ao Irã vai ser feita. O ataque vai ocorrer, a gente só não sabe quando, mas é inevitável que Israel tenha que fazer um posicionamento”, afirma o pesquisador.
No último domingo (13), os EUA anunciaram o envio de um sistema de defesa antimísseis para Israel. De acordo com o secretário de Defesa, Lloyd Austin, a medida tem o objetivo de "reforçar as defesas aéreas de Israel após os ataques sem precedentes do Irã" em 13 de abril e 1º de outubro.
Por outro lado, a Rússia que, é aliada de países como a Síria e o Irã, aumentou o tom da crítica contra as ações militares de Israel. A diplomacia russa condenou Tel Aviv por violar a soberania dos países vizinhos e causar mortes civis. Em particular, a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, condenou os ataques à capital síria em 8 de outubro.
"Gostaria também de comentar o último ataque israelense a Damasco. Ocorreu ontem à noite, 8 de outubro. Mais uma vez, Israel violou grosseiramente a soberania síria ao lançar um ataque com mísseis contra um edifício residencial de vários andares numa área densamente povoada de Damasco. Segundo as autoridades sírias, sete civis foram mortos, incluindo mulheres e crianças. Os escombros estão agora sendo removidos", declarou.
De acordo com a porta-voz, independente do alvo do ataque (alegadamente contra lideranças do Hezbollah), "ele foi realizado no território de um terceiro país, em uma área residencial densa, o que leva a mortes inevitáveis entre pessoas inocentes". "E é ultrajante que tais ações tenham se tornado literalmente uma prática rotineira aplicada à Síria, Líbano e Faixa de Gaza", acrescentou.
O Irã é um dos principais parceiros estratégicos da Rússia no Oriente Médio. Além de projetos de cooperação econômica, os dois países possuem uma importante parceria no campo militar, inclusive com fornecimento de drones iranianos que a Rússia usa no conflito com a Ucrânia. O Irã também já manifestou interesse em caças e sistemas de defesa russos que poderiam ser usados contra Israel.
Ao mesmo tempo, é improvável que a Rússia, mergulhada na guerra com a Ucrânia, abra uma nova frente e participe de maneira mais ativa no conflito do Oriente Médio. Já no campo político, Moscou vem deixando claro um maior apoio ao bloco anti-Israel na região.
Teerã e Moscou deram mais um sinal de aproximação diplomática na última sexta-feira (11), durante a primeira reunião entre o presidente russo, Vladimir Putin, com o novo presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, em visita ao Turcomenistão. Durante o encontro, Putin disse que as posições do Irã e da Rússia sobre as questões do cenário internacional são frequentemente "próximas" e destacou que as relações com o Irã são uma prioridade para a Rússia.
O presidente iraniano, por sua vez, disse que discutiu problemas regionais com o seu homólogo russo e apelou à Federação Russa para que assumisse uma posição mais dura em relação às ações de Israel na Faixa de Gaza e no Líbano.
O analista Fernando Brancoli observa que "essa constelação de atores têm claramente conglomerados entre eles de proximidade ideológica, estratégica e política”, colocando os EUA do lado israelense, que "acabam arrastando a reboque os países do Golfo, principalmente a Arábia Saudita, que, apesar de criticar Israel, de certa forma está dentro deste contexto, a Jordânia também".
"E no caso do Irã a gente tem uma proximidade bastante explícita tanto com a Rússia, em um contexto de transbordamento, de dependência estratégica, entre Moscou e Teerã, também no contexto da guerra da Ucrânia, e tem uma proximidade com a China, na medida em que o Irã ao longo dos últimos 10 anos se transformou em um grande dependente de trocas comerciais com Pequim", acrescenta.
O pesquisador argumenta, no entanto, que a relação entre estes "conglomerados de países "em relação ao Oriente Médio "não é binária", como na Guerra Fria, por exemplo, há uma complexidade nesta dinâmica. Ou seja, não há uma lógica clara que todos os países mais próximos a Israel necessariamente teriam relações ruins com os do outro bloco.
"Digo isso porque, por exemplo, a Arábia Saudita e a China, que estariam a princípio em lados opostos, têm excelentes relações e mantêm de alguma maneira dependências econômicas cada vez mais profundas, Israel é a mesma coisa. […] Não se trata de uma lógica de um lado contra o outro, mas de atores interagindo, e muitas vezes em lados opostos. Mas me parece inevitável, para além dessa dimensão estratégica, em uma dimensão mais complexa, que você tenha declarações de apoio", afirma.
Estreitamento Irã e Rússia
No caso da aliança entre Irã e Rússia, o desenvolvimento da tensão no Oriente Médio se entrelaça com os efeitos da guerra da Ucrânia, considerando que Teerã é um importante fornecedor de equipamentos militares para Moscou, proximidade esta que incomoda o Ocidente.
Nesta segunda-feira (14), a União Europeia (UE) impôs sanções contra sete empresas e sete autoridades iranianas por fornecerem drones, mísseis e tecnologia militar à Rússia para ataques à Ucrânia. A informação foi divulgada no site do Conselho da UE. Oficialmente, Teerã nega o fornecimento de mísseis balísticos à Rússia.
"É muito curioso, porque a gente pode olhar o conflito no Oriente Médio não só como uma tragédia humanitária da região, mas como transbordamento de disputas políticas maiores, que envolvem necessariamente a guerra da Ucrânia. E dentro deste contexto, o Irã se posiciona como um ator essencial para a Rússia continuar mantendo o esforço do conflito contra Kiev, de uma maneira bem explícita. O Irã tem sido um fornecedor importante de drones, que se mostraram talvez as armas mais importantes do atual conflito, e um pouco de munição também, na medida em que a Rússia se viu ali bloqueada de obter parte dos recursos devido às sanções", analisa Fernando Brancoli.
"A guerra cada vez mais aberta do Irã contra Israel se enquadra de certa maneira nos interesses estratégicos russos, porque um desmonte iraniano neste momento vai significar um revés na Ucrânia. Do ponto de vista prático, a Rússia depende hoje do Irã e da Coreia do Norte para obtenção de munições, então são atores que Moscou vai ficar muito de olho e vai querer garantir que as coisas continuem funcionando", completa.
Edição: Rodrigo Durão Coelho