"O Supremo Tribunal Federal está usurpando a competência constitucional da Justiça do Trabalho", avaliou Valeir Ertle, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), durante seminário internacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), finalizado nesta sexta-feira (1), em Guararema (SP).
Magda Biavaschi, desembargadora aposentada do trabalho e integrante da ABJD, também participou da mesa intitulada "STF e neoliberalismo: desregulamentação dos direitos sociais e ataque à democracia". Tem sido cada vez mais comum, alerta, que ministros do Supremo se debrucem sobre decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e "declarem nulas as decisões que consideram vínculo do trabalho e a remetam para a justiça comum. Com isso, dão a senha para o desrespeito e para a burla".
O caso aconteceu, por exemplo, em novembro de 2023, quando o ministro Cristiano Zanin anulou uma decisão da 6ª Turma do TST que confirmava o vínculo entre um entregador e a empresa Rappi. Segundo Zanin, "a Justiça do Trabalho desconsiderou aspectos" que "consagram a liberdade econômica e de organização das atividades produtivas".
De forma similar, em maio do ano passado, o ministro Alexandre de Moraes cassou decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-3) que tinha reconhecido vínculo de emprego entre um motorista e a plataforma Cabify Agência de Serviços de Transporte de Passageiros Ltda.
"Chama a atenção o aumento de decisões monocráticas em questões trabalhistas no STF. Um ministro do STF anula uma decisão do TST", ressalta Valeir Ertle. "De 371 decisões monocráticas do STF no âmbito trabalhista em 2017, foram 2.030 em 2019 e 3.030 em 2024", destaca o sindicalista.
A Suprema Corte também considerou lícita a terceirização em qualquer tipo de atividade produtiva, legitimou a escala de trabalho de 12x36 - quando a pessoa trabalha 12h seguidas e descansa nas 36 seguintes - e considerou constitucional a reforma trabalhista aprovada em 2017, sob o governo de Michel Temer.
"As decisões da Justiça do Trabalho têm sido nulificadas por afirmações de que a ela não compete declarar vínculo de emprego", sintetiza Biavaschi, para quem as ações do STF fazem parte "de um projeto de Estado, de sociedade".
"Uma análise da fala dos acórdãos do STF, quando dizem que nossa Constituição assegura a livre iniciativa como direito absoluto", critica a jurista, "é de que a Justiça do Trabalho não compreende o processo de dinamização da economia que se dá à luz do empreendedorismo, ela cria obstáculos ao desenvolvimento econômico, ela traz insegurança jurídica, afasta os investidores, e, portanto, precisa ser regrada".
Para Magda Biavaschi, a Constituição de 1988, "contrariamente ao que dizem alguns ministros, não assegura a livre iniciativa como um direito. Ela a condiciona ao valor social do trabalho. Ela não assegura a propriedade como um direito. A desembargadora condiciona o direito de propriedade à sua função social". O que se vive, avalia a desembargadora, "é a instrumentalização do Estado em favor dos interesses privados".
Ponderando que o STF cumpriu papel importante na defesa do sistema eleitoral e contra a tentativa bolsonarista de golpe, Biavaschi pontua que "quando se trata dos direitos sociais ou do sistema público de proteção social, que inclui o trabalho, os sistemas de fiscalização, as organizações sindicais, é um arrasa quarteirão. Vivemos uma desconstrução, uma retirada de voz deste sistema público. Um esvaziamento da força da Justiça do Trabalho".
Marcus Seixas, do Sindicato dos Advogados de São Paulo (SASP), defende que haja "um movimento para que pessoas do direito do Trabalho cheguem ao Supremo".
Na visão de Magda Biavaschi, "o ponto de luz é o campo da política, onde as organizações sociais se dão, onde as disputas se dão e onde podemos, com muita dificuldade, construir movimentos contra-hegemônicos".
Edição: Martina Medina