O Dia Internacional para a Redução do Risco de Desastres é comemorado anualmente em 13 de outubro, com o objetivo de aumentar a conscientização global sobre a importância de promover ações de prevenção, mitigação, preparação, resposta e reconstrução. Criada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1989, a data é dedicada à reflexão sobre o progresso global e desafios emergentes de governos e comunidades em termos de riscos e desastres.
A cada ano a comemoração aborda um tema. Em 2024 a campanha Empowering the Next Generation for a Resilient Future enfoca a capacitação de jovens e crianças, destacando a importância de envolver as gerações futuras nas políticas e ações de redução de risco de desastres (RRD), garantindo que sejam preparadas para enfrentar os desafios climáticos e riscos catastróficos globais que se farão presentes em suas vidas no futuro próximo e a longo prazo.
Os pilares da campanha são: i) educação e conscientização, ii) capacitação; iii) inovação e tecnologia e sustentabilidade a longo prazo. O primeiro visa incentivar a inclusão de conteúdos sobre Redução de Risco de Desastre em currículos escolares e programas comunitários, para que crianças e jovens tenham conhecimento sobre como agir em emergências e prevenir desastres. O segundo diz respeito à importância do encorajamento a participação deste público em fóruns e processos de tomada de decisão relacionados a riscos e desastres, proporcionando treinamento e oportunidades de liderança na área. O terceiro traz a relevância da promoção e uso de novas tecnologias, como a inteligência artificial e ferramentas digitais, para que crianças e jovens possam contribuir com soluções inovadoras para a redução de riscos de desastres. O quarto alerta para a importância da criação de um legado de políticas e práticas que possibilitem a continuidade de ações de prevenção e resiliência, assegurando que as gerações futuras sejam protagonistas de um futuro mais seguro e sustentável.
A preocupação com este grupo de vulneráveis está chancelada mundialmente por dados e indicadores. Desastres afetam crianças e adolescentes de maneira desproporcional, tanto em termos físicos quanto emocionais. Os impactos e danos variam conforme o tipo de evento, mas alguns dos principais são: lesões, desnutrição, doenças variadas, acesso reduzido a medicamentos e assistência médica, ansiedade, disrupção e comprometimento no acesso à educação, deslocamento forçado, comprometimento da família e redes de apoio, entre outros.
Segundo o Unicef, aproximadamente 175 milhões de crianças e adolescentes são impactadas por desastres todos os anos. Estima-se que, globalmente, 75 milhões de crianças e adolescentes tenham sua educação interrompida por desastres e crises prolongadas. Elas compõem o grupo de 36,5 milhões de pessoas que em 2022 foram forçadas a deixar suas casas devido a eventos da espécie e outras causas. Isso inclui deslocamentos internos e entre fronteiras. Estudo publicado em 2021, já mostrava um cenário de grave ameaça à segurança das gerações mais jovens. Segundo projeções, as crianças nascidas em 2020 sofrerão exposição de duas a sete vezes maior à eventos extremos, particularmente ondas de calor, em comparação com pessoas nascidas em 1960.
Os dados mencionados dão o tom da gravidade da situação, mas ainda carecemos de informações mais sensíveis sobre o impacto dos desastres entre crianças e adolescentes nos territórios nacionais. O Brasil é um país vasto em território e locus de um portfólio de riscos e desastres extremamente variados, com perdas e danos de grande monta capazes de comprometer expectativas de vidas.
Visando contribuir para a mudança desse cenário, está em curso no Rio Grande do Sul o Projeto Guris: pelo direito a abrigos seguros (@projetoguris), que visa realizar um diagnóstico situacional sobre o impacto do desastre de maio de 2024 na saúde e educação de crianças e adolescentes, reflexos nas condições de vida e garantia de direitos. O estudo observa também o grupo com Transtornos do Neurodesenvolvimento, dentre eles os diagnosticados com o Transtornos do Espectro Autista (TEA). As bases estruturantes do projeto são: ciência, equidade intergeracional, longopazismo e garantia de direitos. A pesquisa está sendo realizada por um grupo de pesquisadores especialistas em desastres que acredita que os indicadores revelados pela metodologia escolhida serão fundamentais para reflexões sobre avanços necessários em políticas públicas específicas e correlatas à tutela de direitos de crianças e adolescentes.
Desastres como o ocorrido no estado do Rio Grande do Sul devem servir como exemplo de algo que nunca mais deva ocorrer. Quaisquer esforços e ações empenhados no processo de recuperação deste evento podem servir de parâmetro orientativo para todo o país sobre o que precisa ser aprimorado em termos de políticas públicas, seja pela atuação voluntária, ações da iniciativa privada ou das organizações da sociedade civil.
