Dezenove dias depois do início dos protestos na Bolívia, manifestantes ocuparam um quartel e prenderam cerca de 20 militares nesta sexta-feira (1). A ação vem na esteira das operações policiais que tentam desmobilizar os atos em defesa do ex-presidente Evo Morales. A tomada do quartel foi realizada na região do Chapare, local que é reduto eleitoral do ex-mandatário.
Os atos têm como principal ferramenta o bloqueio de estradas no país. Nesta sexta, as polícias civil e militar fizeram uma operação para desbloquear o acesso a Parotani, em uma das entradas de Cochabamba. Morales está na cidade desde que começou a ser investigado por manter relações com uma menina de 15 anos em 2015, quando ainda era presidente.
O ex-presidente da Bolívia não compareceu para depor na Delegacia Geral de Polícia de Tarija.
O Ministério Público anunciou, há algumas semanas, que emitiria um mandado de prisão contra ele, mas não se pronunciou desde então. Evo publicou uma carta nesta sexta endereçada ao presidente Luis Arce afirmando que, se fosse determinada a intervenção militar, o mandatário seria responsável por "dividir e prejudicar a Bolívia". Afirmou ainda que, para Arce, "os índios valem menos do que as balas que os matam".
As Forças Armadas do país emitiram uma nota afirmando que a tomada de unidades militares por "grupos armados irregulares" é uma "traição à pátria" e pedindo que os militares presos sejam libertos. O texto também pede que os manifestantes deixem as dependências das unidades militares.
Os manifestantes pedem o encerramento das investigações contra o ex-presidente e que ele possa ser candidato às eleições presidenciais de 2025.
Evo foi acusado pelo ministro da Justiça, César Siles, de criar uma rede de jovens de 14 a 15 anos para ter a sua disposição enquanto era presidente. O ministro disse que esse grupo seria chamado de "Geração Evo". Os pais da jovem também estariam sendo investigados porque supostamente receberam dinheiro ao entregá-la ao ex-presidente em troca de favores.
De acordo com a lei boliviana, caso ele não se apresentasse para depor, a Justiça poderia determinar uma ordem de captura para que Morales deponha. César Siles reforçou que Evo estaria sujeito à prisão caso não comparecesse.
Nesta sexta-feira, a secretária de Gênero de Cochabamba, Tatiana Herrera, denunciou Evo por outros cinco casos envolvendo tráfico de pessoas e estupro. Os crimes teriam sido cometidos desde 2019. Elas seriam menores de idade e teriam sido enviadas a La Paz por intermediários.
"Cinco famílias do Chapare que esta semana tiveram que chegar à cidade de Cochabamba para apresentar suas denúncias por atos de estupro, tráfico de pessoas e abusos, não puderam chegar devido aos bloqueios", disse Herrera.
O ex-mandatário criticou a investigação, dizendo que as acusações são "inventadas" e têm como objetivo forçar um processo criminal.
Disputa com Arce
Evo chamou de traição a relação com o atual presidente Luis Arce. O ex-presidente se tornou o principal opositor do atual governo depois de voltar do exílio na Argentina. Morales critica algumas decisões de Arce e seus apoiadores e passou a disputar espaço pela candidatura do Movimento Al Socialismo (MAS) nas eleições presidenciais de 2025.
O estopim da desavença, na corrida pela liderança do MAS, se deu em outubro de 2023, quando Morales organizou um congresso em Lauca Eñe, no distrito de Cochabamba. A região é berço político e reduto eleitoral do ex-presidente. No evento, ele chamou os apoiadores de Arce de "traidores".
O Tribunal Constitucional Plurinacional da Bolívia decretou, em dezembro de 2023, que presidentes e vice-presidentes só poderiam exercer o cargo por dois mandatos, de forma seguida ou não. Com a sentença judicial, Evo Morales, que foi presidente por quatro mandatos, não poderia voltar ao poder.
No entanto, um novo Tribunal Constitucional será eleito em dezembro. Os apoiadores de Evo consideram que, com novos juízes, essa norma poderia cair e Evo poderia voltar a ser candidato em 2025.
No último domingo (27), Morales publicou, em seus perfis nas redes sociais, um vídeo do momento em que o carro em que ele estava era alvo de tiros. De acordo com a denúncia de Morales, trata-se de um atentado cujos autores seriam quatro homens encapuzados e vestidos de preto. O ex-presidente disse que a perseguição aconteceu quando ele viajava de sua casa, em Villa Tunari, à cidade de Chimoré. Nesta sexta, ele disse que Arce conhecia os autores dos disparos.
O ministro de governo da Bolívia, Eduardo del Castillo, negou que o carro do ex-presidente tenha sido atacado pela polícia do país. De acordo com ele, o veículo que transportava o ex-mandatário fugiu de uma operação policial que estava na estrada da cidade de Villa Tunari.
Edição: Martina Medina