O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), se reuniu na tarde desta quinta-feira (31) com governadores de estados, ministros e representantes dos poderes Legislativo e Judiciário para discutir a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Segurança Pública, que vem sendo elaborada pelo Ministério da Justiça.
"Nós sabemos que a questão da segurança pública hoje não é uma questão local, como já foi em outras décadas", ressaltou o presidente ao começo da reunião, destacando a necessidade de um novo pacto federativo, com o envolvimento de todos os Poderes da federação envolvidos direta ou indiretamente no tema. "A apresentação dessa PEC é o começo de uma grande discussão que a gente quer fazer sobre segurança pública nesse país", disse o presidente.
Coube ao ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, apresentar a proposta que vem sendo construída pelo governo federal. "O que nos levou a apresentar essa proposta é a constatação que depois de 36 anos de promulgação da Constituição Federal de 1988, evidentemente a natureza da criminalidade mudou radicalmente. Essa institucionalidade que foi gestada pelos constituintes de 88 está absolutamente superada pela dinâmica da criminalidade, que era eminentemente local. [Hoje] é uma criminalidade que se organizou para além dos Estados-nação e atua com muita desenvoltura no plano internacional", relatou o ministro da Justiça no começo de sua apresentação.
A proposta do governo é alterar os artigos da Constituição para outorgar à União competências sobre a segurança pública, sobretudo na coordenação do Sistema Único de Segurança Pública (Susp), instituído por simples lei ordinária (lei 13.675, de 11 de junho de 2018), permitindo que o governo federal e o Congresso estabeleçam normas a serem seguidas pelas polícias estaduais.
Além de inserir o Susp na Constituição, a PEC propõe a unificação dos fundos Nacional de Segurança Pública e de Política Penitenciária, cujos recursos seriam repartidos entre os três níveis administrativos da federação para financiar o sistema, que teria seu contingenciamento proibido. A proposta ainda cria um sistema nacional de informações unificado e padronizado, e propõe a criação de uma nova polícia formada por civis, de caráter ostensivo, a partir do efetivo da Polícia Rodoviária Federal (PRF), proposta que o próprio ministro considerou "polêmica".
"Nós não temos uma polícia ostensiva, ao contrário do que ocorre nos estados e no Distrito Federal. O modelo dos estados e do Distrito Federal, de duas forças com funções distintas, é um modelo de sucesso, claro, observadas as suas imperfeições, e que merece ser replicado no âmbito da União. Então o que nós estamos propondo é que a União também tenha uma polícia ostensiva tal como têm os estados e o Distrito Federal", defendeu.
O ministro ainda criticou a ausência de integração entre os sistemas de segurança pública estaduais que, segundo ele, facilita a atuação das organizações criminosas. "Hoje no Brasil existem 27 declarações de antecedentes criminais, 27 boletins de ocorrência diferentes, 27 formatos de mandados de prisão, 27 carteiras de identidade estaduais". Durante sua exposição, Lewandowski fez questão de se antecipar a críticas ou questionamentos que pudessem ser impeditivos para um acordo sobre a PEC. "[A PEC] não intervém no comando das polícias estaduais, não diminui a atual competência do estado, do município, e não cria novos cargos públicos", destacou.
A PEC recebeu o apoio do presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Herman Benjamin. "É importante porque não é uma iniciativa de mudança constitucional para tratar do que é peculiar, é uma mudança constitucional para tratar daquilo que é comum, respeitando os poderes e as necessidades de cada um dos estados. E a pergunta que talvez fique para todos nós é: por que isso não foi feito até agora?", disse.
Apenas três governadores não compareceram nem enviaram seus vices. São eles: Jorginho Mello (PL), de Santa Catarina; Ratinho Júnior (PSD), do Paraná; e Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais.
Governadores se dividem sobre a proposta
Embora o governo federal tenha focado na apresentação da PEC, alguns governadores levaram à reunião propostas de outras medidas infraconstitucionais para revisão de penas, financiamento de compra de equipamentos e fortalecimento das polícias estaduais.
"A gente está tomando contato com o texto da PEC pela primeira vez. Acho que a gente precisa agora deglutir, digerir e aprofundar, mas entendo que a gente pode fazer uma série de movimentos conjugados antes e submeter não só a PEC, mas um pacote de medidas para o Congresso Nacional", disse o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Já o governador do Rio de Janeiro, Claúdio Castro (PL), defendeu concretamente a retirada dos investimentos em segurança pública de limites de gastos e advogou pelo fim da progressão de pena para criminosos condenados por participação em milícias.
"É impossível que nós, nos estados, consigamos fazer o verdadeiro trabalho segurança pública, se não tivemos o poder de legislar, assim como nos Estados Unidos, assim como são diversos países onde os estados legislam. Uma mudança estrutural é fundamental para os estados poderem legislar sobre pena, legislar sobre progressão, até porque nós somos um país muito grande", defendeu o governador do Rio.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), utilizou sua fala para fazer propaganda das medidas de segurança adotadas em seu estado, e considerou a proposta integração do Susp a nível nacional um "engessamento", contrapondo-se frontalmente à proposta da PEC.
"Com todo respeito, mas o Sistema Único de Saúde, o sistema de educação, não pode ser confundido com um Sistema Único de Segurança Pública, são coisas distintas. Você trata pneumonia, o câncer, a fratura exposta, igual em qualquer estado da federação. Eu busco a educação de qualidade alfabetização na idade certa ou resultado Ideb em qualquer município ou estado da federação. Agora, segurança pública tem suas peculiaridades. Eu conheço a segurança pública do estado de Goiás, mas eu não conheço segurança pública na Amazônia", afirmou o governador.
"Nós precisamos de entender que o governo federal tem que servir de apoio a nós e não o governo federal, ou o Congresso Nacional quererem ditar regra para nós, os entes federados. É uma inversão completa", disse Caiado, que ainda afirmou não aprovará a instauração de câmeras corporais para os policiais militares de seu estado. O governador goiano ainda se somou à proposta de Tarcísio de Freitas para dar aos estados o poder de criar normas sobre a legislação penal e penitenciária, atualmente de exclusiva responsabilidade do Congresso Nacional.
Em representação do Consórcio do Nordeste, que reúne os nove estados da região, o governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), saudou a inciativa do governo federal e defendeu que fossem superadas as divergências ideológicas entre o conjunto dos governadores para que se possa avançar em medidas concretas para o aumento da segurança nos estados.
"A nossa disponibilidade do Consórcio Nordeste é a disponibilidade de construir um ambiente que não seja afetado por qualquer manifestação nossa de aspectos políticos partidários ou de concepção ideológica. Esse é um tema de extrema importância, é um tema de Estado, é um tema da população brasileira, e nós estamos dispostos a nos darmos as mãos como se o vem fazendo para criarmos um ambiente de segurança", afirmou.
O governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), fez ponderações à fala de Caiado. "Eu concordo com Caiado. Os estados podem e devem ter mais autonomia para legislar nesse território, nessas áreas. Mas hoje a realidade é essa, que só se alterará com o tempo. Então nós temos uma tarefa agora que é: o governo federal, a União, está disposta a assumir um protagonismo maior no enfrentamento da criminalidade, ponto", afirmou. "Ressalvado aqui, de fato, a questão da soberania dos estados que a gente pode analisar, mas tem todo o meu apoio para que o governo federal possa fortalecer o Sistema Único de Segurança Pública", declarou o capixaba.
Edição: Thalita Pires