O governo da Venezuela rejeitou nesta quarta-feira (16) o comunicado da Missão Internacional Independente de Apuração dos Fatos, ligada à ONU, que disse ter registrado um “aumento de violações de direitos humanos” no período das eleições do país. A representação venezuelana na ONU chamou o documento de um “panfleto novelesco” e “roteiro fantasioso”.
“É um documento fictício, um roteiro fantasioso, uma herança do falecido Grupo de Lima e do regime norte-americano que, apesar da sua moralidade torta nos direitos humanos, quer dar lições ao mundo sobre isso. Esta missão mercenária que nunca colocou os pés na Venezuela desperdiçou mais de seis milhões de dólares em propaganda política a favor da direita fascista venezuelana”, afirma a Missão Permanente da Venezuela na ONU.
O governo venezuelano questionou também as fontes usadas pela organização. O grupo usou relatos de redes sociais e reportagens de jornais ligados à oposição para embasar o comunicado e afirmar que houve aumento na violação de direitos humanos na Venezuela durante as eleições. Na nota, Caracas ainda também indica que a Missão da ONU tem um “mandato inválido”.
“A existência desta missão é um exemplo do sequestro do Conselho dos Direitos Humanos por um pequeno grupo de países ocidentais que pretendem levá-lo ao mesmo destino que a sua antecessora, a fracassada Comissão dos Direitos Humanos. Como se não bastasse, seu mandato inválido vem de uma resolução que obteve mais votos contra e abstenções do que votos a favor”, disse em nota.
O texto termina reforçando o compromisso da Venezuela na garantia dos direitos humanos e rejeita interferências externas em assuntos particulares dos países.
O documento da ONU tem 161 páginas e faz uma análise do processo político venezuelano de 1º de setembro de 2023 a 31 de agosto de 2024. As eleições na Venezuela foram realizadas em 28 de julho de 2024. No texto, a organização indica que houve “prisões arbitrárias e indícios de tortura” depois das eleições, que vai de 29 de julho a 1º de setembro.
Esse período foi marcado por protestos violentos organizados pela extrema direita. Grupos ligados à oposição vandalizaram e depredaram prédios públicos, incendiaram carros e ameaçaram derrubar o governo à força. As forças de segurança atuaram e, segundo o governo, 25 pessoas morreram, 192 ficaram feridas e 2.229 foram presas nas manifestações. Uma investigação da ONU afirma que o número de presos é de cerca de 1,2 mil, com 23 mortes.
“Muitas das prisões no período pós-eleitoral foram realizadas no âmbito da chamada Operação Tun Tun, como forma de ameaçar e gerar medo na população. As forças de segurança detiveram pessoas que participaram nos protestos ou que expressaram opiniões críticas contra o Governo; As casas de pessoas consideradas opositoras foram marcadas com um 'X' e foi activada uma aplicação móvel incentivando grupos relacionados com o Governo a indicar e denunciar", afirma o texto.
O levantamento afirma ter realizado entrevistas pessoais com pessoas que participaram das manifestações, familiares e advogados, além de coletar depoimentos nas redes sociais e reportagens de jornais. No entanto, o documento diz que várias dos entrevistados pediram confidencialidade e não poderiam divulgar dados pessoais e relatos individuais.
Manifestações violentas
As eleições de 28 de julho na Venezuela tiveram a vitória do presidente Nicolás Maduro para um terceiro mandato e deram início a uma série de contestações da oposição. No dia seguinte, as manifestações de rua ganharam corpo e a violência foi predominante nos atos da extrema direita.
Antes mesmo do pleito, o grupo Plataforma Unitária já havia se recusado a assinar um acordo para reconhecer o resultado eleitoral. Depois da vitória de Maduro, a extrema direita liderada pela ex-deputada María Corina Machado afirmou ter vencido a disputa e usou as atas eleitorais como argumento para isso. Segundo este setor, foram recolhidas 70% das atas que garantiriam a vitória do ex-embaixador Edmundo González Urrutia.
Manifestações foram registradas em diferentes cidades do país. Além da depredação a prédios públicos, opositores também vandalizaram imagens ligadas ao chavismo. Os manifestantes divulgaram um vídeo nas redes sociais mostrando a derrubada, por exemplo, da estátua de Hugo Chávez em La Guaira. Para controlar a situação, as Forças de Segurança prenderam algumas lideranças das manifestações e passaram a investigar os responsáveis por financiar aqueles atos.
O Ministério Público denunciou que uma série de manifestantes haviam recebido US$ 50 (R$ 283 aproximadamente) para participar dos atos. As denúncias, no entanto, se baseiam apenas nos relatos de pessoas que foram detidas nos dias seguintes ao pleito.
Em setembro, a Justiça da Venezuela emitiu um mandado de prisão contra o ex-candidato da Plataforma Unitária nas eleições, Edmundo González Urrutia. Ele é investigado pela publicação de supostas atas eleitorais que teriam sido recolhidas no dia das eleições presidenciais e, posteriormente, utilizadas pela coalizão de extrema direita para não reconhecer os resultados eleitorais divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE). A discussão em torno das atas é considerada pela Justiça do país como o estopim para os atos violentos.
Assim como outros integrantes da extrema direita venezuelana, González Urrutia não está mais no país mas já deixou a Venezuela. O ex-embaixador pediu asilo político na Espanha e viajou para o país depois que o governo venezuelano concedeu salvo conduto para a saída do ex-candidato.
Edição: Rodrigo Durão Coelho