O fim da isenção fiscal não impactaria o preço final dos alimentos para o consumidor
Nesta terça-feira (5) o Supremo Tribunal Federal (STF) realiza uma audiência pública sobre a desoneração de impostos para agrotóxicos. Reivindicada por organizações sociais, a escuta aos diferentes setores busca reunir subsídios para o julgamento pelos ministros da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5553.
Ajuizada pelo Partido Socialismo e Liberdade (Psol) em 2016, a ADI questiona as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97 do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) e o Decreto 7.660/2011. Esses dispositivos concedem redução de 60% da base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS), além da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) de determinados tipos de agrotóxicos. A medida ficou conhecida em vários setores como “bolsa-agrotóxicos”.
A não tributação dos agrotóxicos ocorre porque o Estado brasileiro aplicou o princípio da seletividade e essencialidade tributárias, uma ação regulatória que permite que determinados produtos tenham benefícios fiscais conforme sua importância. Isto é, se o produto é essencial para a sociedade, pode ter isenções ou reduções tributárias. É que acontece com alimentos da cesta básica, por exemplo. No caso de produtos nocivos à saúde humana e ao meio-ambiente, entretanto, não é justificável.
As evidências científicas indicam que a ingestão de alimentos contaminados, bem como o contato com água e ar intoxicados, associa-se a diferentes tipos de câncer, mutações no DNA, malformações fetais, alterações hormonais e reprodutivas, além de danificar os sistemas endócrino, neurológico, imunológico e respiratório, dentre outros agravos à saúde. Os danos ao meio-ambiente também são severos: a cultura do agrotóxico contribui para a perda de biodiversidade e para a poluição do solo e lençóis freáticos. Ao contrário da isenção, deveríamos garantir a inclusão dos agrotóxicos no Imposto Seletivo, em âmbito da Reforma Tributária.
O assunto, ainda que de extrema relevância, é pouco presente na imprensa hegemônica: - a mesma que defende, abertamente, cortes de gastos e medidas de austeridade, com argumentos de “equilíbrio fiscal”.
A isenção fiscal de agrotóxicos gera um impacto direto na arrecadação fiscal. De acordo com levantamento realizado pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a estimativa é de que estados e União deixaram de arrecadar R$ 12,9 bilhões, considerando a comercialização de agrotóxicos no ano de 2021. O valor representa, por exemplo, cinco vezes o orçamento reservado pela União em 2024 para prevenção e combate a desastres naturais (R$ 2,6 bilhões).
A cada US$ 1 gasto na compra de agrotóxicos, US$ 1,28 são gerados de custos externos com o tratamento em saúde por intoxicações agudas causadas por agrotóxicos. Uma conta que recai sob o Sistema Único de Saúde (SUS), historicamente subfinanciado. Há ainda que considerar a subnotificação de registros e as doenças, citadas anteriormente, de mais difícil reconhecimento pelo SUS da correlação entre a ocorrência da enfermidade e a exposição ao veneno.
Diferentemente do que o agronegócio alardeia na imprensa, o fim da isenção fiscal não impactaria o preço final dos alimentos para o consumidor. Isto porque, de acordo com a própria entidade representativa do agronegócio, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), 84% dos agrotóxicos em uso no Brasil são aplicados para a produção das quatro principais commodities de exportação (soja, milho, algodão e cana-de-açúcar) cujos preços são estabelecidos pelo mercado internacional. Uma maior tributação do mercado de agrotóxicos impactaria, portanto, o bolso dos grandes produtores de commodities, e é aí que está a resistência em rever um benefício fiscal concedido há mais de 27 anos.
O bônus da isenção fiscal é usufruído pelo mercado de agrotóxicos e empresário do agronegócio. O ônus sentido pelo povo, pelas contas públicas, saúde e meio ambiente.
É de se esperar, portanto, que a sociedade seja subsidiada com informações pelos meios de comunicação e convidada para um amplo debate público, inclusive para formular uma avaliação e posicionamento autônomos sobre a concessão da isenção fiscal para agrotóxicos. A prática dominante na mídia, é de silenciamento sobre o tema da isenção fiscal, dos impactos dos agrotóxicos e da conexão do uso crescente dos venenos com pautas da ordem do dia – como a crise climática.
As exceções de produção de conteúdo sobre estes assuntos partem, prioritariamente, de veículos de comunicação independentes, como a Agência Pública que revelou a presença de agrotóxicos de alto potencial cancerígeno na água ou a denúncia pelo Brasil de Fato de uso de agrotóxicos como arma química para expulsão dos Avá Guarani dos seus territórios, no oeste do Paraná.
A estreita ligação entre o agronegócio e as propriedades de comunicação no Brasil delineia a representação do uso dos agrotóxicos como prática ausente de impactos socioambientais e parte integrante de um modelo de desenvolvimento necessário ao Brasil. O agro(tóxico) é pop e fundamental para o país.
Também é desconhecida a relação entre a posse dos veículos e de terras pelos mesmos sujeitos. Os membros da família Marinho, donos do conglomerado Globo, têm fazendas e empresas de produção agrícola, como a Fazenda Bananal Agropecuária, as Fazendas Guara Agropecuária e a Mangaba Cultivo de Coco. O programa jornalístico Globo Rural, no ar desde 1980, foi um dos apoiadores do 24º Congresso Brasileiro do Agronegócio.
Essa estreita relação entre os meios privados de comunicação e o agronegócio mostra que, diferente do papel de fiscalizador da sociedade, a mídia privada tem deixado de cumprir seu papel social em visibilizar temas de evidente interesse público e contribuir no debate pela sociedade. Saúde, meio ambiente, transparência pública, informação e a sociedade perdem muito com isso.
*Hara Flaeschen é integrante da Diracom, jornalista de Saúde Coletiva e mestre em Informação e Comunicação em Saúde pela Fiocruz / Lizely Borges é integrante da Diracom, jornalista na organização Terra de Direitos e mestre em comunicação pela UnB
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Nathallia Fonseca