DESCASO

Famílias do centro de SP atingidas por apagão relatam prejuízos e falta de assistência: 'Desesperador'

Falta de zeladoria e poda de árvores contribuiu para apagão que iniciou na última sexta feira (11), avaliam paulistanos

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Uma semana depois do apagão em São Paulo, milhares de famílias ainda permanecem sem luz - Paulo Pinto/Agência Brasil

Ao menos 3,1 milhões de imóveis ficaram sem luz com o apagão iniciado na última sexta-feira  (11) em São Paulo, segundo a própria Enel. Uma semana depois da tempestade, o serviço ainda não foi completamente restabelecido na cidade. 

O Brasil de Fato foi visitar uma das regiões mais afetadas pela falta de energia na região central da cidade, no bairro da Barra Funda. Por lá, além das críticas à Enel, os moradores denunciam a falta de zeladoria da prefeitura na poda de árvores que caíram sobre a rede elétrica.

Osivaldo Rodrigues Pereira é dono de um restaurante na rua Doutor Ribeiro de Almeida. A especialidade da casa são os pratos feitos servidos durante o horário do almoço. Ele vive há mais de 50 anos no bairro. 

“Fiquei três dias sem trabalhar. Perdi legumes, carnes, salgados, e bebidas que ficaram na geladeira, que já estavam geladas. Estragou. Foi para gelar de novo, não presta mais. Prejuizo demais de um monte de coisa”, explica o comerciante.

“Para todo mundo que a gente ligava, ninguém resolvia o nosso problema. Então nós ficamos aqui jogados às cobras”, completa Pereira. 

Já Claudete Santos administra um edifício onde vivem 24 famílias na rua Anhanguera. Em frente ao imóvel, uma árvore caiu por cima da fiação durante o temporal.  A retomada da energia elétrica se deu somente na quarta-feira (16). Ficaram todos seis dias sem luz. A situação, segundo ela, era uma tragédia anunciada. 


Árvore que caiu na rua Anhanguera já estava podre há meses, segundo moradores, que dizem ter avisado prefeitura e nada foi feito / Divulgação

“Há muitos meses atrás nós pedimos para a prefeitura cortar a árvore, porque nós já havíamos identificado que estava caindo, ela já estava podre. E enfim, nós fizemos alguns contatos junto à prefeitura e eles registraram e informaram que tomariam providências, porém não tomaram”, explica Santos. 

Ela conta que os cabos danificados pela árvore foram levados pela prefeitura e a reposição de um novo foi realizada pelos próprios moradores, já que a Enel alegou que para incluir novos materiais, era preciso fazer um novo chamado pelo telefone. 

“A Enel se apoderou do cabo que nós compramos. Eles informaram que se eles tivessem que colocar um cabo deles para ligar energia, eles iam embora e a gente teria que fazer um novo chamado e aguardar, porque aquele caminhão não tinha”, completa.

Bairro esquecido

A gerente de um restaurante na região, Neoma Marionela Sebastião, mora há 2 anos no prédio. Ela avalia o apagão como algo "desesperador". Com familiares em Angola, ela conta que não conseguiu se comunicar com os parentes pela falta de internet. 

“Eu não consegui me comunicar com eles por seis dias. A gente corria para buscar estabelecimentos para conseguir carregar o celular e o computador", lamenta.

Além disso, Sebastião pontua que não foi possível cozinhar no período. Todas as 24 quitinetes mobiliadas são abastecidas apenas com fogões elétricos. "A gente perdeu tudo que tinha na geladeira. Foi tudo jogado fora”, coloca. 


Com a demora da Enel, novas fiações foram adquiridas em uma vaquinha feita pelos próprios moradores do bairro / Pedro Stropasolas

Há 40 anos vivendo na Barra Funda, o motorista de aplicativo Marcelo Castro Mantovani , vive nas proximidades da Rua Doutor Ribeiro de Almeida e da Rua Anhanguera.

Ele revela que o problema da falta de luz e da demora para o serviço ser restabelecido é recorrente, independentemente de casos de temporal.

“Várias vezes acaba acontecendo falta de energia, e a demora é muito grande para voltar a energia. Mesmo fazendo as ligações, tentando conversar”, revela.