Por falar em política pública, a Lei nº 14.926/24 incluiu na Política Nacional de Educação Ambiental, Lei nº 9.795/99, temas relacionados às mudanças climáticas, à proteção da biodiversidade e aos riscos de desastres socioambientais. Assim que passarem a vigorar, se implementadas, as alterações tendem a gerar modificações importantes no mundo dos fatos. Senão vejamos. O art. 5º, que trata dos objetivos fundamentais da educação ambiental, ganhou dois novos incisos. O VIII, trata do “estímulo à participação individual e coletiva, inclusive das escolas de todos os níveis de ensino, nas ações de prevenção, de mitigação e de adaptação relacionadas às mudanças do clima e no estancamento da perda de biodiversidade, bem como na educação direcionada à percepção de riscos e de vulnerabilidades a desastres socioambientais”. O inciso IX, fala sobre o “auxílio à consecução dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, da Política Nacional sobre Mudança do Clima, da Política Nacional da Biodiversidade, da Política Nacional de Proteção e Defesa Civil, do Programa Nacional de Educação Ambiental e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental, entre outros direcionados à melhoria das condições de vida e da qualidade ambiental”. O art. 8º, § 3º, II-A traz a importância do “desenvolvimento de instrumentos e de metodologias com vistas a assegurar a efetividade das ações educadoras de prevenção, de mitigação e de adaptação relacionadas às mudanças do clima e aos desastres socioambientais, bem como ao estancamento da perda de biodiversidade”. O artigo 10 § 4º visa assegurar a “inserção de temas relacionados às mudanças do clima, à proteção da biodiversidade, aos riscos e emergências socioambientais e a outros aspectos referentes à questão ambiental nos projetos institucionais e pedagógicos da educação básica e da educação superior, conforme diretrizes estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições legais”. O artigo 13 amplia o que se entende por educação ambiental não formal com a redação do inciso VIII: “a sensibilização da sociedade para a relevância das ações de prevenção, de mitigação e de adaptação relacionadas às mudanças do clima e aos desastres socioambientais, bem como ao estancamento da perda de biodiversidade.” Por fim, o § 5º do artigo 13 traz o dever de supervisão das autoridades competentes em relação ao teor e a execução dos projetos institucionais e pedagógicos dos estabelecimentos de educação básica e superior.
As inovações trazidas pela Lei nº 14.926/24 fortalecem o já potente artigo 225 da Constituição Federal e outras legislações correlatas, como a Lei nº 12.608/12, que há mais de uma década traz a necessidade de interlocução da matéria de proteção e defesa civil com a educação e outras políticas. Em complemento à atenção às mudanças climáticas fortemente destacada pela lei, ressalta-se a importância de educar, reportar e informar a respeito de outros tipos de riscos, que também possuem potencial catastrófico e estão presentes no território brasileiro. Tudo em atenção ao que já é orientação legal no Brasil devido a regulamentação da Lei 12.608/12 pelo Decreto 10.593/20.
Movimentos que visam proteger e fortalecer a semente do ideal de cidadão preparado, consciente e conhecedor de ferramentas para o fortalecimento de comunidades mais precavidas e resilientes são fundamentais nesta quadra da história. As crianças e adolescentes de hoje são os futuros tomadores de decisão públicos e privados de amanhã. São eles que terão o dever/poder de planejar, gerir, agir e definir orçamento no contexto das políticas de ordenamento territorial, desenvolvimento urbano, saúde, meio ambiente, mudanças climáticas, gestão de recursos hídricos, geologia, infraestrutura, educação, ciência e tecnologia e demais políticas setoriais. Pela interdisciplinariedade do tema, sabemos que todas essas políticas e outras mais, como assistência social, por exemplo, são imprescindíveis para o efetivo e eficaz gerenciamento de riscos e desastres.
Chegamos ao tempo sem retorno de equilibrar pratinhos ancorados em evidências científicas para o bem comum.
Assim, oxalá, todo dia será dia de redução de risco e de desastre.
* Fernanda D. L. Damacena é advogada, membro do Projeto Guris, pesquisadora do Grupo Redução de Riscos de Desastres Socioambientais.
** Alice Dianezi Gambardella é socióloga, membro do Projeto Guris, pesquisadora do Grupo Redução de Riscos de Desastres Socioambientais.
*** Aline Silveira Viana é sanitarista e gerontóloga, membro do Projeto Guris, pesquisadora do Grupo Redução de Riscos de Desastres Socioambientais.
**** Projeto Guris é patrocinado pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal.
***** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Vivian Virissimo