ENTREVISTA

Belo Horizonte teve mais abstenções que eleitores de Engler (PL); pesquisador discute desânimo com a política

Discurso raivoso da extrema direita e descaracterização da esquerda ajudam a explicar o cenário, para professor

Belo Horizonte (MG) | Brasil de Fato MG |
Foto - - Bruno Peres/ABr

Após a divulgação do resultado do segundo turno das eleições municipais de Belo Horizonte, além da reeleição de Fuad Noman (PSD), outro fato ganhou a atenção de especialistas. Ao todo, mais de 636 mil eleitores aptos a votar não foram às urnas, atingindo a marca de quase 32% do eleitorado, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

Para se ter uma ideia, o candidato derrotado, Bruno Engler (PL), recebeu aproximadamente 577 mil votos. Ou seja, quase 60 mil votos a menos que a quantidade de abstenções. Fuad Noman conseguiu ultrapassar a marca de ausências e foi votado por mais de 670 mil leitores, mas a diferença é pequena. 

Para entender quais fatores ajudam a explicar esse cenário, o Brasil de Fato MG conversou com José Luiz Quadros de Magalhães, especialista em teoria do Estado, pesquisador e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). 

Na avaliação dele, o cenário político brasileiro tem sido dinamizado por dois discursos. O primeiro é o da extrema direita, que, apesar de ser conservadora, apresenta candidatos que aparentam ser "disruptivos" e que mexem com as emoções, raivas e ressentimentos de parcela considerável da população.

O segundo é o da esquerda, que, para José Luiz Quadros, tem dificuldade de se atualizar às mudanças ocorridas na sociedade. Ao mesmo tempo, parte desse setor, na avaliação do especialista, diante do crescimento da extrema direita, assume uma postura mais "amena", deixando de se apresentar como alternativa de transformação. 

"O jovem vê nos discursos da extrema direita o cara 'chutando o balde' e se identifica. Enquanto isso, a esquerda apresenta um discurso 'bonzinho' que, muitas vezes, é deglutível apenas para uma classe média alta", explica. 

Ao mesmo tempo, o professor destaca que existe uma parcela considerável da população que rejeita a extrema direita, mas também, como consequência da descaracterização da esquerda, não vê de forma clara no campo progressista as respostas para os seus anseios.

Para ele, a articulação desses fatores com a ausência de uma candidatura de esquerda no segundo turno da capital mineira ajuda a explicar o alto índice de abstenções no município.

"A ausência de uma opção à esquerda no segundo turno, construída junto com a população, junto com jovens, escutando as pessoas, sem dúvidas, leva à abstenção e ao desencanto com a política", avalia José Luiz Quadros. 

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Leia a entrevista completa:

Brasil de Fato MG - Quase 640 mil eleitores de Belo Horizonte aptos a votar se abstiveram de participar do segundo turno das eleições municipais. Na sua avaliação, quais fatores ajudam a explicar esse cenário? 

José Luiz Quadros de Magalhães - Estamos diante de um cenário complexo, no sentido de que há públicos e eleitores com demandas, preocupações e implicações diversas. Primeiro, temos um grupo mais vinculado à classe média, com o discurso de esquerda tradicional, que estava engajado em uma campanha que não foi para o segundo turno e, portanto, precisou votar no Fuad Noman (PSD). Dentro desse grupo, pode ter havido alguma abstenção.

Depois, temos um grupo inflamado pela extrema direita, que, em muitos casos, nem tem conhecimento sobre o espectro político, mas vêm tratando a política como se fosse um jogo de futebol, ou seja, você escolhe um e é contra o outro.

É o "anti-PT", aquele discurso raivoso, que pega uma parcela expressiva da população, por meio do medo e do ressentimento. Isso leva esse grupo a querer votar em candidatos que aparentam ser "disruptivos", que criticam tudo e que mexem com as emoções das pessoas. Do ponto de vista deles, a extrema direita é o setor "revolucionário".

