"A prisão preventiva de Daniel Jadue foi absolutamente instrumental para outros fins", afirma Juan Carlos Manríquez, advogado do ex-prefeito de Recoleta e membro do Partido Comunista do Chile. Depois de passar 91 dias preso no Anexo Penitenciário Capitán Yáber, Jadue passou, no último 2 de setembro, para prisão domiciliar.
Um dos principais nomes do Partido Comunista chileno e potencial candidato à presidência do país, Daniel Jadue foi preso em 3 de junho. A detenção, somada à destituição da prefeitura de Recoleta, comuna de Santiago, aconteceu depois de ele ter sido formalmente acusado pelo Ministério Público por administração desleal, fraude fiscal repetida e crime de falência.
As acusações foram feitas no âmbito de um inquérito sobre as "Farmácias populares". O programa de acesso a remédios por um preço mais baixo que o das redes comerciais, na opinião do advogado Manríquez, incomodou a indústria farmacêutica no Chile.
"A Associação Chilena de Municípios com Farmácias Populares (Achifarp) é uma iniciativa que partiu da municipalidade de Recoleta, uma das mais populosas de Santiago", explica Manríquez ao Brasil de Fato. Atualmente no Chile existem cerca de 190 drogarias neste modelo, que vendem medicamentos a preço de custo.
"As farmácias populares aproximaram estes produtos das pessoas com preços muito mais acessíveis. Isso se somou a uma crítica política de que Jadue estaria usando está política com vistas a uma campanha presidencial, o que provocou que a indústria reagisse contra esta iniciativa", pontua.
Durante os dois anos que antecederam a última eleição presidencial chilena, realizada em dezembro de 2021, Daniel Jadue liderou as pesquisas de intenção de voto. Perdeu, no entanto, as primárias de seu partido contra Gabriel Boric, que foi eleito para a presidência do Chile. O país escolherá o próximo chefe do Executivo no fim de 2025.
Neto de um imigrante palestino, Jadue se tornou prefeito de Recoleta em 2012 e se reelegeu duas vezes. Seu terceiro mandato foi interrompido pela prisão preventiva decretada pela juíza Paulina Moya, com base em uma denúncia feita pela Best Quality Products.
A empresa alegou não ter recebido parte do pagamento pelo fornecimento de suprimentos médicos para a Achifarp. Sem que o julgamento tenha sido concluído, Molina afirmou, em sua decisão, que a "liberdade de Jadue é perigosa para a segurança da sociedade".
Ataque ao "consenso neoliberal"
A advogada Anjuli Tostes, servidora pública federal e companheira de Jadue, é sócia fundadora da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD).
Durante o seminário internacional da entidade, intitulado "O enfrentamento ao fascismo e a luta pela democracia no sistema de Justiça" e realizado na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) em Guararema (SP), Anjuli conversou com o Brasil de Fato.
Para Tostes, "Daniel Jadue não é perseguido pela pessoa que é. Mas por representar um projeto. Um projeto popular que foi interrompido em 1973, com o golpe contra Salvador Allende".
A redução do custo de remédios, integrada a outras políticas como de facilidade de acesso a óticas e livrarias na Recoleta, "deixaram o mercado farmacêutico chileno, historicamente dominado pelas empresas Salcobrand, Farmacia Ahumada e Cruz Verde, com outra cara. Baixa em 40% o preço médio dos medicamentos e gera um novo fenômeno, que é a abertura das farmácias de bairro", descreve.
De acordo com a membra da ABJD, a acusação contra Jadue "envolve cinco delitos inventados". "São discutidas questões administrativas de compras que ocorreram num contexto pandêmico, acho que muito inspirado no que passamos aqui no Brasil. Uma das acusações é o chamam lá de 'bicicleta', que é fraude fiscal. O que chamamos aqui de pedalada fiscal, justamente o que foi usado para depor ilegitimamente a nossa presidenta eleita", relaciona Tostes, se referindo ao impeachment de Dilma Rousseff (PT) em 2016.
"É importante dizer que o caso de Daniel Jadue não é isolado", avalia Anjuli Tostes. "Ele se insere num contexto de guerra híbrida em que nós temos no Sul Global um ataque a lideranças que simbolizam projetos alternativos ao consenso neoliberal", conclui.
Edição: Thalita Pires