“A gente passa por muitas dificuldades, questão de enchente, questão de luz, questão de árvores que não tem muito podamento. É um bairro praticamente central e um bairro esquecido”. 

Responsabilidade da prefeitura

Apesar da concessão do serviço ser de responsabilidade federal, a zeladoria da cidade cabe à prefeitura. Poda de árvores, manutenção dos semáforos e protocolos emergenciais para auxiliar atingidos, cruciais na prevenção e no combate a apagões, são da alçada da gestão municipal. 

Em entrevista ao podcast Três por Quatro, do Brasil de Fato, o engenheiro eletricista Cássio Cardoso Carvalho, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), avalia que a gestão Nunes falhou. 

“Nós temos a Enel de um lado, mas nós temos a responsabilidade do seu Ricardo Nunes, prefeito da cidade de São Paulo. Ele também é responsável porque não faz a zeladoria, não dialoga com a empresa, buscando a resolução preventiva do problema”, diz Carvalho. 


"É um bairro praticamente central e um bairro esquecido”, lamenta o motorista de aplicativo Marcelo Mantovani / Pedro Stropasolas/Brasil de fato

No apagão de 2023, a Enel afirmou que 95% das quedas de energia ocorreram por interferência de árvores na fiação elétrica. Atualmente, segundo a prefeitura, mais de sete mil árvores estão na fila por poda. O tempo de espera superaria um ano. 

A poda também cabe à distribuidora de energia quando há risco para o sistema elétrico, mas a atual gestão não avançou em medidas como o enterramento de fios, que poderiam reduzir os riscos de danos em casos de quedas de árvores. Menos de 1% dos 20 mil quilômetros da rede elétrica paulistana estão enterrados. Como contraponto às críticas, Nunes diz que, em sua gestão, foram criados o Plano Municipal do Clima e a Secretaria Especial de Mudanças Climáticas.

No caso das famílias do edifício da Rua Anhanguera, na Barra Funda, a árvore só foi recolhida três dias depois da queda. “Aconteceu o desastre, e a prefeitura ainda demorou para ser retirada. A árvore caiu na sexta e foram retirar a árvore domingo. A Enel já é um descaso. Juntando com a Prefeitura é um descaso maior ainda”. 

Privatização

O fornecimento de energia elétrica em São Paulo é privatizado e, desde 2018, está sob responsabilidade da Enel, substituindo a antiga Eletropaulo. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), do governo federal, e a Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp), do governo estadual, devem fiscalizar a empresa. 

Preocupados com o possível impacto do apagão na eleição, o governador de São Paulo, Tarcísio Freitas (Republicanos), e o prefeito Ricardo Nunes (MDB) apontaram falhas na fiscalização da Enel. Em resposta, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), lembrou que a atual direção da Aneel foi indicada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), aliado dos dois gestores paulistas. 


O comerciante Osivaldo Rodrigues perdeu todas as mercadorias que estavam nas geladeiras / Pedro Stropasolas/Brasil de Fato

Osivaldo Rodrigues Pereira descreve à reportagem o que acha do serviço da Enel. “Porcaria. Depois que passou da Eletropaulo para Enel eu só vi piorar as coisas. Só questionam valores. Se a gente tiver um atraso, uma conta, eles já cortam… Não tem tolerância nenhuma com o consumidor, e quando precisa, como numa situação dessa, não estão nem aí, sem responsabilidade nenhuma e  respeito”, explica o comerciante.

“Toda vez que nós precisávamos da Eletropaulo, o atendimento era rápido. Em comparação, a Enel deixa a desejar, a Eletropaulo era bem melhor”, completa Claudete Santos.

O que diz a prefeitura

A Subprefeitura da Sé informa que a árvore citada pela reportagem foi removida no dia 15 de outubro e que todos os chamados para o exemplar foram atendidos. 

Informa também que, em vistoria, foi constatado que “a mesma estava saudável, indicando que a provável queda foi causada pelos fortes ventos, que chegaram a 107 km/h na sexta-feira (11), de acordo com CGE”.

A Secretaria ressalta também na nota que “a legislação permite a remoção de uma árvore apenas nos casos em que o exemplar se encontra com a saúde condenada ou quando há dano estrutural ao imóvel, atestado por um engenheiro civil contratado”.

Edição: Nathallia Fonseca