Por fim, temos o grupo que se absteve, que é uma parcela expressiva da população. Alguns preferiram não votar porque não veem alternativa. Ou seja, são capazes de identificar negativamente o discurso vazio da extrema direita, mas também não veem na esquerda uma alternativa efetiva. 

Por que a esquerda não conseguiu influenciar o voto dessa parcela da população que discorda do discurso da extrema direita?

Podemos identificar vários problemas, o que requer uma análise cuidadosa e a escuta de vários especialistas e de pessoas engajadas nos movimentos políticos. Mas existe na esquerda um discurso antiquado. Seja aquele que parou no século XIX, em alguns aspectos, seja a narrativa que "endireitou" os candidatos. 

A esquerda começou a "fabricar" candidatos "bonzinhos", que apresentam discurso de apaziguamento, desfigurando-se e ficando sem se apresentar como alternativa. 

A consequência de todos esses fatores articulados levam a uma grande abstenção. As pessoas deixam de ver a manutenção dessa dicotomia entre esquerda e direita. Vereadores de esquerda de BH têm qualidade, fazem coisas importantes.

Precisamos escutar mais o que as pessoas querem, principalmente o que os jovens querem, e parar de apresentar soluções prontas. Com a escuta, é possível ajudar as pessoas a descobrirem efetivamente onde está o seu caminho de libertação. Porque a promessa da extrema direita, o empreendedorismo individual e a uberização da economia são formas de opressão. 

Os jovens não querem a opressão do patrão, da carteira de trabalho e de uma social democracia que afundou no fim do século passado, mas também não querem a opressão das plataformas.

Em Belo Horizonte, o eleitorado teve no segundo turno uma opção de extrema direita e outra de centro-direita. Na sua avaliação, a ausência de uma candidatura de esquerda se relaciona com as abstenções? 

A ausência de uma opção  à esquerda, construída junto com a população, junto com os jovens, escutando as pessoas, sem dúvidas, leva à abstenção e ao desencanto com a política.  Precisamos discutir isso e volto a insistir: é fundamental escutar.

As ciências sociais, a história e teoria do Estado vêm estudando e identificando que não adianta a gente "entrar contra a corrente", mas é necessário ouvir o desejo das pessoas de forma inteligente. No caso da juventude, acredito que o central é o debate sobre liberdade.

Também precisamos ter coragem, parar de querer agradar todo mundo e de ter medo. Medo esse, que a extrema direita não tem. O jovem vê nos discursos da extrema direita o cara "chutando o balde" e se identifica. Enquanto isso, a esquerda apresenta um discurso "bonzinho" que, muitas vezes, é deglutível apenas para uma classe média alta. A gente já tentou isso, não tem funcionado e não vai funcionar. 

A quantidade de abstenções na capital mineira foi maior que a quantidade de votos recebidos por Bruno Engler (PL) e se aproximou da votação do prefeito reeleito Fuad Noman (PSD). Na sua avaliação, o que esse retrato diz sobre a correlação de forças no município?

Belo Horizonte já foi um município de esquerda. Eu lembro da eleição do Lula (PT), do abraço que fizemos na Avenida da Contorno, nós fechamos a Contorno. Nessa época, tínhamos um eleitorado mais à esquerda. 

Porém, a população da cidade mudou. Muita gente foi "expulsa" da cidade para municípios do entorno da Região Metropolitana. Houve também um processo de gentrificação e também um fenômeno de expansão das igrejas pentecostais, como a Igreja da Lagoinha, que contribuiu para o eleitorado ficar mais conservador. 

Sobre a correlação de forças institucional, nós tivemos um crescimento ligeiro, mas importante da esquerda na Câmara de Vereadores. Os representantes dos partidos de esquerda no legislativo de BH também têm mais qualidade atualmente e isso tem feito a diferença. Mesmo sendo minoria, eles conseguem fazer coisas importantes para a cidade. 

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Fonte: BdF Minas Gerais

Edição: Elis Almeida