Como nenhum outro país, Cuba tem ocupado um lugar de destaque na política externa dos EUA. Nas últimas décadas, durante as diferentes administrações republicanas ou democratas, o bloqueio contra Cuba foi constantemente mantido. O que demonstra que, além das pequenas variações aplicadas de acordo com os diferentes governos, trata-se de uma política de Estado.
Em entrevista ao Brasil de Fato, Ernesto Limia Díaz, historiador e ensaísta cubano, assegura que, independentemente de Kamala Harris ou Donald Trump serem eleitos, “não é possível esperar uma abertura para um processo de normalização das relações”. Afirma que, ao longo da história, os Estados Unidos mantiveram uma “política de guerra, não apenas contra o socialismo, mas também contra a nação cubana”, em uma tentativa de “subjugar” a ilha.
“A situação de hoje não satisfaz os interesses dos setores do poder estadunidense que querem nos subjugar. Eles acreditam que estamos prestes a nos render. Que o assédio financeiro e a guerra econômica estão finalmente nos afogando. Portanto, eles não tomarão nenhuma medida para mudar essa direção”, diz ele.
A grave crise econômica pela qual o país está passando é o principal incentivo de Washington para manter sua política de bloqueio, para gerar dificuldades e agitação entre a população cubana. Logo após o triunfo da Revolução de 1959, o Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Interamericanos dos EUA, Lester D. Mallory, enviou um memorando secreto ao então presidente Dwight Eisenhower (1953-1961) sugerindo “a rápida aplicação de todos os meios possíveis para enfraquecer a vida econômica de Cuba” a fim de privar o país de “dinheiro e suprimentos, reduzir seus recursos financeiros e salários reais, provocar fome, desespero e a derrubada do governo”.
"A mudança na política dos EUA em relação a Cuba depende da resistência da Revolução Cubana e da resistência da nação cubana para sair desta crise econômica e deste momento difícil na ordem social. Portanto, em um cenário em que Cuba tenha administrado sua crise econômica e saído vitoriosa, eles repensariam sua política na ordem tática. Em outras palavras, eles continuarão a tentar subjugar a nação cubana, mas poderiam procurar outra maneira de implementá-la" diz.
Política da Flórida e de Cuba
De acordo com dados de 2021 do Pew Research Center (PWC), mais de 2,4 milhões de cidadãos estadunidenses são de origem cubana. Entre eles, 64% estão no estado da Flórida, na cidade de Miami.
Assim, nas últimas duas décadas, a comunidade de origem cubana que vive nos Estados Unidos duplicou de tamanho. Um crescimento demográfico que proporcionou uma influência cada vez maior na tomada de decisões nos círculos de poder, especialmente com relação às políticas para a América Latina e o Caribe.
De acordo com a última pesquisa realizada pela Universidade Internacional da Flórida (FIU), 55% dos cubanos em Miami, a nona maior área metropolitana do país, se identificam como republicanos, enquanto 68% dizem que votariam em Trump na eleição.
Limia Díaz adverte que uma vitória de Trump significaria uma “entronização dos setores extremistas” que vêm crescendo a um ritmo vertiginoso desde 2016. Ele aponta os setores ligados ao supremacismo branco como os principais beneficiários, mas também os setores de extrema direita de origem latina, entre os quais os setores da comunidade cubana têm um lugar preponderante.
“Uma vitória de Trump estimularia mais uma vez o ódio, da mesma forma que ele fez durante sua presidência e está fazendo na campanha. Isso exaltaria um estado permanente de confronto político, como o que estamos vendo. Nesse contexto, não é difícil pensar que estimularia os setores que durante 60 anos realizaram todos os tipos de agressões contra Cuba, incluindo atividades terroristas contra a revolução cubana, contra a nação cubana”, diz ele.
“É provável que personagens de extrema direita como Marco Rubio, senador da Flórida, que fez toda a sua carreira política com base em sua hostilidade a Cuba, sejam recompensados com algum lugar importante em um governo Trump. Permitindo que ele crie políticas para a América Latina. Isso implicaria que eles não apenas manteriam a política atual de pressão máxima, mas que procurariam maneiras de sufocar ainda mais Cuba”.
Além das políticas elaboradas diretamente pelos Estados Unidos, Limia considera que uma vitória de Trump também geraria um estímulo para as forças de extrema direita no continente, que também mantêm políticas de hostilidade aberta em relação a Cuba.
“Uma vitória de Trump implicaria em um forte apoio ao bolsonarismo ou ao regime de extrema direita que Milei está tentando estabelecer na Argentina. Isso não afetará apenas esses países. Seria uma nova ofensiva contra projetos progressistas ou de esquerda, entre os quais Cuba desempenha um papel importante”, explica.
Uma vitória democrata
Apesar de, durante sua campanha presidencial, Joe Biden ter criticado duramente as medidas que seu oponente republicano estava implementando contra Cuba, logo após o fim de seu mandato, continuou com a política de “pressão máxima” que Trump implementou contra a ilha.
Limia lembra que “durante todos estes anos, mantiveram Cuba na lista de Estados patrocinadores do terrorismo, sabendo que não o somos, precisamente para manter o assédio financeiro. Uma vitória da atual vice-presidente Kamala Harris indicaria que eles vão manter as medidas de guerra econômica e assédio financeiro.”
No entanto, ressalta que é provável que ela mantenha políticas específicas que gerem pequenos espaços de diálogo, mesmo que não modifiquem o bloqueio. Medidas como as realizadas durante o governo Biden, como a retomada dos voos das companhias aéreas dos EUA para a ilha, reuniões validadas entre a Guarda Costeira e a Guarda de Fronteira, diálogo sobre desastres naturais e programas de migração, incluindo o restabelecimento de vistos de múltiplas entradas para os EUA.
“É possível pensar que não haverá novas medidas de hostilidade contra Cuba, como aconteceria no caso de uma vitória de Trump. No entanto, também é importante ressaltar que uma política de pressão máxima já está sendo aplicada e que isso não mudará substancialmente no caso de uma vitória de Harris”.
Edição: Rodrigo Durão Coelho