Resumir as qualidades de um atleta como Maguila a sua força física é uma injustiça, dizendo o mínimo
Ao acompanhar a biografia de Adilson “Maguila” Rodrigues, narrada pelo historiador e treinador de boxe Breno Macedo em uma publicação em seu perfil do Instagram, fiquei marcado pela seguinte passagem: Maguila era, dentre tantas outras qualificações, um “homem comum”.
Olhando de perto, nada parece comum em sua trajetória. Nascido e criado em Aracaju, em uma família ao lado de mais vinte irmãos, Maguila foi, em seus 66 anos de vida, pedreiro, segurança, cantor de samba, candidato a deputado federal, apresentador de programa jornalístico, comediante, figura pública e notável por onde quer que tenha passado. E o mais famoso boxeador brasileiro, diga-se de passagem.
Segundo o jornalista Henrique Matteucci, em seu livro Luzes do Ringue, o apelido Maguila teria vindo do período em que trabalhava como servente de pedreiro em São Paulo, e, tendo carregado três sacos de cimento de uma só vez, da rua até o fundo da obra onde era empregado, foi chamado pelos colegas com o nome do macaco grandalhão, protagonista de um desenho infantil da produtora Hanna-Barbera e televisionado no Brasil a partir dos anos 1970.
Contudo, resumir as qualidades de um atleta como Maguila a sua força física é uma injustiça, para dizer o mínimo. São diversos e variados os fatores que formam a eficácia de um boxeador de alto rendimento e carreira longeva, como ele: inteligência motora, ritmo, agilidade, destreza e diversas outras habilidades sensoriais, rapidez na tomada de decisões, astúcia, controle emocional, resiliência, facilidade de aprendizagem. E coragem.
Maurício Dehò, outro jornalista, descreve em seu livro, Em 12 Rounds, a afirmação de Maguila ao saber que enfrentaria o estadunidense Evander Holyfield, o maior desafio de sua carreira:
O Miguel de Oliveira (seu treinador) falou que eu estava muito cru, ainda, para enfrentar o Holyfield. Que era bom esperar um pouco. Mas os caras são meus empresários, eu não ia falar “não vou”. Eu disse: “luto com qualquer um”. Se vou bater ou apanhar não interessa, eu luto com qualquer um.
Para o filósofo grego Platão, a coragem é uma espécie de salvação. Para Maguila, assim como para tantos outros homens comuns, a coragem é essa sensibilidade. Um orgulho, um dom que não se ensina. Ou adquirida, principalmente, no sofrimento da infância que todo menino alvo de racialização, de uma forma ou de outra, enfrenta.
Ou seja, de uma perspectiva racializada, desenvolver a coragem seria um componente fundamental para a formação subjetiva de pessoas não brancas. Temos, assim, na violência da diáspora africana e nos processos antagônicos de socialização que estruturaram as relações de gênero, classe e raça no Brasil, sua raiz.
Para uma geração de homens comuns que migraram para o sudeste durante o período de transição da ditadura militar para a democracia, a performance da coragem e da valentia foi, e continua sendo, um atributo fundamental para se construir uma vida digna. A valorização da própria coragem é ressaltada por atletas e treinadores de boxe, a exemplo de Maguila, através de histórias contadas sobre confrontos e enfrentamentos diversos, das festas de carnaval às disputas motivadas por prestígio e reconhecimento.
Ou seja, essa performance da postura destemida é materializada socialmente em situações muito diferentes, em festas populares, em ambientes de trabalho e educação, no cotidiano de forma geral, assim como na arena competitiva da modalidade de combate mais popular do mundo.
Maguila é a tradução mais bem acabada desta geração. Venceu e foi derrotado, foi polêmico e contraditório muitas vezes, sempre seguindo de cabeça erguida. Entre as qualidades de um homem comum e a coragem de um herói está sua vida e obra. Herdou de Muhammad Ali, seu maior ídolo e referência, a vocação para dizer tudo que queria, do jeito que queria, com honestidade e espontaneidade marcantes. Obrigado Adilson Rodrigues, o maior peso pesado da história do boxe brasileiro.
*Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.
Edição: Rodrigo Durão Coelho